quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Super-Super

 Super-Super Enfrenta Pouco Pano - uma história de super-heróis.


Parte 1 - Em cena, Pouco Pano.


Os relógios anotavam quatorze horas de uma segunda-feira ensolarada. O mês,Novembro. Ia quente o dia. O Sol, de rachar a cabeça, punha todas as pessoas a suarem em bicas, a beberem água em abundância, e a se abrigarem à sombra de prédios, muitos, e de árvores, poucas. Pássaros banhavam-se no chafariz da Praça Orlando Silva e no lago artesanal da Praça Visconde de Cairu, ambas próximas de uma agência bancária, agência que está no centro da aventura cuja narração já iniciamos. Iam os carros, os ônibus, as caminhonetes, as motos, as bicicletas, de um lado para o outro, num azáfama de enlouquecer as pessoas pacatas e de embriagar os moradores da metrópole, habituados, estes, ao caos de décadas.

Em que metrópole se passa a nossa história? Na maior e mais populosa metrópole do hemisfério sul, irrivalizada na América do Sul: Quilometrópolis, metrópole com ares de megalópole, uma área urbana extensa, de imensurável território, habitada por cinco dezenas de milhões de pessoas, que residem em arranha-céus, que perfuram os céus a ponto de abrir crateras no domo celeste. Dentre os edifícios, há um cujo topo está a seiscentos metros do solo e cuja estrutura visível está sobre um alicerce que penetra cento e cinquenta metros no chão; pelo seu subsolo passa três ferrovias metroviárias e dezenas de canais subterráneos que o conectam a outros edifícios públicos e particulares. É uma monstruosidade arquitetônica, em todos os seus aspectos, considerando todos os significados concebíveis para "monstruosidade". No topo de tal prédio,está o escritório do maior jornal do mundo, o Escurín Diário, reputado a mais respeitável e confiável fonte de informações de que se tem notícia. Entre seus jornalistas e fotógrafos estão os famosos Cláudio Frio e Pedro Praça, aquele, jornalista, amigo do Super-Super, o mais poderoso super-herói da Terra, este, fotógrafo, amigo do Aracnídeo-Humano, um super-herói não muito bem querido pelo editor do Escurín Diário, mas amado pelo povo, que o alcunhou Bróder dos Arredores. Não é em tal prédio, tampouco na sede da maior empresa de notícias que o mundo já conheceu, que se principia a história que estamos a contar. Tem início a nossa história, repetimos, em uma agência bancária situada nas proximidades das praças Orlando Silva e Visconde de Cairu. É a agência do Banco Dinheiro Em Espécie, no centro financeiro de Quilometrópolis. Sem a ninguém avisar, de repente, surprendendo a todas as pessoas que passavam pelos seus arredores, disparou o alarme da agência bancária, estridente, fazendo-se ouvir a dezenas de metros de distância, ensurdecendo toda pessoa que estava, azaradamente, ao alcance do som, e de sua origem muito próxima. Cobriram as orelhas, a tempo de protegerem seus tímpanos, centenas de pessoas; e mais de uma dezenas delas foram ao chão, de tanta dor lhes provocou o alarme agudo, penetrante. Por que soara o alarme? Perguntaram-se todas as pessoas que o ouviram. Pássaros, assustados, alçaram vôo, do prédio afastando-se, a baterem, rápido, e velozmente, as asas. As pessoas que puderam, pousaram as mãos sobre as orelhas, para se protegerem do barulho ensurdecedor, que lhes feria os tímpanos, aceleraram os passos, e foram-se para longe do prédio. Curiosos, os transeuntes que tangenciavam o edifício, para ele voltaram a atenção, à procura de uma explicação para a ocorrência. 

No interior do prédio, o caos. Multidão corria de um lado para o outro. Atropelavam-se as pessoas; pisoteavam-se. Os olhares de todas elas, assustados. Iam as pessoas com os olhos esgazeados, e o semblante, lívido. Viam-se, voando pelo ar, lábios rubros, carnudos, sedutores, suculentos, afrodisíacos, das dimensões de lábios verdadeiros; e assim que tocavam os lábios de um homem, desfaziam-se como se nuvens fossem, num estalo, cuja onomatopéia era "smack", e o homem agraciado com o ósculo exibia, na fisionomia, a paixão que o contagiava, e, abobalhado, suspirava de amor intenso, imarcescível, e fitava a mulher que emitira o beijo em nuvem.

- Socorro! Socorro! - gritou uma desgraciosa mulher, de baixa estatura, de, presume-se, cinquenta anos vividos, rechonchuda, de cabelos curtos, de grandes papadas, de orelhas quase invisíveis, alarmada, descontroladamente assustada, a correr para fora da agência bancária.

Muitos beijos etéreos, a flutuarem pelo interior da agência bancária, alcançavam os lábios dos homens, e osculavam-los - e os homens caíam num estado de maravilhamento indescritível, todos abobalhados, queixocaídos, embasbacados, boquiabertos, e voltavam-se para a mulher que emitira os beijos que os haviam seduzido. O gerente do banco, um homem de uns cento e vinte quilos acolchoados em um corpanzil de mais de cinco metros de circunferência e um e sessenta de altura, belfo, dotado de elefantinos nariz e orelhas, de lábios foscos, descoloridos, e de queixo gelatinoso, a sustentar-lhe a cabeça, de raros fios de cabelos, um pescoço de peixe-boi, a semicobrir-lhe o rosto esparsas falripas que mais pareciam cabelos de espiga de milho, estava, petrificado, atoleimado, abobalhado, boquiaberto, a babar abundantemente, o queixo caído sobre a papada que o impedia de despencar no chão, diante da figura feminina, que o mesmerizava, a de uma formosa mulher, morena, de um metro e oitenta de altura, dona de um corpo escultural, a mulher que lhe lançara um dos beijos que haviam flutuado pelos interiores do prédio até alcançarem lábios masculinos, neles estourando, graciosa, e sedutoramente com o irresistível "smack". Os lábios em espectro, ao colar-se-lhe nos lábios quase sumidos, fê-lo dela escravo.

Pouco Pano é o nome da beldade que estava diante do gerente do banco, cujo nome de batismo é Gustavo Epaminondas Bragança. Têm a exuberante Pouco Pano corpo divinamente escultural, que se rivaliza com o das deusas do Olimpo e o das sereias e o das ninfas. São seus olhos castanhos, de um castanho acobreado, brilhante; adornavam-los cílios maravilhosamente delicados, e encimavam-los sobrancelhas primorosamente desenhadas com o esmero de um mestre da pintura. Seus lábios, carnudos, rubros, cor de cereja, de um torneado suave, refulgiam, intensamente; seus cabelos, exuberantemente pretos e compridos, escorriam-lhe pelos ombros e encaichoeiravam-se-lhe pelas costas. Seus braços, finos, delicados; suas mãos, de uma delicadeza deslumbrante; seu tronco, de contornos suaves, a sustentá-los pernas lindíssimas, encantadoras. Seus quadris e cintura, emblemas de uma radiantemente perfeita maravilha feminina modelada pelas mãos mais talentosas que o mundo já viu. É tal mulher de uma beleza onírica, indescritível. As poucas palavras que aqui, neste relato, o autor usou para descrevê-la, peca pela ausência de adjetivos que lhe possam dar a exata dimensão da beleza; incapaz de o fazer, cala-se, e admira a beleza estonteante, hipnotizante, da admirável figura feminina, divinamente bela. Mal cobria-lhe o corpo esplendoroso um biquini amarelo e azul - da peça superior azul é a metade esquerda, e amarelo a direita - e é a peça inferior inteiramente azul. Na cabeça, trazia uma tiara dourada; e brincos pretos iridescentes adornavam-lhe os lóbulos graciosos das orelhas delicadas, que pareciam de seda. E cobriam-lhe os divinos pés sapatos de salto alto, verdes.

- Minha deusa - babava, pronunciando,lentamente, tão lentamente que parecia em câmera lenta, as palavras, Gustavo Epaminondas Bragança -, minha deusa divina, belamente majestosa, lindamente imperial, meu doce de coco, minha sereia, diga-me, ó, divina rainha! o que desejais, que eu, vosso mais humilde e fiel servo, irei realizar vossa vontade. Diga-me, encanto dos encantos, rainha das rainhas, sereia das sereias, deusa das deusas, o que vós de mim quereis. Canta-me, ó deusa, vossa ordem. Sou vosso fiel servo.

- Meu querido - disse-lhe Pouco Pano ao mesmo tempo que lhe tocava, com a macia e sedosa mão direita, o nariz desgracioso -, você é um amor, um amor, meu querido. Fofo. Bonitinho. Faça-me um favor, bombomzinho meu, abra-me o cofre, e dê-me todo o dinheiro, todas as jóias, todo o ouro, que lá dentro está depositado.

- Vosso desejo é uma ordem - atendeu-a o gerente -, deusa das deusas. Vós sois minha princesa, minha rainha. Venha. Acompanhai-me, maravilha das maravilhas, esplendor da natureza, mulher de perfeição divina. Acompanhai-me - e ofereceu-lhe, carinhosamente, a mão direita, com delicadeza que ninguém imaginaria que ele fosse capaz de demonstrar.

Pouco Pano pousou-lhe sobre a mão, que ele lhe oferecera, a mão esquerda, e deixou-se por ele conduzir até o cofre. No curto trajeto que os separava do objetivo, passaram por entre cadeiras e mesas, e por um corredor, que tinha, se muito, vinte metros de extensão e dois de largura. Pouco Pano lançou seus beijos etéreos, que, sempre que encontravam um homem, ia-lhe até os lábios, e neles se desmanchavam num "smack", um estalo suave, e o homem agraciado com tal beijo, suspendia a respiração, e suspirava de paixão pela linda mulher que lho oferecera, e fitava-a, embevecido.

Desfilava Pouco Pano. Exibia seu corpo escultural, dir-se-ia, em uma passarela, calma, e lentamente, encantadoramente sedutora, desinibida, com a desenvoltura de quem saiba que pairava acima de todos os homens, e que eles a admiravam, deslumbrados e maravilhados. Era, sabia, uma mulher poderosa, de figura irresistível, amada pelo homens, odiada pelas mulheres. Tinha o poder de fazer os homens se curvaram diante de si, e de escravizá-los. Preenchia todos os recantos do prédio com o odor adocicado, que se espalhava pelos arredores, que seu corpo majestoso exalava, e chegava às narinas de homens, que tão logo sentiam-se no sétimo céu, mesmo jamais vindo a saber o que até eles o conduziram.

