Dando sequência à publicação da
entrevista que o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido
Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI -
mas não fui eu), damos a conhecer ao público a 4ª parte:
Encerrada a pugna, serenados os
ânimos, o entrevistador retomou a entrevista:
ENTREVISTADOR: Senhor candidato,
retomemos a entrevista.
NULO DA SILVA: Retomemo-la.
ENTREVISTADOR: Quais serão as suas
políticas administrativas? Sabe-se que o estado, isto é, a estrutura estatal, é
dispendiosa, e se faz necessária uma reestruturação nas secretarias com fim à
redução de despesas. Qual será a sua política para o melhor e mais eficiente
uso dos recursos públicos?
NULO DA SILVA: Darei o básico, que
é o essencial. Renomearei todas as secretarias. Dou alguns exemplos: A
Secretaria da Educação chamar-se-á Secretaria da Instrução Pública; a
Secretaria da Cultura chamar-se-á Secretaria das Manifestações Culturais; a
Secretaria da Segurança, Secretaria do Combate à Insegurança; a Secretaria de
Obras, Secretaria de Construções e Edificações; a Secretaria de Esportes,
Secretaria de Atividades Físicas e Afins; a Secretaria da Saúde, Secretaria do
Bem-estar Físico e Mental.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato, as
mudanças que o senhor, se eleito prefeito, empreenderá são irrelevantes, pois…
NULO DA SILVA: Pois o seu nariz é o
de um intrometido sem ser querido. Você está querendo me ensinar a administrar
uma cidade?
ENTREVISTADOR: Não, mas é que…
NULO DA SILVA: É que o quê,
jornalistazinho de meia-tigela!? Quem terá a obrigação de administrar a cidade,
se eleito prefeito, eu ou você?
ENTREVISTADOR: O senhor, senhor
candidato…
NULO DA SILVA: Então, assunto
encerrado. Se eleito prefeito, eu definirei as prioridades.
ENTREVISTADOR: E é prioridade
renomear as secretarias?
NULO DA SILVA: Você tem pinta de
encrenqueiro.
ENTREVISTADOR: É prioridade
renomear as secretarias?
NULO DA SILVA: Sim. Pesquisas de
opinião pública indicam que os cidadãos desta cidade querem a renomeação das
secretarias.
ENTREVISTADOR: Quais pesquisas?
NULO DA SILVA: As que eu financiei.
ENTREVISTADOR: Há uma incoerência
no que disse, senhor candidato. O senhor disse que irá definir as prioridades,
no seu governo, se eleito prefeito, e uma delas é a renomeação das secretarias;
em seguida, declarou que os cidadãos querem a renomeação das secretarias…
NULO DA SILVA: Não prossiga,
entrevistador. Você vale metade de uma moeda de um centavo. Você é mais burro
do que eu pensava.
ENTREVISTADOR: Não se exalte, e não
seja incivil.
NULO DA SILVA: Incivil é a sua avó.
Você não entendeu o que eu disse. Desenharei o que eu disse, para que você
possa me entender: Financiei uma pesquisa, cujo resultado já estava de antemão
definido: O povo quer a renomeação das secretarias. Entendeu até aqui? Agora,
traga à sua mente oca a minha prioridade, que declarei a pouco: Renomear as
secretarias. Coincidência, não? A prioridade, segundo a pesquisa de opinião
pública, é a que eu defini. Entendeu o desenho, paspalho?
ENTREVISTADOR: Entendi, senhor
candidato. O senhor não é nem um pouco sutil.
NULO DA SILVA: Detesto sutilezas.
ENTREVISTADOR: E quanto às
reestruturações das secretarias, para reduzir despesas, eliminar desperdício de
dinheiro público? O que o senhor tem a dizer aos munícipes?
NULO DA SILVA: Olhe para a minha
testa. Nela está escrito ou tolo, ou imbecil, ou paspalhão, ou idiota? Não. Não
está. Não sejamos ingênuos. Você quer que eu ponha a mão no vespeiro, ô da meia
tigela de araque!?
ENTREVISTADOR: Não entendi a sua
insinuação, senhor candidato.
NULO DA SILVA: Não me surpreende a
sua declaração de estupidez e ignorância.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato…
NULO DA SILVA: Não se sinta ofendido,
e tampouco injustiçado. Você é só um jornalista. Não há diferenças
significativas entre você e os seus colegas de profissão. Não me entendeu?
Explico, para que você possa entender-me. Renomear as secretarias é simples.
Alterar a estrutura da burocracia do governo municipal, não. Aqui a porca torce
o rabo! Imagine: Se eu reestruturar a burocracia, para reduzir despesas,
fazê-la eficiente, terei de demitir muitos funcionário, e cortar gastos, muitos
gastos; ao fazê-lo, irei contrariar muitos interesses arraigados, e de muitos
parasitas, que há décadas sugam o sangue público. Quantas empresas têm
contratos com o governo municipal? Você já pensou nisso? Se reduzir as
despesas, reduzirei, automaticamente, a compra de mercadorias, e a contratação
de serviços, de empresas com as quais a prefeitura tem contrato assinado, e
contrariei interesses de muitos empresários. Este é apenas um dado da equação.
E os outros dados? Conquistarei inimigos aos punhados. E sofrerei pressão, se
eu não criar uma forte base de sustentação para mim, para renunciar, ou
retroceder, e rever as minhas decisões, e reconsiderar a minha política. Serei
esmagado, trucidado, antes de fizer ‘Diabos’.
ENTREVISTADOR: Então, o senhor,
senhor candidato, havendo uma forte base política para a sua manutenção na
cadeira de prefeito, irá reestruturar as secretarias, para reduzir os gastos
públicos?
NULO DA SILVA: Não. Claro que não.
Sei onde piso. Além disso, em defesa dos meus interesses, e em defesa dos
daqueles que me apóiam, e dos dos meus aliados, muitos destes de ocasião,
outros com os quais tenho vínculos ideológicos, que não se rompem, eu jamais
reduzirei as despesas, e tampouco enxugarei o quadro de pessoal. Quero ampliar
o meu poder; para ampliá-lo, terei de atrair aliados e apoiadores, e bajuladores,
muitos bajuladores, e estes estarão certos de que terão muito a ganhar comigo,
se eu ampliar os gastos, e eu terei muito a ganhar com eles ao comprar-lhes a
lealdade.
ENTREVISTADOR: O senhor é
maquiavélico, senhor candidato.
NULO DA SILVA: O elogio me cai bem,
cai-me como uma luva.
ENTREVISTADOR: Não é um elogio,
senhor candidato. É um insulto.
NULO DA SILVA: Aos meus ouvidos soa
como um elogio. Você está a louvar a minha inteligência de político gabaritado
e tarimbado.
Nota: Interrompemos, neste ponto, a
entrevista, para um lanche.
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