Deus acudiu-nos! Não se engalfinharam o entrevistador e o
senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido Extraordinário de
Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu).
Após contermos o decomposto e enraivecido entrevistador, e persuadirmos o
senhor Nulo da Silva a tratá-lo com mais civilidade, pudemos dar sequência à
entrevista. E ao senhor Nulo da Silva perguntou o entrevistador:
ENTREVISTADOR: Quais são as políticas, senhor candidato,
que, se implementadas, beneficiarão o povo?
NULO DA SILVA: Antes de responder à pergunta, digo: Sei
quais são, e não as implementarei, pois elas não me trazem dividendos
políticos.
ENTREVISTADOR: Mas, senhor candidato, se o senhor não as
implementa, perde apoio popular.
NULO DA SILVA: Esforço-me para não ofender você. Quero, do
fundo do meu coração, ver em você uma pessoa inteligente, mas diante de mim só
há um asno.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Não implementarei as políticas que
beneficiam, de fato e não supostamente, o povo, por duas razões: Não ganho
dividendo políticos, isto é, não obterei apoio de outros políticos e
organizações que me financiam, e potenciais financiadores; e o povo não tem
opções: ou votam em mi, ou em políticos, que se dizem meus adversários, que
implementam, mesmo que não o digam com a franqueza com que eu o faço,
políticas, não direi semelhantes, idênticas às minhas. O povo não sabe que vota
não importa em quem vote, sempre a favor da mesma política, que o oprime.
Desviamo-nos da pergunta que você me fez; retomo-a, e dou-lhe a resposta. Eu
sei quais políticas beneficiam o povo, e apresento uma pequena lista com elas:
redução dos impostos, da burocracia estatal e de regulamentos; respeito à
propriedade privada; a criação de mecanismo, na área educacional, que concedam
aos professores irrestrita liberdade para, cada qual, criar os seus métodos
pedagógicos, e, o mais importante, o essencial, incutir, na cabeça de cada
pessoa, o respeito por si mesmo, instigando-o a fazer uso da sua inteligência
para seu próprio benefício e da sociedade, em vez de desestimulá-lo a agir por
si mesmo, e induzi-lo a jamais tomar uma iniciativa a respeito da sua própria
vida e a recorrer ao estado para obter benesses: creche de graça, escola de
graça, tratamento médico de graça, remédios de graça, passagens de ônibus de
graça, meia-entrada no cinema, e inúmeras outras.
ENTREVISTADOR: E por que o senhor não implementará as
políticas que beneficiam o povo, se sabe quais são?
NULO DA SILVA: Eu e muitos políticos sabemos quais
políticas beneficiam o povo, mas não as implementamos porque não queremos
atirar nos nossos próprios pés. E há políticos que não sabem quais políticas
beneficiam o povo, pois são burros e incultos, e, mesmo que sejam
intencionados, implementam as políticas que prejudicam o povo, certos, mas
estão errados, de que o beneficiarão.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: E entenda o seguinte, senhor entrevistador:
Eu, um político, quero o controle da economia, da educação, da cultura, da
política, enfim, quero controlar, governar o povo; e para o sucesso do meu
projeto, o de governar o povo, tenho de impedi-lo de ser livre, e conheço duas
maneiras de obter o que desejo: Os métodos violentos, apontando um canhão de
tanque de guerra para a cabeça de cada cidadão; e os métodos suaves,
controlando as fontes de informações, as manifestações culturais, e o
pensamento e o comportamento de todos via um sistema educacional que a todos
emburrece, e dissemina mentiras históricas. Assim, consigo apresentar-me ao
povo como um benfeitor; e como benfeitores aqueles que o beneficiam: os
empresários, a Igreja, a família, a sociedade.
ENTREVISTADOR: Intelectuais, segundo estudos recentes, e
pesquisas, apontam o capitalismo como a causa de injustiças sociais e do
aquecimento global, as indústria automobilística como vilã, e a indústria
tabagista...