Pouco Pano, seguida por uma legião de homens, todos sob o seu domínio, todos a transparecer no semblante o maravilhamento que ela lhes inspirava, atoleimados, a suspirarem, de paixão, a curtos intervalos, com sorriso meigo, inocentemente sedutor, e o olhar acalentador, sedutoramente carinhoso, afrodisíaco, pediu, com o meigo e encantadoramente pequeno dedo indicador da mão direita, que de si se aproximassem os homens que a seguiam, e eles, maquinalmente, prontamente a obedeceram, todos a babaram, embevecidos, a admirarem-la. Com sua voz sedutoramente maviosa, pediu-lhes, solícita, com gentileza afrodisíaca:

- Meninos, meus bombomzinhos queridos, amados, vocês me ajudam a abrir o cofre?

- Sim, senhora - responderam, todos, em unísssono, atoleimados, a pronunciar, lentamente, as palavras, soletrando-as, dir-se-ia. - Vosso desejo é uma ordem, minha rainha. Deusa das deusas. Maravilha das maravilhas, dizei-nos o que é do vosso desejo que vos obedeceremos, sempre. Bela das belas, vós sois nosso espiríto, nossa deusa, nossa rainha, nossa alma, nosso universo, o sentido único de nossa existência. Por vós vivemos. Vivemos para satisfazer vossos desejos, vossas vontades. Existimos para obedecer às vossas ordens. Majestade nossa, abriremos o cofre; e o cofre jamais será fechado.

Pouco Pano, aproximando a mão direita, aberta, à boca, a palma para cima, um pouco abaixo da boca, fez que lançava beijos para o ar, e dezenas de beijos voaram, suavemente, até os lábios dos homens e, atingindos-os, estalavam em sonoros 'smacks'. E os homens suspiravam, embevecidos, e piscavam, apaixonadamente.

Digitou Gustavo Epaminondas Bragança, num painel à esquerda da porta do cofre, a senha do cofre, automaticamente, sem de Pouco Pano desviar o olhar maravilhado, encantado, a admirar-lhe a beleza estonteante.

Os homens logo puseram-se a abrir o cofre, lentamente, abobalhados, todos a pisarem em nuvens, num estado espiritual de completa alienação, absoluto desligamento da realidade; parecia que viviam em outra dimensão, em outro universo.

Abria-se a porta, pesada, de mais de cinco toneladas, metálica, da espessura da muralha da China, e aos olhos de Pouco Pano ofereciam-se as barras de ouro, dispostas em pilhas de mais de dois metros de altura. Era o tesouro dourado de valor incalculável. Pouco Pano antecipou-se aos homens que a auxiliavam, entrou no cofre, e admirou a fortuna que tinha diante de seus olhos, e que seria sua, sabia.

Aproximou-se das barras de ouro, e de sobre a pilha, montanha de dimensões everésticas, tirou uma barra, e sopesou-a, com visível dificuldade. Brilhavam seus olhos, que refletiam o refulgente brilho dourado da preciosidade que tinha em suas mãos sedosas, objeto de cobiça de onze de cada dez pessoas. Beijou-a, suavemente, deliciando-se com o contato de seus rubros e sedutores lábios carnudos com o frio, que aquece, metal dourado. E acalentou-a ao busto bem fornido, sobrancelhas cerradas, a sonhar com as maravinhas que tal fortuna lhe permitiria adquirir. Assim que descerrou as sobrancelhas, sem se voltar para os homens que lhe admiravam a divina beleza, mesmerizados, e por ela seduzidos, disse, meiga, sedutoramente:

- Meus queridos, carreguem todas as barras de ouro para o caminhão. Por favor, amados. Bombomzinhos de cereja, peguem o ouro.

- Pegaremos o ouro - disseram todos os homens, em uníssono, sem pestanejar, maquinalmente. - Vós nos pedis que carreguemos o ouro ao caminhão, então o carregaremos. Vós, nossa divina rainha, vós, e vós unicamente, dizei-nos o que temos de fazer, e fazemos o que nos pedis. Divina sereia, majestade celestial, em nós vós mandais. Vossa ordem cumprimos, senhora do universo, deusa das deusas.

Eles, principiaram, enquanto proferiam tal discurso, acima transcrito, a tirar da pilha de barras de ouro as barras e a carregá-las,pelo corredor, até o caminhão, estacionado à frente da agência bancária.

- Vocês são uns amores - agradeceu-lhes Pouco Pano, sorrindo, e exibindo seus belos dentes lácteos. - Uns amorecos. Vocês são meus bombomzinhos de coco, meus docinhos de cereja, meus suspiros de flor de laranjeira. Vocês são o mel e a ambrósia que revigoram e rejuvenescem a minha pele. Meus docinhos.

Os homens suspiravam enquanto a ouviam. Deliciavam-se com a voz maviosa, meiga e sedutora da irresistível Pouco Pano.

Esvaziaram, sem que se lhes esgotassem as forças, o cofre, em menos de cinco minutos e, acolhendo uma ordem de Pouco Pano, dispuseram-se em círculo ao redor do caminhão. Passava pelo umbral da porta principal da agência bancária, acalentando uma barra de ouro, Pouco Pano, que ia, encantada com o tesouro que tinha em suas mãos, alienada do que lhe estava ao redor. Despertou de seu estado onírico assim que uma voz argentina chegou-lhe aos ouvidos, a pronunciar, num tom de comando, imperial, as seguintes palavras:

- Entregue-se, ou atirarei.

Pouco Pano olhou para a direção da qual lhe chegaram aos ouvidos as palavras, e viu, agachado, atrás de uma viatura policial, um homem fardado, de elevada estatura, e, em seguida, passeou seus olhos ao redor, e viu-se rodeada, como a todos os homens ao seu domínio, de viaturas policiais atrás das quais havia em cada uma delas dois policiais, e, sem perda de tempo, e sem alterar seus traços fisionômicos, com a pachorra de uma pessoa ciente de que tinha o domínio da situação, levou a mão direita, aberta, palma para cima, um pouco abaixo e à frente da boca, e enviou dezenas de beijos para os homens que lhe apontavam revólveres e pistolas. Os beijos etéreos voaram pelo espaço que os separava dos policiais, que os acompanhavam em suas evoluções aéreas, dançando no ar, até atingir-lhes os lábios, desfazendo-se com um 'smack' irresistivelmente delicioso. Os policiais boquiabriram-se, queixocaíram-se, embasbacados, todos embevecidos com a beleza sedutora da poderosa e esplendorosa super-vilã, que apenas com beijos etéreos pôs a todos eles aos seus pés, escravizados, submissos, e desceram as armas, todos a admirarem-lhe a formosura sem rival. Desfilava Pouco Pano, despreocupada, calmamente, imperiosa, até o caminhão, ninguém a incomodá-la.

Inúmeras câmeras de emissoras de televisão e de canais da internet apontavam, em sua maioria, para Pouco Pano, os homens que as manuseavam monstruosamente admirados com a exuberante beleza daquela esplendorosa mulher, que reinava absoluta sobre todos os homens, e ninguém lhe desafiava a realeza.

Emissoras de televisão, em seus noticiários, e canais informativos da internet transmitiam as imagens da super-vilã a carregar uma barra de ouro e a exibir,desinibidamente, seu corpo escultural coberto com o sumário biquini que, fazendo-lhe a fama, granjeava-lhe multidão de admiradores dispostos a empreender toda e qualquer façanha para satisfazer-lhe todos os desejos, para todos os cantos do mundo, alcançando populações nas mais remotas localidades da África, na Ásia, e no coração da Amazônia, e no topo dos Andes, dos Montes Apalaches, dos Alpes e do Himalaia. Os homens grudavam, literalmente, os olhos nos monitores de televisão, nos de computadores, nos de notebooks, e nas telas de smartphones, todos boquiabertos, de queixocaídos, hipnotizados pela beleza, divina beleza, da super-vilã que aterrorizava o centro da maior metrópole, que tem ares de megalópole, da América do Sul.

- Que peixão! - exclamou um homem magricela, queixo pontudo, testa larga, de olhos arregalados, num bar, na periferia de Quilometrópolis, diante de um aparelho de televisão fixado na parede, sua atenção concentrada na figura feminina que a câmera de televisão exibia.

- Uma sereia! - exclamou outro homem, ao lado, um tipo peludo, neandertalesco, de ventas esparramadas e sobrancelhas cabeludas. - Pedirei o divórcio. Que o padre o anule. Quero descamar a rainha marítima. Que ela me seduza com seus cantos e seus encantos. Meu Deus! Que avião!

- Está a roubar o banco - repreendeu os dois homens uma desgraciosa mulher - aquela desavergonhada, e vocês dois, dois tolos de marca maior, a louvar-lhe o corpo. Que exibida! Onde está o Super-Super, que não põe ordem na casa, e não dá fim a espetáculo, espetáculo tão grotesco, que não está no gibi, e não tira de cena e manda à prisão aquela criatura bandida?! Ele poderia nos fazer um favor: acabar com a farra daquela mulher desabusada, sem-vergonha. Ah! Se ela fosse minha filha! Eu lhe daria uns sopapos e cortava-lhe o lombo com espada-de-são-jorge e varinha-de-marmelo. Ah! Ela veria com quantos paus se faz uma canoa. Não me escaparia das mãos, a maldita! E o Super-Super que não aparece...

- De que adiantaria ele ir até a moça de biquini?! - perguntou um homem desdentado, que, tal qual os outros presentes no bar, tinha a sua atenção voltada para o monitor de televisão. - Super-Super é um homem. Contra aquela maravilha da natureza, e Deus foi sábio ao criá-la, ele nada poderá fazer. Ela manda-lhe um daqueles beijos que flutuam no ar até os lábios dele, e o domina; e tendo-o ao seu domínio, conquista Quilometrópolis; e, depois, o mundo. Que ele nem apareça. Que a maravilhosa Pouco Pano divirta-se com todo o ouro que ela está a levar consigo. Ela o merece. Se ela me convidar para uma festa, não me farei de rogado. Estou a imaginar, ela e eu, eu e ela, numa ilha deserta, à sombra de um coqueiro...

A mulher desgraciosa resmungou, torceu o nariz, balançou a cabeça, desdenhosa, fitou os homens, que não desviavam da televisão o olhar, e resmungou segunda vez, sentindo-se desprestigiada e ignorada, praguejou, em alto brado, e amaldiçoou Pouco Pano. Ignoraram-la.

- Super-Super - comentou o homem neandertalesco -, sendo um homem, não resiste ao poder de Pouco Pano, cuja exuberância física, repleta de atrativos, atrativos irresistíveis, mesmeriza todos os machos da nossa espécie. Para domá-lo, ela dispensa aqueles beijos que voam, flutuam, até a boca dos marmanjos, seduzindo-os. Para obedecer-lhe cegamente às ordens, Super-Super não tem de ser agraciado com o smack desejado por todos os homens. Dela ele será um bonequinho bastando que a veja. Ele irá resistir-lhe aos encantos!? Nem que a vaca tussa!

