Satisfeita a gula, o senhor Nulo da Silva, candidato a
prefeito pelo Partido Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes
Intelectuais (PEIDEI – mas não fui eu) regressou à sala de entrevistas, onde o
entrevistador, apático, seguia a olhar o vazio desde o momento em que da sala
retirara-se o senhor Nulo da Silva. O senhor Nulo da Silva sentou-se na cadeira
que lhe estava reservada, e aguardou o entrevistador emergir da letargia em que
mergulhara minutos antes. Decorridos alguns minutos, o entrevistador, imóvel,
alheado, a olhar o vazio, o senhor Nulo da Silva levantou-se, foi até ele, e
sapecou-lhe um tapa na nuca:
NULO DA SILVA: Acorde, besta!
ENTREVISTADOR: Hã! Quê! É o senhor, senhor candidato?
NULO DA SILVA: Não, bronco. É o papa Chiquinho, o metido à
pobretão.
ENTREVISTADOR: Onde estávamos?
NULO DA SILVA: Você estava aqui; eu, na outra sala, fazendo
uma boquinha.
ENTREVISTADOR: Não... É... Quero dizer... A entrevista. Em
que ponto estávamos, na entrevista?
NULO DA SILVA: No ponto em que moí o seu cérebro você com a
revelação de verdades que você não deseja conhecer.
ENTREVISTADOR: Então...
NULO DA SILVA: Então, eu darei as cartas neste atual trecho
da entrevista, pois já vi que você está num estado de total alheamento mental,
e não tem condições de apresentar-me uma pergunta sequer.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Falávamos da política dos políticos. Que
frase esclarecedora! Os políticos, como eu dizia, senhor perguntador, entregam
ao povo muitas benesses, após, claro, não podemos ignorar, e nem esquecer, surrupiarem-lhe
boa parte da riqueza que ele cria com o suor do próprio rosto. Décadas após
décadas, geração após geração, enfia-se, na cabeça do povo, idéias, que lhe
debilitam a fibra, e o fazem abandonar o desejo de viver, plenamente, a vida, e
a perder a vontade de lutar em defesa de seus próprios interesses. E como se
faz isso? Com a inserção sub-reptícia, sorrateira, de valores que lhe são
prejudiciais, persuadindo-o a adotá-los, e contra ele mesmo, contra seu
bem-estar, até criar um consenso, que é falso, artificial, acerca de todas as
questões, em especial da moral, que deixa de ser a antiga, a milenar, a
universal, e passa a ser a nova, a moderna, a politicamente correta, enfim, a
comunista. Enfim, o resultado de tal política é a acefalia do povo, que perde
critérios para avaliar as coisas da vida; cria-se, assim, uma cultura amorfa,
tola, desprovida de substância moral.
ENTREVISTADOR: É tão simples assim?
NULO DA SILVA: Não. Aparentemente é simples. Mas não é, daí
a necessidade de muita paciência, e décadas de ininterrupta propaganda
comunista, que nem sempre está abertamente apresentada como comunista, mas como
democrática, em defesa da justiça social, e dos direitos dos trabalhadores, das
mulheres, dos homossexuais, e hostis ao Ocidente, apresentadas de modo a
impedir que os ocidentais percebam que são o alvo dos ataques e a induzi-los a
adotar os novos valores como se fossem seu próprios, e não dos seus inimigos.
ENTREVISTADOR: E...
NULO DA SILVA: E, também, com a ampliação dos poderes do
Estado. Aumenta-se o setor público, contratando muita gente, inchando o Estado,
que desperdiça bilhões e bilhões de recursos públicos; e para manter a
burocracia estatal em pleno funcionamento, isto é, desperdiçando dinheiro
público, cobra-se impostos, e muitos impostos, do povo, que sempre paga a
conta.
ENTREVISTADOR: Ciente de que a ampliação dos gastos
públicos prejudica o povo, o senhor os reduzirá?