NULO DA SILVA: Não seja tolo, meu amigo. Quem financia as pesquisas?
O capitalismo produziu, de 1900 até hoje, riqueza imensurável; todos sabemos
que o socialismo produz miséria e sofrimento...
ENTREVISTADOR: Mas o sistema capitalista produz
injustiça...
NULO DA SILVA: O capitalismo, melhor, o livre-mercado, não é
perfeito; seres humanos o movimentam, então, comete injustiças. É
compreensível, mas é o próprio livre-mercado que tem as ferramentas para se
corrigir, e não os governos.
ENTREVISTADOR: Mas a família, que é patriarcal...
NULO DA SILVA: Papo furado, bestalhão. A família é o
alicerce da sociedade. E todos os políticos sabemos disso. Destrua-a, e estará
aniquilada a sociedade, e produzirá o caos, e a convivência entre as pessoas
será impossível. E estará instituído o inferno na Terra.
ENTREVISTADOR: E as religiões...
NULO DA SILVA: As religiões! Você foi lobotomizado pelos
progressistas.
ENTREVISTADOR: O senhor, senhor candidato, não é
progressista, da esquerda? Então...
NULO DA SILVA: Então o que, cara pálida!? Sou progressista
e esquerdista por conveniência. Ao defender políticas progressistas e
esquerdistas, e confundem-se estas com aquelas, e aquelas com estas, obtenho
dividendos políticos, e sobrevivo neste ecossistema onde vivem apenas os mais
aptos, isto é, os psicopatas.
ENTREVISTADOR: Mas...
NULO DA SILVA: Mas você tem de assinar o seu atestado de
alforria, escravo. Retomando a questão da religião, saiba que não haveria a
civilização se não houvesse religiões, o judaísmo, o cristianismo, o islamismo,
o xintoísmo, o budismo estão na origem das civilizações. E não condene a Igreja
Católica, que erigiu uma civilização, e retirou os humanos de um estado de
selvageria, de barbárie, elevando-os à condição de uma espécie superior,
grandiosa. E não se deixe seduzir pelas campanhas difamatórias, que pintam a Igreja
como a fonte de todo o mal que grassa na Terra.
ENTREVISTADOR: Então, o senhor, senhor candidato, apóia a
Igreja?
NULO DA SILVA: Claro que não! Eu a exploro em meu
benefício. Concedo-lhe alguns favores, para que ela coma nas minhas mãos, e a
difamo, e abertamente, nos meus jornais, nas minhas revistas, nas minhas
rádios. E se eleito prefeito, usarei os recursos púbicos para intensificar os
ataques à Igreja, afinal, se fraca, débil, impotente, ela desmorona, e o povo
fica ao deus-dará, e, angustiado, deprimido, desesperançoso, carecerá de arrimo
espiritual, e eu lho oferecerei, mas, não o farei, digo, antecipando-me à uma
pergunta, que você porventura pensou em me fazer, eu oferecerei, prossigo, ao
povo, conforto material, e conselhos, que o afastem ainda mais dos princípios
religiosos, e o domino, criando, nele, dependência por mim.
ENTREVISTADOR: O senhor é maquiavélico.
NULO DA SILVA: Eu sei. Você me elogia uma vez mais.
ENTREVISTADOR: Diabólico!
NULO DA SILVA: As suas palavras aos meus ouvidos são sinfonias.
ENTREVISTADOR: Pervertido!
NULO DA SILVA: Prossiga.
ENTREVISTADOR: Nefasto! Sórdido! Calhorda!
NULO DA SILVA: Prossiga. Prossiga.
ENTREVISTADOR: Desprezível!
Nota: É digno de nota o contraste entre o semblante
alterado do entrevistador indignado e o semblante sereno do regozijado senhor
Nulo da Silva. Pareceu-nos que este estava no céu, e aquele no inferno.
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