- Ele é um super-herói - comentou um homem de pele acobreada, espessa, juncada de vincos, gasta pelo tempo, de vida repleta de contratempos, ao mesmo tempo que levava à boca uma latinha de cerveja. - Ele não é um homem comum, igual eu, igual você, igual o meu vizinho. Ele tem super-poderes.

- Ele tem super-poderes - comentou o magricela. Se tem super-poderes, é super; se é super, pode resistir à beleza daquela gata. Que ela me arranhe. Miau! Miau! Eu não tenho super-poderes; não posso, portanto, resistir à belezura daquela felina. E nem quero! Que ela me domine. Que ela me controle! Que ela me escravize! Miau! Miau!

- Super-Super é um homem - participou da conversa um homem de baixa estatura que até então, em silêncio, acompanhava o debate, e que decidira levantar-se da cadeira à mesa do fundo do bar, e ir até onde estavam os palestrantes. - Um homem. Ele é um homem. Pouco Pano,mulher irresistível, irá controlá-lo, sem nenhum esforço. Ela tem poder sobre todos os homens. É uma sedutora; a mais sedutora de todas as mulheres que já pisaram na face da Terra. Mais sedutora que Dalila. Se Dalila seduziu Sansão, que era um herói de Deus, o que vocês acham que Pouco Pano irá fazer com Super-Super, que é apenas um homem?! Ele é um homem com super-poderes? Sim. É. Mas é apenas um homem. E nenhum homem pode resistir aos encantos da Pouco Pano. Nenhum. Ela não precisa dos beijos para seduzi-lo.

- Mas ele é de outro planeta - disse o magricela.

- É verdade - concordou um homem barbudo e bigodudo. - Ele não é um animal terrestre. Ele é um alienígena. Tem forma humana, mas não é humano. É um humanóide. Ele é um ser do planeta Cricriton. É um cricritoniano. O organismo dele é diferente do humano. Talvez ele não sinta a atração que Pouco Pano exerce nos homens.

- Talvez! - exclamou um baixote peludo e corcunda, de barba vasta e bigode compridíssimo. - Talvez! Talvez! Mas convêm não arriscar. Cautela e caldo de galinha nunca são demais.

Pouco Pano distribuía ordens para os homens, que a obedeciam, mecânica, e prontalmente, cega, e maquinalmente, sem sequer esboçarem resistência. Tranquila, senhora do mundo, pediu aos homens que ao redor de si criassem um círculo,conservando isoladas as policiais mulheres, que se aproximavam, umas, em viaturas policiais, outras, a pé, outras, de moto, outras, de bicicleta. Os policiais que estavam sob o seu domínio e outros homens não se fizeram de rogados, e dispuseram-se-lhe em volta, seguindo-a enquanto ela caminhava até o caminhão, protegendo-a, os policias, armas em punho, prontos para, a uma ordem dela, desfechar tiros contra as policiais.

- Não permitam, meus queridos - ordenou-lhes Pouco Pano -, que de mim se aproximem as policiais.

Exibia-se Pouco Pano para o mundo.Acenava para os pilotos dos helicópteros que sobrevoavam os prédios das proximidades. Os pilotos, fascinados com a beleza esplendorosa dela, não desviavam o olhar.

- Homens! - esbravejou, a uns cem metros de distância da agência bancária, a alternar sua atenção entre o que se passava nas proximidades e as cenas que uma televisão, exposta na estante de uma loja de eletrodomésticos, exibia, enraivecida, uma desgraciosa e repulsiva mulher de uns quarenta anos, de carnes flácidas, razoavelmente enxundiosa, de orelhas de abano, cabelos azui e roxos, volumosamente espantados, de nariz adunco, ligeiramente vesga, de sovacos cabeludos e pernas peludas. - Homens! Homens! Imbecis! Aquerosos! Não podem ver uma sirigaita com pouca roupa, que babam feito cachorrinhos - e olhou para os lados. Todos os homens, de queixo caído, fitavam, alumbrados, Pouco Pano. - Eu, aqui, e eles a olharem para aquela sirigaita, aquela megera, aquela coisa ridícula. Homens! Pouco Pano é uma degenerada, uma depravada. Ela é indecente. Eu jamais usaria roupa tão reveladora. Eu jamais me depreciaria tanto. Jamais! Jamais! Eu me valorizo.

- O que é bonito é para se mostrar - replicou, zombeteira, uma esbelta moça na flor de seus vinte anos, morena, que usava uma minúscula minissaia, que deixava à mostra suas bem torneadas pernas, e uma camisa decotada, branca, que lhe modelava o generoso busto. Com passos que lembravam uma evolução de dança, sassaricando sedutoramente, passou ao lado da mulher gorducha de cabelos azuis e roxos, soberba, provocando-a, para ela exibindo seu corpo escultural de um metro e oitenta de altura. - Morda-se de inveja, tribufu. Este corpo, aqui, meu corpo, é um tesouro.

- Exibida! - resmungou a de cabelos azuis e roxos. - Exibida! Que indecência! Usar uma saia tão curta! Que indecência! Exibe as pernas para todo mundo, sirigaita! Desavergonhada! Você é uma escrava dos homens. Você é um mal exemplo para as mulheres empoderadas. Vadia!

- Encalhada! - retrucou a beldade morena, de nariz empinado, altiva, desdenhosa. - Morda-se de inveja, baranga. - e da de sovacos peludos afastou-se.

Pouco Pano entrou no caminhão, e pôs-se-lhe ao volante. Enviou para os policiais e os outros homens vários beijos, um para cada um deles. Os beijos saídos de seus lábios carnudos, vermelhos, voaram pelos ares, e pousaram cada um deles nos lábios de cada um dos homens para os quais ela os enviara. E disse-lhes Pouco Pano:

- Meus queridos, meus amores, escoltem-me até onde eu quiser; protejam-me das policiais e das outras pessoas enxeridas que porventura queiram me surrupiar meu tesouro, meu ouro tão valioso. Por favor, meus queridos. Protejam-me.

Todos os homens sob seu domínio trataram de entrar, os policiais em viaturas policiais, os outros homens em carros, e seguiram o caminhão à frente de cujo voltante ia a super-vilã.

Pouco Pano dirigiu o caminhão, tranquilamente, cantarolando e trauteando uma canção de sua autoria, pelas ruas e avenidas de Quilometrópolis. Estava, dir-se-ia, no sétimo céu. Admirava a barra de ouro que deixara à sua frente e que refulgia à luz do Sol. Seus olhos brilhavam ao fitá-la.

A corporação policial não lhe enviaria ao encalço mulheres policiais, pois temia que elas se confrontassem, o que certamente aconteceria, com os policiais que a escoltavam. Todos os policiais homens estavam sob o domínio da bela, estonteante super-vilã, que não hesitaria em ordená-los que atirassem contra as mulheres policiais. Seria um desastre, se tal se desse; para evitar a tragédia, a prudência pediu às policiais que elas se conservassem à distância segura.

- Não podemos agir - comentou, a contragosto, o delegado, descabelando-se. - É-nos adversa a situação. O que podemos fazer? Onde está o Super-Super? Não sei se ele é capaz de resistir aos irresistíveis encantos de Pouco Pano, mas ele tem de vir, ele, o mais poderoso de todos os super-heróis. Super-Super não é deste planeta, eu sei, mas ele é um homem; melhor, um humanóide, cricritoniano. Não é máquina; é ser vivo. Talvez ele... Ele é de outro planeta... Se ele não puder resistir aos encantos de Pouco Pano, as super-heroínas podem a eles resistir. Onde elas estão? Onde? Onde elas estão? Onde? Onde? Que elas venham dar cabo da Pouco Pano, aquela belezura, aquela deusa, aquela sereia divina, esplendorosa...

Os funcionários da delegacia observaram, atentamente, as atitudes do delegado, cientes de que ele se rendia aos encantos da super-vilã, certos de que, se pudesse, ele a ajudaria a safar-se da polícia e homiziar-se em local desconhecido de todos.

Todas as pessoas que testemunharam o assalto à agência bancária e todas as que se informaram a respeito ou pelos noticiários de televisão, ou pelo rádio, ou por sites, blogs e redes sociais, perguntaram-se onde estavam os super-heróis, onde estava Super-Super.

Super-Super é o mais importante super-herói do universo.

No tocante aos super-heróis, nenhum planeta é tão privilegiado quanto a Terra, que, além dos super-heróis que nela nasceram, foi agraciada com super-heróis poderosíssimos que, adventícios, nela chegaram de outros planetas, de outras galáxias, de outros universos, de outras dimensões, e nela se estabeleceram, e nela dedicam-se a combater o crime e enviar os super-vilões e os vilões para trás das grades. Mas nem todo ser humano está satisfeito com a presença, na Terra, de super-heróis oriundos de outras regiões do multiverso; há aqueles que entendem que os super-heróis vindos sabe-se de onde à Terra trazem de seus planetas de origem, a reboque, os super-vilões.

Espero que a digressão, curta, do parágrafo anterior, não tenha feito o leitor perder o fio da meada da narrativa desta extraordinária aventura super-heróica.

Ao fitarem Pouco Pano, os homens babavam, alumbrados, seduzidos pelos encantos dela, e derrubavam o queixo, boquiabertos, enquanto as mulheres feias, mal-amadas, despeitadas, resmungavam, esbravejavam, desencantadas com os homens, que não se dignavam a olhar para elas.

- Homens! - resmungou uma raquítica espécime feminina, tão ossuda que se assemelhava a um bicho-pau famélico. - Não podem ver um rabo-de-saia, os basbaques, que perdem a sanidade. Animais irracionais!

As suas palavras, indiscretas e indecentes, ecoaram nos ouvidos de outras mulheres despeitadas tais quais ela.

- Aquele homem é o seu marido, Julieta? - perguntou-lhe a mulher que lhe estava à direita, mulher de pele ressecada, coberta de vincos, de uns quarenta anos, ao mesmo tempo que apontava para um homem de seus quarenta anos, escanifrado, careca no topo da cabeça, a acenar, embevecido, abobalhado, para Pouco Pano, que, ao volante do caminhão, enviou-lhe dois beijos cálidos, que, ao atingirem-lo, transportaram-lo para um estado de profunda suspensão da consciência.

- É ele, sim - confirmou Julieta. - Maldito Romeu! Ele há de ver o que lhe acontecerá assim que puser os pés em casa. Ele está careca de saber que eu não admito que ele olhe para qualquer uma. Hoje ele irá dormir na casinha do cachorro. Salafrário! Energúmeno! Sem-vergonha! Ele há de se arrepender de ter se atrevido a olhar para aquela mulherzinha reles!

Nota: O que Julieta reservou para Romeu assim que ele chegou em casa, não sabemos. Afirmamos, apenas, que, nos dias seguintes, o noticiário policial dos principais jornais de Quilometrópolis não informou nenhum episódio trágico envolvendo um casal, ele chamado Romeu, ela, Julieta.