NULO DA SILVA: Você despertou, mas ainda continua a ser uma
anta, a mesma de sempre.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Claro que não reduzirei os gastos públicos.
Se eu o fizer perderei apoio político daquelas organizações que me sustentam e
me apóiam.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Você ainda não despertou. Sua voz,
tatibitate. Uma das ferramentas, e muito eficaz, de opressão é a socialização
das pessoas, forçada, diga-se, desde os primeiros anos escolares. Os alunos não
aprendem matemática, língua portuguesa, história; aprendem a socializar-se, e
jamais a respeitar a sua própria individualidade. Censura-se a introspecção;
louva-se a extroversão. Ser um indivíduo, único, autêntico, é censurável; todos
têm de pertencer ao grupo, submeter-se ao grupo.
ENTREVISTADOR: Eu nunca havia pensado nisso.
NULO DA SILVA: Não me surpreende. E digo: O povo só aprende
a ouvir discursos, e jamais a avaliá-los, e tampouco é instruído a conceber o
que se passa nos bastidores, e a detectar identidade entre o teor dos discursos
e a prática daqueles que discursam.
ENTREVISTADOR: É verdade.
NULO DA SILVA: Enfim, parece-me, o seu cérebro está
adquirindo consistência. E digo: O assassinato de reputações de pessoas
honestas, de fibra, de moral ilibada é uma arma extraordinariamente poderosa;
destrói quem tem coragem, e desmoraliza quem o apóia e o defende. É tiro e
queda.
ENTREVISTADOR: Sei...
NULO DA SILVA: Você ainda está tonto. Metade de seu cérebro
continua a ser inteiramente de paçoca; a outra metade começa a adquirir
consistência. Há... Direi as últimas palavras deste trecho da nossa entrevista,
para, depois de mais uma boquinha, encerrarmo-la.
ENTREVISTADOR: Já estamos no final?
NULO DA SILVA: Esta é a penúltima parte; a próxima será...
ENTREVISTADOR: A última?
NULO DA SILVA: Gênio! O seu cérebro está funcionando. Digo,
para encerrarmos esta parte da entrevista: Consultarei o povo só quando eu
tiver a certeza de que ele me apoiará em minhas políticas; do contrário,
sancionarei uma lei, que atende os meus interesses e os daqueles que me
financiam e me sustentam, de modo que o povo jamais saiba o que fiz; e para ser
bem-sucedido, conto com a mídia, que é chapa-branca. Outro ponto muito
importante, essencial para a manutenção do meu poder, e da classe política, é
conservar o simulacro de debate, de oposição entre eu e meus adversários. A
oposição entre eu e eles se passa no proscênio de um teatro. E o que se passa
nos bastidores? Só quem está lá sabe. Há unidade ideológica na pluralidade de
partidos. O povo não sabe identificar a essência dos partidos políticos; deles
só vê os logotipos e as siglas, e dos políticos ouve os discursos; e assiste às
propagandas. E para arrematar: Eu sou sincero. Se não gosta o povo de um
político sincero, que vote nos insinceros, que implementarão as mesmas
políticas que eu disse que irei implementar. Meus adversários dizem que irão fazer
o oposto do que farei, mas farão o mesmo. Vote no Nulo da Silva, candidato a
prefeito pelo PEIDEI - mas não fui eu. Para muita gente, votar no Nulo é o
mesmo que jogar o voto na lata de lixo. Cá entre nós, é preferível jogar o voto
na lata de lixo do que na rede de esgoto.
Nota: O senhor Nulo da Silva levantou-se da cadeira, deu um
tapa na nuca do entrevistador, então petrificado, tirando-o de sua imobilidade,
e puxou-o, pelas mãos, levantando-o. E ambos rumaram, o senhor Nulo a gargalhar
e o entrevistador a rir constrangido, para a sala contígua, para um lanchinho.
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