Julieta esbravejava. Outras mulheres berravam. Todas, de raiva.

Tranquilamente, ia Pouco Pano pelo centro de Quilometrópolis, várias viaturas policiais a escoltá-la. Os policiais beijavam-lhe, literalmente, os pés. Reverenciavam-la. Consagravam-se-lhe de corpo e alma.

Ia ao volante do caminhão Pouco Pano, tranquila, e despreocupadamente, a cantar, a assobiar, sorridente, a construir castelos no ar, numa velocidade que não superava os sessenta quilômetros por hora, segura de si, dona do mundo. Passou pela movimentadíssima avenida Castelo Branco, virou à esquerda, após percorrer-lhe toda a extensão de dois quilômetros e trezentos metros, e entrou pela rua Mascarenhas de Moraes, e foi até o cruzamento desta com a avenida Ernesto Nazaré, e aqui entrou à direita, e seguiu até a avenida Roberto Campos.

- Vejam! - exclamou um garoto, de cabelos pretos num corte moicano, a carregar uma rechonchuda mochila escolar, a olhar para o céu, assim que sentiu uma sombra passar-lhe pelos seus olhos, e a apontar para uma coisa que voava. - Vejam! É um pássaro!?

As pessoas próximas dele, a curiosidade atiçada pelas exclamações que ele proferira, fitaram, no céu, o ponto, que se movia, que ele apontava, e viram o que ele via.

- Não - exclamou um homem de cabelos brancos, alto, que manquitolava. - Não é um pássaro. É um avião!?

- É um gavião? - exclamou uma bem-conservada mulher de uns setenta anos.

- Não! - exclamou um homem engravatado, de cabelos à escovinha e bigodes de Raul Pompéia. - Não é um pássaro! Não é um avião! Não é um gavião! É o Super-Super! É o Super-Super!

Deveras, era o Super-Super.


Parte 2 - Em cena, Super-Super.


Super-Super desceu, repentinamente, do céu, e deteve-se diante do caminhão de Pouco Pano, que, surpreendida pela repentina aparição, pisou fundo no freio, e cantou os pneus do caminhão no asfalto, parando o caminhão a um metro de distância de Super-Super, que, impassível, estava a olhar fixamente para a super-vilã. Trazia Super-Super as mãos pousadas na cintura, o tórax avantajado estufado, o ar imperioso, de um herói invicto, que nada teme, pois sabe que não há em todo o universo arma que possa feri-lo e quem possa derrotá-lo. Enfeitava-lhe a cabeça o seu indefectível penteado de cabelos ensebados; e cobria-lhe o corpo másculo o inconfundível uniforme azul e amarelo, tendo, no peito, dois "s" sobrepostos, envoltos por um losango, e a capa branca que lhe adornava as costas. Neste momento, nuvens cobriram o céu, e um cilindro de luz se projetou sobre o super-herói, sublimando-lhe a magnífica e majestática figura, emprestando-lhe ar de entidade celestial, o que causou espanto, admiração, alumbramento em todas as pessoas que testemunharam a cena, e, mais do que em todas as pessoas, em Pouco Pano, que o tinha a poucos metros de seus olhos.

- Super-Super chegou - exclamou, alvoroçada, uma desgraciosa mulher elefantina de sovacos peludos, seu corpanzil embrulhado em vestes grosseiras, de um mal gosto de dar engulhos em qualquer pessoa que ainda preserve a sensibilidade pelas coisa belas. - Agora, ele dará fim àquela sirigaita - e prelibou do prazer de vir a testemunhar a derrota, e derrota vexatória, da super-vilã pelo super-herói.

- Sei, não - pensou alto, ao seu lado, um homem, que estava a cofiar um bigode imaginário. - Aguardemos o desenrolar da novela. A Pouco Pano é mulher de recursos inesgotáveis.

- Oh! - exclamou Pouco Pano, ao recompor-se, e fitar Super-Super.

Pouco Pano sorriu, apaixonadamente, e seus olhos brilharam; e seus dentes lácteos brilharam, sedutoramente. No seu semblante não se via um traço sequer de medo, de temor, de incerteza; estava segura de si; dir-se-ia que ela entendia que do embate com Super-Super sairia vitoriosa. Seus olhos não se desviaram daquela figura máscula, altiva, que trazia as mãos pousadas na cintura, de tórax tourino, de olhar desafiador, audaz, de um homem de bravura irrivalizada.

- Super-Super - disse, suavemente, Pouco Pano -, meu amor, meu querido amigo. Meu amado - e sorriu, maravilhada, confiante.

Em nenhum momento, Pouco Pano esboçou medo. Exibiu sorriso de contentamento, de alegria indizível, de graça indescritível, pois sabia que ao seu poder, irresistível, Super-Super, o maior e mais poderoso de todos os super-heróis, e de todos os tempos, sucumbiria. Conquanto soubesse que ele era cricritoniano, e não humano, certa de que ele era um espécime masculino de uma espécie de outra galáxia, acreditava que ele era, em última instância, um homem, portanto, incapaz de lhe resistir aos poderosos encantos. Ele não diferia, intuía a super-vilã, dos espécimes masculinos da espécie humana. Era Super-Super um homem, um homem apenas.

Os policiais que escoltavam Pouco Pano retiraram-se, num átimo, antes de ela lhes dar qualquer ordem, das viaturas policiais, e, armas em punho, atiraram, incontinenti, e incontinentes, na direção de Super-Super, que, não se incomodando com eles, conservou-se imóvel. Ao atingirem-lo, as balas ricochetearam; e algumas atingiram pessoas que passavam pelas proximidades; uma delas quebrou o farol dianteiro direito de um carro; uma das balas acertou, no ombro esquerdo, um motorista de um caminhão, o motorista perdeu o governo do volante, e o caminhão, desgovernado, colidiu com um poste, derrubou-o, arrancou da calçada um hidrante, que jorrou água em abundância, atropelou quatro pessoas, e colidiu com a parede de uma loja de eletroeletrônicos, atravessou a loja, atropelando vinte e oito pessoas e quebrando dezenas de televisores, computadores, geladeiras, telefones, prateleiras, e adentrou um supermercado, onde atropelou trinta pessoas e derrubou inúmeras prateleiras, destruindo centenas de mercadorias; outra bala acertou o pneu de um carro, que, descontrolado, colidiu com um poste e capotou; outra, acertou o semáforo; e uma atingiu a caixa de força de um poste, provocando curto-circuito. Super-Super não se preocupou com os tiros, que sequer lhe fizeram cócegas. Assim que os policiais gastaram a munição, ele, movendo-se à velocidade da luz, derrubou-os com piparotes leves, inofensivos, mal lhes encostando um dedo. Para ele, os policiais eram tais quais bolhas de sabão.

Todos os policiais desacordados, Super-Super voltou a sua atenção para Pouco Pano. Deteve-se à frente do caminhão ao volante do qual ela, de braços cruzados, peito empinado, cabeça erguida, altiva, aguardava-o. E fitou-a. Ela sorriu, meiga, e sedutoramente, exibiu seus belíssimos dentes, lambeu, com língua insinuante, os lábios de mel, maliciosa, e fitou-o com seu olhar cativante e sedutor. Dona de si, imperiosa, majestosa, retirou-se do caminhão, desfilou, passos leves, medidos, na direção de Super-Super, que a fitava, deslumbrado, os olhos arregalados diante de tamanha formosura, e lançou-lhe um beijo, que voou pelos ares até os lábios dele, e desfez-se, num estalo, ao som de "smack", sem que ele, mesmerizado pela beleza dela, esboçasse reação. Super-Super exibiu um sorriso abobalhado, de um tolo, estupidificado, e boquiabriu-se, e flutuou alguns metros acima do chão, em círculos, foi até Pouco Pano, e enlaçou-a pela delgada cintura. Dançaram pelos céus de Quilometrópolis, para espanto da multidão que acompanhava a cena, durante um bom tempo, Super-Super e Pouco Pano, ele, extasiado com o calor do corpo exuberante de sua parceira, os olhos arregalados, nela fixos, boquiaberto, atoleimado, ela, regozijada com a sua conquista, certa de que, agora, nada, nem ninguém, lhe irá impor dificuldades ao bom andamento de sua aventura.

- Eita, mermão! - exclamou um homem, a transparecer, no rosto esquálido, um sorriso zombeteiro, malicioso. - O Super é macho, mesmo! Eu sabia! Eu sabia! Ele não me decepciona! O Super é macho! Fisgou o peixão!

- Quê?! - exclamou o homem, um tipo alto e barbudo, de olhos saltados, que lhe ia à direita. - Não diga asneiras! O peixão fisgou ele.

- O Super não resistiu aos encantos de Pouco Pano - comentou um homem de pele preta-amarela-amarronzada. - Qual homem resistiria aos encantadores encantos de Pouco Pano? Não há, no universo, homem que não se encante com os encantos dela. O Super é um homem.

- A Pouco Pano é muita areia para o caminhãozinho dele - afirmou o barbudo de olhos saltados.

- O Super sucumbiu à beleza daquela sirigaita - observou uma despeitada, mal-amada mulher de buço visivelmente obsceno e pernas peludas. - Ele é igual a todo homem! Um tolo!

- Ele provou que é homem - comentou outra mulher. - E homem fora-de-série. Tirou ela para dançar, corpos coladinhos um no outro, pelos céus. Que romântico! Eu queria ser a Pouco Pano.

- Eu tinha minhas dúvidas a respeito da masculinidade do Super - disse outra mulher, ao lado. - Ele é de outro planeta, de um planeta bem distante, de um planeta de outra galáxia. Eu pensava que ele não era homem. Que ele era macho, eu sabia; macho de outra espécie de animal, que não a humana. Agora eu sei que ele é homem. Vejam-lhe a cara de bobão. Parece, até, que ele nunca tinha visto um rabo-de-saia.

- O Super é macho! - exclamou um homem. - Joga no meu time!

- Vocês ficam babando iguais tolos pela sirigaita... - comentou a mal-amada. E logo um homem a interrompeu:

- Sirigaita!? Aquele avião!? Nunca vi mulher mais bonita.

- Ela é uma oferecida - insistiu a mulher. - É uma sirigaita! Um mal exemplo às mulheres. Mulher empoderada jamais assumiria uma postura tão reprovável, tão prejudicial à imagem das mulheres.

- Os homens derretem-se por um rabo-de-saia qualquer - comentou uma outra mulher.

- E que saia! - exclamou o mesmo homem.

- Homens! - exclamou uma feia mulher, desdenhosa.

- A Pouco Pano não está de saia. - comentou um homem, a olhar para o céu, a acompanhar as evoluções do casal de super-seres que dançavam como se o tempo houvesse cessado seu movimento para que eles pudessem se dedicar indefinidamente à dança.

Cessada a dança, Super-Super regressou ao chão, trazendo consigo, ao colo, a super-vilã, que o enlaçava pelo pescoço. Os olhos dele e os dela em nenhum momento, nem por um milionésimo de segundo sequer, desviaram-se para outro ponto; fitavam os olhos dele os olhos dela e os olhos dela os olhos dele, apaixonadamente. Era certo que Super-Super estava sob os domínios de Pouco Pano; e que ela estava sob os domínios dele. Mas era ela que lhe controlava a consciência, e não ele a dela. Assim que desceu ao chão Pouco Pano, à porta do caminhão, ela, após oscular de Super-Super, carinhosa, e sedutoramente, os lábios, entrou no caminhão, pôs-se-lhe ao volante, e seguiu rumo ao seu destino, Super-Super a escoltá-la, pelas ruas e avenidas de Quilometrópolis, tranquilamente.

Perguntaram-se todas as pessoas como iriam capturar e prender Pouco Pano, agora que Super-Super, o mais poderoso de todos os super-heróis, sucumbira-lhe aos encantadores poderes. Aguardavam todos que algum super-herói viesse para capturá-la, mas sabiam que qualquer um que se apresentasse para empreender tal façanha, além de ter de enfrentar Super-Super, teria de se bater contra Pouco Pano, o que seria impossível. A vitória de quem se oferecesse para tal empreitada, impossível. Um grupo numeroso de super-heróis, unidos, poderia fazer frente a Super-Super, e num embate com ele, um embate homérico, fazê-lo beijar a lona, além, é claro, de destruir metade de Quilometrópolis, mas, depois, iriam no encalço de Pouco Pano, e aqui ela os dominaria com facilidade equivalente a com a qual ela domou o maior e mais poderoso de todos os super-heróis, o último - que talvez não seja o último - filho de Cricriton. Urgia oferecer-se à luta uma super-heroína. Mas qual delas estava, naquele momento, à disposição para ir até o centro de Quilometrópolis participar de um embate super-heróico contra a mais sedutoramente irresistível super-vilã de todos os tempos?

Trancorreram-se os minutos. Pouco Pano dirigia, calmamente, o caminhão repleto de barras de ouro pelas ruas de Quilometrópolis, a escoltá-la Super-Super, a poucos metros de distância, sobrevoando as ruas e avenidas e do caminho de Pouco Pano removendo todos os obstáculos, para horror de milhões de pessoas, que assistiam, impotentes, à cena.

Nenhum super-herói se apresentou para a batalha. Nenhum super-herói - repetimos - dos milhões que há, se igualava em poder a Super-Super, mas um grupo deles poderia, se os poderes deles, associados, superassem os dele, derrotá-lo. Nenhum dos inúmeros grupos de super-heróis se fez presente na cena para enfrentá-lo e remover o sorrisinho esnobe e de superioridade do belo, formoso, divino rosto de Pouco Pano. Por que nenhum super-herói se apresentou, no centro de Quilometrópolis, para enfrentar o filho - dizem que é o único filho, e filho vivo, mas a questão é controversa - de Cricriton? Ora, ninguém ignora que muitos crimes são cometidos, em todo o mundo, simultaneamente; e que os super-heróis adoecem, e, portanto, ficam fora de ação; e, todo mundo sabe, não poucos super-heróis, durante refregas homéricas com super-vilões, machucam-se a ponto de terem de ser hospitalizados; além disso, todos eles têm de descansar após um longo e exaustivo combate com um, ou mais de um, super-vilão. Os super-heróis, sabemos, são seres com limitações; tais quais os seres humanos comuns, de carne e osso, eles têm de descansar, dormir, alimentar-se, medicar-se. E eles têm outros problemas que lhes pedem a participação, problemas, estes, de fundo pessoal, que envolvem familiares, parentes e amigos.

Naquele momento, Pouco Pano, após o roubo das barras de ouro da agência bancária do banco Dinheiro Em Espécie, ia, tranquilamente, Super-Super a escudá-la, em fuga, por ruas e avenidas de Quilometrópolis, e nenhum super-herói se apresentara para enfrentá-la porque estavam, todos eles, ocupados, uns, em outras galáxias, outros, em outras dimensões, todos a enfrentarem super-vilões poderosíssimos. Um grupo deles se encontrava, na galáxia de Andrômeda, lutando contra vilões oriundos do futuro e de outra dimensão; um outro grupo de super-heróis, dos mais prestigiados que o mundo jamais conheceu, batia-se, na África, com super-vilões que estavam pondo a pique um país inteiro, causando destruição sem precedentes na sua história, provocando terremotos e maremotos devastadores e tufões que arrasavam metade do país e os países que lhe faziam fronteira; vários super-heróis auxiliavam o comandante de um navio que, em alto-mar, estava prestes a emborcar; outros super-heróis salvavam, na Ásia, pessoas que viviam nos arredores de um vulcão em erupção, erupção que a provocara dois super-vilões com artefatos que lhe atiçaram as entranhas; quatro super-heróis suportavam sobre os ombros um prédio na iminência de desabar, para que tivessem tempo de do prédio se retirarem e porem-se a salvo as pessoas que estavam em seu interior. Enfim, nenhum super-herói podia ir até o centro de Quilometrópolis. Todos eles, naquele momento, ocupados com alguma tarefa inadiável, ou fora de ação, nem sequer tomaram consciência das ações de Pouco Pano.

Pouco Pano, à direção do caminhão, tranquila, enviava beijos para todos os homens pelos quais passava. Milhares de beijos, saídos de seus lábios, flutuavam pelos ares, iam até os dos homens, que, assim que o beijo que ela lhes enviara, tocava-lhos e desfaziam-se num "smack", petrificavam-se, queixocaídos e boquiabertos, abobalhado o olhar, a transpirarem prazer imensurável comum ao de quem se encontra num reino onírico, de indizível beleza e indescritível harmonia e invulgar pureza espiritual. Alguns dos homens agraciados com um beijo da super-vilã pousavam as mãos sobre o peito, à altura do coração, e suspiravam, embevecidos, apaixonados, derretendo-se de indomável paixão pela sedutoramente irresistível Pouco Pano.

Helicópteros de empresas jornalistícas sobrevoavam as mesmas ruas e avenidas pelas quais Pouco Pano passava, em nenhum momento dela desviando a lente das câmaras os homens que as empunhavam, as câmaras a enviarem para todos os quatro cantos do mundo o inédito espetáculo que ela proporcionava. E os homens a prodigalizarem louvores à beleza dela, beleza tão generosa, e desinibidamente, exibida, todos os seus atrativos à mostra, para que toda pessoa que desejasse admirá-la a admirasse livremente. Sempre que a super-vilã deparava-se com algum obstáculo à frente, Super-Super, antecipando-se a qualquer ordem que porventura ela pensasse em lhe dar, prontificava-se a removê-lo - nem sempre com o cuidado necessário, é verdade. O que é compreensível, afinal, sob o controle do poder sedutor da super-vilã, suas faculdades mentais não lhe estavam inteiramente à disposição; não possuia ele o governo aboluto de suas ações, de seu corpo. Em uma ocasião, ele removeu da frente do caminhão que Pouco Pano dirigia um caminhão de lixo, que, de atravessado na rua, lhe estorvava a passagem. Super-Super, assim que o viu, voou até ele, pôs-se embaixo dele, ergueu-o como se erguesse uma pluma, e, sem pensar duas vezes, arremessou-o para o alto e para o norte - o caminhão subiu a mais de dois quilômetros de altura e foi cair a mais de cinquenta quilômetros de distância, quase vindo a colidir, no trajeto de ascensão, um pouco antes de atingir o ponto mais elevado de sua trajetória, com um avião comercial que passava, então, pelas proximidades, e, após passar pelo ponto mais elevado de seu trajeto, resvalou a asa de um avião militar, afetando-lhe a postura, assustando o piloto, que do avião quase veio a perder o controle, e foi cair no estacionamento de um shopping-center, causando destruição sem precedentes no local, com a consequente explosão de mais de trinta veículos, sendo quatro deles caminhões e dezoito motos. Poucos metros depois, após dobrar a esquina da avenida João Francisco Lisboa, e entrar na rua Padre Feijó, Pouco Pano deparou-se com um engarrafamento monstruoso de mais de um quilômetro de extensão. Para Super-Super o trabalho de remoção das centenas de veículos que impediam o avanço de Pouco Pano não lhe tirou sequer uma gota de suor; ele o empreendeu com a sem-cerimônia de quem estava, num parque de diversões, a brincar de tirar pedrinhas de um brinquedo qualquer. Ele arremessou os veículos para os lados; no interior de alguns deles havia pessoas - em uns, apenas o motorista, em outros, duas ou mais pessoas. Super-Super, dir-se-ia, não as via; se as viu, não se incomodou com elas; foi indiferente ao destino delas. Muitas pessoas retiraram-se,praguejando, machucadas, do carro; dispararam catilinárias ferinas contra a pessoa de Super-Super e de toda a família dele, amaldiçoando-a até o mais antigo de seus ancestrais. 

Pouco Pano seguiu seu rumo, a distribuir beijos aos homens que, à margem das ruas e avenidas, acompanhavam-la seguir viagem. Muitos dentre os homens pediam-lhe que ela os levasse consigo; ela limitava-se a enviar-lhes beijos, que, ao lhes tocar os lábios, estouravam-se, desfazendo-se em.estalos, e ouvia-se sonoros e sedutores "smacks". Foram centenas os beijos que ela distribuiu aos homens que, deslumbrados, encantados, admiravam-lhe, hipnotizados, a beleza radiante.

Seguiu com o seu desfile a sexy e sedutora super-vilã, beldade exuberante, farta de atrativos, que faziam a alegria de todos os homens, e tão generosa, e desinibidamente, os exibia, num misto de malícia e despudor de uma aventureira amorosa e meiguice e ingenuidade e timidez de donzela pacata de alma imaculada, que a todos seduzia. A mistura de pureza e impureza, discrição angelical e indiscrição demoníaca, fazia-a exuberantemente sedutora, irresistivelmente atraente.

Passeava pelas ruas e avenidas, em fuga, e despreocupada, e presenteava os seus admiradores com beijos generosos de seus lábios carnudos, suculentos. Deslocou-se dez quilômetros; nada, nem ninguém,impediu-lhe o avanço. Dobrou uma esquina, a da rua José de Alencar, e deteve-se à frente de uma loja de cosméticos. Chamou Super-Super, e, assim que ele lhe atendeu ao chamado após arremessar pelos ares de Quilometrópolis, para o topo de um prédio de quarenta andares, dois carros, disse-lhe, com voz sedosa, adocicada, sedutoramente melíflua, que fosse à loja de cosméticos e pegasse tais e tais frascos de perfumes, e ele lhe obedeceu, inconenti e prontamente. Um segundo não havia se passado, Super-Super deixou os frascos de perfume nas mãos da super-vilã, que, sorridente, desatarraxou a tampa de um dos frascos e borrifou-se, inebriada, com o perfume oloroso, sentindo-lhe a essência, que lhe excitava os sentidos.

Estava Pouco Pano, descontraída, pálpebras cerradas, extasiada com o perfume inebriante, quando surpeendeu-a uma forte pancada no caminhão. Descerrou as pálpebras. Viu, para sua surpresa, e surpresa desagradável, diante de si, uma figura feminina de beleza que emulava a sua, e que trajava um biquini fio-dental, e que trazia as mãos, pousadas, suavemente, na cintura, um tanto desleixada, e negligentemente, e segura de si, a exibir sorriso provocativo, fitando-a com olhar de superioridade: Fio Dental é o seu nome.


Parte 3 - Em cena, Fio-Dental.


Agora, a super-vilã, que punha todos os homens boquiabertos, e de queíxo caídos, embasbacados, atarantados, boquiabriu-se, e seu queixo caiu, ao ver, a poucos metros de si, uma beldade da cor do pecado a exibir-se-lhe, altiva, tão bela quanto ela, e perguntou-se se via o que via, pois, entendia até então, não havia, e não podia haver, e nunca haveria, e jamais passou-lhe pela cabeça que houvesse, em todos os universos existentes, mulher de beleza que se rivalizava com a sua. Um sentimento de despeito se lhe aflorou no espírito vaidoso de mulher formosa, de beleza radiante, consciente de sua formosura e dela orgulhosa. Não queria acreditar no que seus olhos viam e lhe transmitiam. Beliscou-se para despertar do pesadelo em que se via mergulhada. Olhou para si, e para Fio Dental; e para si, e para Fio Dental. Olhou para seu belo corpo, e para o de Fio Dental. Rilhou os dentes, de raiva, e cerrou os punhos, e franziu os cenhos. Reconheceu, a contragosto, que era Fio Dental mulher de extraordinária beleza, de beleza exuberante, uma beldade radiosa, majestosa, abundante de atrativos. Obrigou-se a reconhecer, ao identificar a postura altiva, desafiadora, dela, que era ela, além de sua rival em beleza, em atrativos, sua inimiga, sua oponente e oponente à altura. Avaliou-a com olhos clínicos, e admirou-a. Não pôde se negar, embora o desejasse, a reconhecer-lhe a singularidade dos atrativos, a raridade da beleza. Logo concluiu que ela poderia reduzir, se não anular, o seu poder sobre os homens. O seu reinado estava ameaçado, o seu domínio sobre os homens, sob ataque, previa - a atenção dos homens, antecipou-se aos eventos, se dividiria entre si e Fio Dental. Rilhou os dentes. O som originado do ranger dos seus dentes se fez ouvir à longa distância. Fio Dental percebeu-lhe o ar furibundo, e rigozijou-se, maliciosa, e exibiu, sem se inibir, no belo, formoso rosto, um sorriso de superioridade, de prazer indomável, o que fez vibrar na super-vilã, e intensificar-lho, o ódio, que já a atormentava, e fazia-lhe o coração mais acelerado, a bater-lhe com mais força, e o sangue correr-lhe mais quente pelos vasos sanguíneos, e os cabelos a crisparem-se-lhe, emprestando-lhe um semblante assustador, terrificante, petrificante, uma figura monstruosa, teratologicamente bela,exuberantemente formosa.

Fio Dental era uma esplendorosa beldade feminina super-heróica a rescender sedução. Cobria-lhe o corpo majestoso um biquini que, quem leu até aqui já entendeu, era do modelo fio-dental, que mal, e devidamente mal, mas que fazia um bem imenso aos homens que a contemplavam, cobria-lhe, se se pode assim dizer, o corpo de uma beleza sedutoramente estonteante que deixava todos os homens atarantados, explicitamente embasbacados. Eram as duas peças de seu uniforme super-heróico amarelas. Nos pés, belos e formosos pés, pequeninos e simpáticos, a emoldurá-los, dois encantadores sapatos de salto alto, do tipo agulha, e agulha bem afiada, incrustados de pérolas, turquesas e esmeraldas; e adornavam-lhe os pulsos pulseiras multicoloridas; e ataviavam-lhe as meigas e carinhosas orelhas sementes de diamante; e eram seus deslumbrantes cabelos, bastos, castanhos, com mechas loiras, presos com uma iridescente maria-chiquinha. Seus olhos eram belamente acastanhados; suas sobrancelhas, formosamente finas; seus cílios, exuberantemente longos; seu nariz, graciosamente pequenino e arrebitado; seus lábios, sedutoramente carnudos, e rubros, e suavemente desenhados com esmero e perfeição; tinha, no rosto, covinhas divertidas, que se pronunciavam, maliciosa e sedutoramente sempre que ela sorria. Era Fio Dental super-heroína exuberantemente divina. Da cor de jambo aperolado sua maravilhosamente sedosa pele. Seu corpo de um metro e sessenta de altura era perfeito, harmoniosamente belo, de proporções ideais, impecáveis, sedutoramente divinas, esculpido com o zelo e a paixão de um escultor celestial. Sua cintura graciosa, fina, de vespa; seu quadril, exuberante, imponente, de tanajura; suas pernas, torneadas com esmero.

Os homens, extasiados, perderam-se de paixão ao fitá-la. Alternavam o olhar entre as duas beldades, a super-vilã, Pouco Pano, e a super-heroína, Fio Dental, atarantados, perdidamente confusos, sem saber para onde olhar. Beliscavam-se, para ver se dormiam, se sonhavam, todos a desejarem confirmar o que desejavam: que dormiam, e sonhavam com as duas divinas figuras femininas. E do sonho não desejavam sair. Admiravam-las, embevecidos, alumbrados. Contemplavam-las.

Pouco Pano sentiu, intuitiva, que o ambiente, agora com a presença de Fio Dental, não lhe era mais favorável.

Mulheres despeitadas comentaram, desdenhosas:

- O mundo está de pernas para o ar - disse uma jovem desprovida de graça, de cabelos coloridos e sovacos cobertos de frondosa pelagem. - Que pouca vergonha! As dondocas - referia-se a Pouco Pano e a Fio Dental - pensam que estão na praia. Mulheres desprezíveis! Barangas! Tribufus! Oferecidas!

- A tal de Pouco Pano - comentou outra mulher, de cabelos rapados, com um piercing a enfear-lhe o nariz naturalmente feio, trajada com vestes pretas, tétricas, em cujas estampas via-se símbolos satânicos e emblemas de organizações demoníacas, como quem não quer nada -, mulher-objeto, cobre-se com tão pouco pano que parece não ter nenhum. E agora aparece esta outra, que nunca vi mais gorda, com menos pano do que Pouco Pano. Ridículas! Horríveis! Ao ver Pouco Pano com tão pouco pano, pensei: "É impossível haver mulher que use roupa que tenha menos pano do que a que ela usa." E agora, o que vejo!? Meu Deus! Enganei-me! A tal da outra usa um uniforme que tem menos pano do que o da Pouco Pano! Impressionante! Não acredito que estou vendo o que estou vendo. Não acredito. As duas belezuras, as duas mocréia, as duas sirigaitas, as duas lambisgóias, existem, mesmo, ou são frutos da minha imaginação!? Eu estou dormindo. Alguém me belisque, por favor. Quero despertar do pesadelo.

Pouco Pano, certa de que Fio Dental lhe era uma grande ameaça, ameaça que não poderia subestimar, tampouco desprezar, retirou-se do caminhão, e concentrou seu olhar em Super-Super, e ordenou-lhe, apontando o dedo indicador direito para Fio Dental:

- Mate-a!

Super-Super, que até então tinha sua atenção concentrada na super-vilã, voltou-se para Fio Dental, e esboçou um movimento, ligeiro, imperceptível, na direção dela. Neste momento, Fio Dental, vendo-o, e ciente do perigo que ele lhe representava, girou nos pés, bailando, os dois braços erguidos, e luzes se lhe escaparam do esguio corpo formoso e exuberante, de todos os seus sedutores poros, e viajaram, em ondas suaves, até ele, e envolveram-lo. Ele deteve-se. Petrificou-se. Enterrou os pés no chão, abobalhado, a sorrir tolamente. Não movia nem sequer um dedo. Mesmerizou-o Fio Dental.

Todas as pessoas que testemunhavam o caso perguntaram-se qual das duas super-mulheres sairia vitoriosa do embate e controlaria Super-Super.

- Que moças despudoradas! - exclamou uma certa mulher, doentiamente descabelada. - Que pouca vergonha! Impúdicas!

- Vá para o seu canto, baranga! - destratou-a um homem, que babava de desejo pela super-heroína e pela super-vilã. A mulher, assim tão sem-cerimoniosamente desrespeitada, tratou de afastar-se a passos largos, apressada, do homem que lhe dirigira as deselegantes palavras, ofendendo-a com o epíteto desrespeitoso.

Amontoaram-se as pessoas, em sua maioria homens, ao redor da cena em cujo centro estava o maior de todos os super-heróis de todos os tempos e a mais bela e formosa das super-heroínas e a mais exuberantemente esplendorosa super-vilã, todos em êxtase, mesmerizados pela magnética beleza das duas mulheres super-poderosas.

Super-Super, entre as duas poderosas e exuberantes mulheres, petrificado, a ponto de sofrer uma paralisia cerebral, movia,unicamente, os olhos, e os movia erraticamente, ora rapidamente, ora lentamente, alternando a sua atenção, ora dedicando-a a Fio Dental, ora a Pouco Pano, o tempo todo perdido, seu cérebro esmigalhado pelas tumultuosas sensações que lhe tinham invadido o espírito com violência inédita.

Os homens que testemunhavam a cena animada por aquelas três figuras singulares prelibavam o prazer de assistir ao embate entre a super-heroína e a super-vilã, que se engalfinhariam, previam, e era o que desejavam ver, e se agarrariam, e se estapeariam, e se unhariam, e se arranhariam, e se puxariam os cabelos, e se morderiam, e se beliscariam, e se ofenderiam. E foi o que se deu, para a alegria de todos os homens - de Super-Super, inclusive. Super-Super, por sua vez, era atingido, simultaneamente, pelos beijos etéreos que Pouco Pano lhe disparava e pelas multicoloridas luzes sedutoras que Fio Dental, girando-se sobre seu próprio corpo, e bailando, exalava dos poros, e fazia-os chegar-lhe às narinas. Estava Super-Super petrificado, numa situação inédita, incapaz de mover sequer um dedo.

Avançaram as duas super-mulheres uma contra a outra, após encararem-se, com a fisionomia cerrada, de poucas amigas, a observarem-se, e, estudando-se, medirem uma a força da outra, comparando-a com a própria. Tão logo Pouco Pano desferiu, com a mão direita, um tapa na cara de sua rival, Super-Super alforriou-se do domínio ao qual as duas exuberantes mulheres o submetiam, domínio que lhe impedia os movimentos, e, não seria errado conjecturar, lhe inibia os pensamentos, domínio sob o qual ele até então se encontrava. Confuso, desorientado, desnorteado, ziguezagueou Super-Super o olhar pelos arredores, sem saber que direção indicava o norte, a perguntar-se, se assim se pode conjecturar, se havia regressado, de um fabuloso universo onírico, para a Terra, e uma Terra real, e viu, para a sua surpresa, Fio Dental, como se a visse pela primeira vez, e admirou-lhe a beleza, e viu, um piscar de olhos depois, Pouco Pano, no momento em que aquela puxava, violentamente, desta, os cabelos, a ponto de lhos arrancar, e esta, com as unhas da mão direita, daquela  arranhar o ombro esquerdo e o braço direito. Coçou a cabeça Super-Super, agora mais confuso do que antes, visivelmente atarantado.

- O que farei? - perguntou-se, indeciso, perdidamente desorientado, sem chão, sem norte. Ergueu as mãos para o céu, inclinou, um pouco, para trás, a cabeça, olhou para as nuvens que no céu passeavam, indiferentes a ele e às duas mulheres super-poderosas, cerrou as pálpebras, para, dir-se-ia, concatenar suas idéias, organizar os seus pensamentos, abaixou as mãos, e levou-as à cabeça, ao mesmo tempo que a inclinava para a frente, com ela quase tocando o peito, cobrindo, cada uma delas, uma orelha, para afastar de si todos os gritos, os sons, os sussurros, que lhe chegavam das mais diversas direções e que o impediam de dar uma ordem à confusão reinante em seu espírito, anulando, assim, os elementos que a turbamulta promovia. Assim que descerrou as pálpebras, viu, diante de si, a poucos metros de seus olhos arregalados, as figuras estonteantes de Fio Dental e Pouco Pano, atracadas, a se estapearam, a se puxarem os cabelos, a se morderem, incapazes de se conservarem em pé sobre os saltos altos de seus sapatos.

- Se eu me intrometo na luta... - pensou Super-Super consigo mesmo, em voz alta. - Meu Deus do céu! - e lançou-se na direção das duas mulheres super-heróicas, para auxiliar Fio Dental, e afastá-las uma da outra, e imobilizar Pouco Pano, o que poderia fazer sem que segregasse uma gota de suor, mas assim que Pouco Pano o viu, enviou-lhe um beijo, que, ao atingir-lhe os lábios, fê-lo concentrar a sua atenção em Fio Dental, que, ao vê-lo pronto para desferir, nela, um tapa, desvencilhou-se de sua oponente, e, bailando, girou nos calcanhares, emitiu luzes multicoloridas, que chegaram, em menos de um piscar de olhos, às narinas dele, paralisando-o. E esbofetearam-se as duas beldades uniformizadas. Despertou do transe que o petrificava Super-Super, que pensou com os seus botões:

- Não posso me aproximar delas. Estou de mãos atadas. Nenhum dedo eu posso encostar na Pouco Pano. Que mulherão! O que faço?! O que tenho de fazer!? Que mulherão! Meus Deus do céu! Por Cricriton!  Se dela me aproximo, ela me paralisa com seu beijo enfeitiçador. E a Fio Dental me envia suas luzes sedutoras. E paraliso-me. Não consigo mover nem sequer um fio de cabelo. Nem pensar com minha cabeça consigo. O que tenho de fazer?! O que devo fazer?! O que posso fazer?!

- Ei, senhor Super-Super - chamou-o um homem de barriga proeminte, e umbigo vaidoso, que se exibia, despudoradamente, logo abaixo das franjas da camisa untada de gordura e graxa, manchada de tinta das mais variadas cores e repleta de espaços vazios dos mais diversos formatos e tamanhos. A bermuda que lhe cobria as vergonhas e a metade superior das coxas, que se assemelhavam a duas toras cabeludas cobertas de crostas e repletas de galhos, estava em estado de petição de miséria. Tinha tal homem a aparência de um ogro. Eram seus cabelos pelos enrijecidos de vassoura peaçaba, os pelos de sua espessa barba e de seu compridíssimo bigode, cujas pontas,amarradas, confundiam-se com a barba, floresta na qual viviam infinitas espécies de minúsculos bichinhos. Cobriam-lhe costas e ombros e tórax e pernas pêlos exuberantemente grosseiros, que lhe enfeavam a figura que por si só era horrivelmente feia. Tal homem, tão mal-ajambrado, tão mal esculpido pela natureza, que estava de mal humor ao concebê-lo, aproximou-se de Super-Super, e com a maior simpatia do mundo. Era ele um amor de pessoa, ninguêm há de me contestar. Ele bebeu, num grande, sedento, gole,socialmente, o conteúdo de uma latinha de cerveja, emborcando-a, ao mesmo tempo que inclinava para trás a cabeça e a metade superior do tronco. Para dentro da boca não enviou toda a cerveja, ao mesmo tempo que quase engoliu a latinha, pois despejou, dela, boa quantidade para fora, a cerveja a escorrer-lhe, em espumas inebriantes, o tórax, após deslizar-lhe pelas laterais do queixo, e banhar-lhe e encharcar-lhe a espessa barba e o compridíssimo bigode. Na sequência, após emitir um trovejante arroto, levou à boca um enorme pote a transbordar pipocas, e, ainda com a boca estufada de tanto milho ao avesso, disse, numa voz assustadoramente rouca, para Super-Super: - Ô, bróder! Sente-se, aqui, no capô do meu carro. Vem cá, ô, gente boa! Vamos assistir à luta. Não se encasquete com as duas belezas, não, Super. Você é meu bróder. Você é gente fina pra caramba. Vem aqui, meu irmão. Aqui no meu carro tem pipoca e loira gelada para nós dois. Não se envergonhe, cara. Amigo meu não passa dificuldades. Você é meu amigo, meu irmão, meu camarada. É da família. Chega mais, homem de Cricriton. Pegue uma cerva na caixa térmica, que está no banco de trás. E venha assistir à luta. Fique à vontade. Não se acanhe. Vamos ver as duas bonitonas se dando socos e pontapés uma na outra. Eu gosto de assistir a brigas de mulheres. Vamos lá, super bróder, mega-hiper-ultra irmão, pegue a cerva, e vamos nos divertir. Deixe as maravilhosas súperes lutarem.

Super-Super não se fez de rogado. Flutuou até o homem que o convidara a assistir o espetáculo, imperdível espetáculo, que as duas extraordinárias mulheres proporcionavam ao numeroso público, e com a sem-cerimônia que o dono dele lhe concedera, levantou o porta-malas do carro, abriu a caixa de isopor e do interior desta pegou uma latinha de cerveja dentre as dezenas dispostas entre pedras de gelo, e removeu da latinha o lacre, e foi até o seu mais novo amigo, homem espirituoso, e emborcou a latinha e dela sorveu um bom gole de cerveja. E lambeu os beiços. E enfiou a mão direita no pote com pipocas enchendo-a com um bom punhado daquelas gostosuras.

- Super bróder - disse-lhe o homem -, meu nome é Bartolomeu, mas pode me chamar de Hermes, o deus da beleza. Os meus amigos, os mais próximos de meus amigos, e eles da minha casa moram longe, me chamam de Brucutu. Você pode, se o desejar, me chamar por tal alcunha, ou, se quiser, chame-me Assobio, ou Lomeu, ou Dente-de-ouro, ou Zé do Limão, ou Xerox Ômes. Sabe por que amigos meus me chamam assim? Por que eu sou fã do Sherlock e dos dezesseis aos dezenove anos trabalhei numa papelaria, e era eu o responsável pela máquina de xerox. Assim nasceu meu apelido. É tal história uma comédia fora-de-série, daquelas de fazer rir até uma goiaba.

A tagarelice de Bartolomeu não o impediu, e nem a Super-Super, de dedicar atenção à luta entre a super-heroína e a super-vilã. Os dois homens, a tomarem cerveja, a curtos intervalos de tempo, e a generosos goles, embriagados de alegria, devotaram-se à luta entre as duas  beldades voluptuosas.

Com seus braços, Pouco Pano envolveu Fio Dental, surpreendendo-a, ergueu-a, e, com um movimento ligeiro, que ela não previra, curvou-se, deitou-a no chão e deu-lhe dois tapas no rosto, um da direita para a esquerda, outro da esquerda para a direita, ambos com a mão direita. Com a flexibilidade felina, assenhoreando-se de si sentimento misto de raiva e constrangimento por haver se deixado surpreender, e tão facilmente, por uma super-vilã que, entendia, lhe era inferior em beleza, Fio Dental, usando do instinto, e não da razão, dobrou os joelhos e posicionou os pés de modo a, ao estender as pernas, arremessar Pouco Pano para longe de si, o que fez, aparentemente sem esforço, para surpresa de sua oponente e alegria dos homens, mas não de todos eles, pois não poucos dentre eles desejavam a vitória de Pouco Pano.

Arremessada para o alto, realizando uma parábola, Pouco Pano, com agilidade incomum, executou movimentos, alguns inusitados, enquanto realizava a sua curta viagem pelo ar, de modo a, ao pousar no chão, não sentir nenhum impacto que lhe ferisse, pois o pouso foi suave - a sua agilidade impressionou o público, seus movimentos, plenos de magia sedutora, eram, dir-se-ia, os de um balé, e não os de uma ação executada sob o império de necessidade premente, não prevista, jamais antecipada. Seu corpo melindroso, mágico aos olhos dos homens, de uma graciosidade que só encontrava rival no da sua oponente, não sofreu nenhum abalo. Sua aparência feminina, frágil, sustentava um corpo que com ela contrastava: era forte, poderoso, que aguentava golpes violentos.

Fitaram-se as duas prodigiosas mulheres. Ambas sorriram. Provocaram-se. Correram uma contra a outra. Ambas desfecharam golpes violentíssimos, que acertaram o vazio, pois ambas desviaram-se dos que a oponente lhe desferira.

Assim a luta seguiu: durante uns dois minutos, ambas as poderosas lutadoras desferiram-se golpes potentes, calculados, e ambas desviaram-se cada uma delas dos que lhe tinham como alvo. Enfim, Pouco Pano, ao executar um movimento inadvertido, ofereceu a Fio Dental uma oportunidade de lhe encaixar, no ventre, um soco certeiro, e ela não a desperdiçou. O soco doeu na super-vilã, que perdeu o fôlego. Sem pensar duas vezes e sem perda de tempo, Fio Dental encaixou na sua oponente dois outros socos, um na cabeça e um no ombro direito, e, na cabeça, um pontapé, com um movimento ligeiro, ao elevar a perna direita, e arremessou-a no chão. Entontecida e vexada, mas não derrotada, Pouco Pano, a animá-la um resquício de sua consciência, e de domínio sobre si mesma, o que foi suficiente para se mover suficientemente bem, a tempo de evitar sua derrota, aparou um golpe que Fio Dental lhe preparara - a super-heroína iria lhe fincar o salto do sapato na cabeça -, segurou-lhe o calcanhar e, com a força, que lhe restava, e que ninguém suspeitava que ela conservava consigo, arremessou-a contra um ônibus, atingindo-o na lateral. O impacto, estrondoso. O ônibus, felizmente vazio naquele momento, tombou. A super-heroína e a super-vilã, entontecidas, distantes uma da outra uns trinta metros, moveram-se lentamente, tais quais duas lesmas lerdas, até que, recuperadas, correram uma contra a outra, atracaram-se, e unharam-se. Os vincos que as unhas daquelas duas beldades abriram naqueles corpos esplendorosos podiam ser vistos à boa distância. Alternavam as duas super-mulheres poderosos golpes de boxe, kung-fu, tae-kwon-do, aikidô, judô, caratê, capoeira e muay-tai com a desenvoltura dos maiores mestres das artes marciais que o mundo já conheceu.

Os homens - multidão incalculável - que à luta assistiam, queriam que ela persistisse indefinidamente, até o final dos tempos. Muitos dentre eles, de posse de smartphones dotados de câmeras de alta-definição e com recurso de aproximação e ampliação de imagens iam de um lado para o outro, acotovelando-se, trombando-se, atropelando-se, sempre à procura do melhor ângulo, que era aquele que lhes oferecesse das duas mulheres as imagens mais reveladoras, mais indiscretas. Babavam, extasiados, deslumbrados, de desejo lúbrico, os olhos presos nas duas super-mulheres.

Enquanto assistiam à luta, memorável luta, das duas mulheres super-poderosas, para as quais convergiam os olhares cobiçosos de incontáveis homens, Super-Super e Bartolomeu beberam cerveja de vinte e sete latinhas, aquele de doze, este de quinze. E Super-Super bebeu água de dois côcos, furando-os com o dedo mindinho.

- Impressionante! - exclamou Bartolomeu, visivelmente embriagado, engrolhando a voz, atrapalhando-se com as palavras. - Impressionante, senhor Super! Impressionante, super-bróder, meu amigo do coração! Camarada dos camaradas, super dos superes. Meu amigo de outra galáxia, veja, as duas bonitonas, aqueles dois pitéus. Vê?! Aqueles dois docinhos de leite, aqueles dois bifes suculentos, aquelas duas sereias, veja, amigo bróder das galáxias, deus dos raios e dos para-raios, olhe, ser de outro planeta, super-herói voador, olhe para aquelas duas maravilhas da natureza, e saiba que Deus é grande, e veja aquelas moçoilas, pedaços de mal caminho, aquelas duas fantásticas deusas, que lutam, e lutam, e lutam, e lutam, e veja, Super, que o uniforme de nenhuma delas, meu Deus! rasga-se, nem lhes são arrancados, nem queimados. Olhe, super das galáxias, deus das tempestades: elas mergulharam-se no diesel daquele caminhão, e incursionaram-se naquela floresta de fogo, e nada lhes aconteceu. Que maravilha de mulheres! Eu me apaixonei pelos uniformes delas, obra-primas criadas pelo homem. Obra-primas! Impressionante! A Pouco Fio e a Fio Dental não perdem a majestade.

- Um espetáculo digno de elogios - exclamou Super-Super, suspirando, lambendo os beiços; seus olhos em nenhum momento se desviaram de Fio Dental e de Pouco Pano.

- O uniforme delas - comentou Bartolomeu, extasiado -, extraordinariamente apropriado para a ação que elas desempenham, super-heróica. E elas usam salto alto! Que maravilha!

Enquanto milhões de pessoas, as que assistiam às duas super-mulheres lutarem ao vivo e em cores, a olho nu, e as que as admiravam via televisão, ou via qualquer outra tela, seja de computadores, seja de smartphones, teciam-lhes os mais apaixonados comentários, e algumas mulheres as reprovavam com os epítetos mais desgraciosos, lutavam, com movimentos mesmerizantes, em combate renhido, Pouco Pano e Fio Dental, com as graciosamente majestosas silhueta e porte.

Pouco Pano encaixou uma rápida sequência de socos no ventre, na cabeça e nos ombros de Fio Dental, que, não se abalando, aos golpes - parecia - antecipando-se, revidava com puxões de orelhas, de cabelos e beliscões que arrancavam de sua oponente gritos mistos de dor e de raiva. Assim que Fio Dental removeu da cabeça de Pouco Pano a tiara dourada, e quebrou-a, Pouco Pano franziu o cenho, e sua fisionomia assumiu ares assustadoramente tenebrosos, espantosamente terríveis. Furiosamente enraivecida, avançou Pouco Pano contra Fio Dental, seus olhos a flamejarem de ódio;bufando e rilhando os dentes, agarrou-a pelo pescoço, tirou-lhe dos pulsos, arrebentando-as, as pulseiras multicoloridas, e dos cabelos as brilhantes maria-chiquinhas, levou-as à boca, e triturou-as entre os dentes, exibindo rictus aparentemente doentio. Na sequência, com fúria indomável, descarregou-lhe esmagadores socos e pontapés, puxou-lhe as orelhas, beliscou-a, puxou-lhe os cabelos, mordeu-lhe o braço direito, e estreitou-a em seus braços. Era a super-vilã mais alta e encorpada do que a super-heroína, que, comparada a ela, assemelhava-se a uma jatai comparada a uma mamangava. Era visível a diferença de porte entre as duas beldades super-poderosas.

Diante do que viam, previram muitas testemunhas a derrota de Fio Dental, que, para surpresa de todos, reagindo à altura aos ataques de sua oponente, soube, para espanto de todos, revidar aos golpes recebidos, e encaixou-lhe uma sequência de estonteantes socos e pontapés, abalando-a, mas não o suficiente para fazê-la beijar a lona. Pouco Pano cuspiu contra Fio Dental os pedaços das pulseiras que dela arrancara, e riu, escarninha, exibindo-lhe a perfeita fileira de dentes lácteos, que reluziram ao Sol. Fio Dental viu os pedaços de suas pulseiras voarem em sua direção e caírem no chão. Eram-lhe de estimação tais pulseiras. Agora, Fio Dental, irritada porque Pouco Pano quebrara-lhe as pulseiras, e Pouco Pano, irritada porque ela lhe quebrara a tiara, as duas super-mulheres atracaram-se com toda a fúria que se possa imaginar, excederam-se no uso da força, e unharam-se, e socaram-se, e estapearam-se, e arranharam-se, e xingaram-se de mocréia, de baranga, de feiosa, de baleia, de tribufu, de sirigaita, de dondoca, de mulherzinha, o que fez com que se irritassem ainda mais. A luta estendeu-se por longas três horas. Os homens não se entediaram com o prolongado espetáculo, que eles desejavam jamais terminasse. Para a tristeza deles, no entanto, a luta teria fim; não poderiam as duas super-mulheres estendê-la, indefinidamente, para todo o sempre, e além; conquanto fossem mulheres super-poderosas, seus poderes não eram ilimitados. Antes de completarem a quarta hora de luta, deram sinais de cansaço;revelaram, enfim, esgotamento físico e nervoso; suavam copiosamente; estavam descabeladas; no corpo exibiam incontáveis arranhões. Desferiam-se socos inofensivos; enfim, exaustas, ao se acertarem, simultaneamente, um soco na cabeça uma na da outra, ambas caíram, desacordadas, no asfalto, de barriga para cima. Ambas respiravam com dificuldade. O público suspendeu a respiração, a acompanhar, expectante, a cena, as duas personagens super-heróicas estateladas no chão. Após longos cinco minutos, Fio Dental, com visível dificuldade, sustentou-se sobre os braços, e, arfante, sentou-se, e olhou, desorientada, para a sua esquerda, e para a sua direita, e viu, a poucos metros de si, três metros se muito, deitada, desacordada, a sua oponente; com esforço heróico - melhor, super-heróico -, foi, engatinhando, até ela, pôs-se-lhe em cima, de cavalinho, e deu-lhe cinco tapas no rosto, arrancou-lhe das orelhas os brincos, arremessou-os longe, e tirou-lhe dos pés os sapatos de salto alto, quebrou-os, lançou-os para trás, e inspirou num forte hausto, cessou os golpes, empinou o corpo, e, reunindo toda a força que no corpo lhe restava no braço esquerdo, desferiu um soco potente na cabeça de Pouco Pano, e desabou, ao lado, inconsciente. Não havia se passado um milésimo de segundo, Super-Super achegou-se às duas super-mulheres, acolheu Fio Dental e Pouco Pano, ambas inconscientes, a arfarem, exaustas, e doloridamente, aos seus braços poderosos, e, sem perder sequer um segundo, ergueu-se no céu de Quilometrópolis, e voou ninguém sabe para onde. Sabe-se apenas que ele trancafiou Pouco Pano numa cela cuja localização é desconhecida dos simples mortais - dizem uns que está a cela situada no Pólo Norte, outros, no Pólo Sul -, e Fio Dental ele a deixou sob os cuidados de enfermeiros dedicados. Tais informações, publicadas no periódico Escurín Diário, foi transmitido por Super-Super a Cláudio Frio.

Encerro este super-heróico relato com um comentário de Bartolomeu, o mais novo amigo do maior de todos os super-heróis:

- O senhor Super-Super é o maior! O maior dos maiores! O maior de todos os tempos! O cara é fera! Fora-de-série! É o maior super de todos os súperes! O homem é demais. Meu bróder e meu irmão é o super das galáxias! É o ser mais poderoso do universo! Tem razão o José Carlos da Silva Quinha, o maior jornalista do orbe terrestre, fundador e editor do maior e melhor hebdomadário digital de todos os tempos: é o Super-Super super-amigo e super-bróder, super-irmão, e super-camarada, gente boa e ponta-firme. Sem nenhum esforço, sem suar uma gota de seu poder e sem gastar sua beleza, derrotou a super Pouco Pano.Que docinho de coco é a super-moçoila! Ninguém pode com o Super-Super, super-bróder e super-irmão. Ninguém pode com ele. Ninguém. Ele é o maior! O maior de todos os maiores! Derrotou a super-vilã, que é bonita pra dedéu, néctar para os meus olhos, elixir da felicidade, e derrotou-a sem usar uma fração de sua força. Com um pé nas costas e as mãos amarradas, fê-la beijar a lona. Super-Super é invencível! Ele é o invencível dos invencíveis! Vivas ao meu bróder e meu irmão camarada! Vivas à Super-Super! - e levou à boca a latinha de cerveja, emborcou-a, e bebeu, com um só gole, de todo o seu conteúdo.

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