Todos de barriga cheia, de todos satisfeita a gula (e o
senhor Nulo da Silva comeu como um frade), serenados os ânimos (para
tranquilizar a alma nada melhor do que um banquete opíparo), pudemos retomar a
entrevista. E o senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito pelo Partido
Extraordinário de Inteligentes Democratas e Eminentes Intelectuais (PEIDEI –
mas não fui eu), antecipando-se ao entrevistador, respondeu a uma pergunta, que
ele não lhe fez:
NULO DA SILVA: Os políticos sabemos (aqueles que sabem,
obviamente; muitos, ignorantes e incultos – a maioria – ecoam, acriticamente,
lugares-comuns, que os ventos lhes levam até a cabeça oca, que não pode, devido
à sua ocacidade, impor-lhe resistência, e oscilam, caoticamente, de um lado
para o outro) os políticos sabemos, prossigo, quais políticas beneficiam o
povo, enriquecem-lo, quais contribuem para a sua riqueza cultural e
intelectual, e as evitamos, melhor, não as implementamos, e torcemos e
retorcemos a realidade, e apresentamos como favoráveis ao povo aquelas
políticas que o prejudicam, enormemente.
ENTREVISTADOR: O senhor pode dar-nos alguns exemplos?
NULO DA SILVA: Se posso!? Milhares de milhões de exemplos
nosso dar a você e a quem mais mos pedir. Em síntese, digo: Todas as políticas,
que, dizem os políticos, beneficiam o povo, na verdade o prejudicam. Se o povo
não acolhesse os discursos dos políticos como reproduções fiéis das intenções
deles, mas apenas como ferramentas de persuasão, que nenhuma relação têm com os
reais propósitos de quem os pronunciam, não seria tão facilmente ludibriado por
quem só quer lhe retirar das mãos as riquezas. Um exemplo clássico: Passagens
de ônibus gratuitas para velhinhos, ou idosos, ou, como é de bom tom dizer
politicocorretamente, as pessoas da terceira idade. Políticos adoram se
apresentar como benfeitores do povo quando estão a prejudicá-lo. Para oferecer
aos velhinhos encanecidos, de pele enrugada, despelancados, flácidos e
desmiolados...
ENTREVISTADOR: O senhor está sendo desrespeitoso com os
idosos, senhor candidato.
NULO DA SILVA: Vá tomar banho no Tietê, senhor perguntador.
Desrespeitoso é a sua avó. Os políticos prejudicam, enormemente, o povo, e,
depois, e ao mesmo tempo, oferecem-lhe uma ajudinha, que em nada o favorece, e
apresentam-se, nas propagandas, como benévolos governantes, generosos
benfeitores, idôneos bom-samaritanos, pessoas de alma impoluta.
ENTREVISTADOR: E os idosos não são beneficiados ao
receberem passagens de ônibus gratuitas tendo-se em vista a aposentadoria que
recebem, todo mês?
NULO DA SILVA: Você é uma anta, e daquelas bem quadradas.
Vá ser burro lá onde Judas perdeu as botas, cabeça de ostra desmiolada! Você já
se perguntou porque o poder aquisitivo das aposentadorias é tão baixo? Os
velhinhos, pense, bestalhão, empatam boa parte de seus recursos com remédios e
cuidados médicos, certo? Pergunto: Qual é a incidência de impostos nos remédios
e nos serviços médicos?
ENTREVISTADOR: O governo administra farmácias populares...
NULO DA SILVA: Raciocínio típico de uma besta quadrada, e
daquelas bem quadradas. Você é uma anta besta elevada à décima potência.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: O governo encarece os remédios e os serviços
médicos, dificultando, portanto, a vida do povo, e atribui aos capitalistas
todos os males que eles, políticos, produzem, e, depois, oferecem-lhe alguns
beneficiozinhos, e apresentam-se como benfeitores, pessoas de boa índole, de
bom coração, coração de ouro, e protetores, impedindo-o que ele caía nas garras
dos gananciosos empresários, sempre os malditos empresários, no caso, os da
indústria farmacêutica.
ENTREVISTADOR: Mas...
NULO DA SILVA: Mas você tem de calar sua boca, e deixar-me
concluir o meu pensamento acerca das passagens de ônibus gratuitas.
ENTREVISTADOR: Fique à vontade.
NULO DA SILVA: Já estou. Dizia eu: Os políticos impõem aos
empresários do setor de transporte de pessoas normas que os impedem de oferecer
ao povo serviços de boa qualidade, e cobram-lhes impostos, e mais impostos, e
mais impostos, e não apenas deles; cobram muitos impostos dos seus fornecedores
de ônibus, peças sobressalentes, combustíveis, e dos mais variados serviços:
mecânica, contabilidade, limpeza, e inúmeros outros, e lhes impõem uma
legislação trabalhista, que tira-lhes, melhor, arranca-lhes, os olhos da cara. Assim, impedem que mais
empresários invistam no setor, criando uma reserva de mercado para alguns
poucos empresários, e grandes empresários, os que têm laços estreitos com os
políticos, e estes empresários, ao mesmo tempo que gozam de tal benefício, a
inexistência de concorrência, têm de aceitar certas práticas que os impedem de
atuar, livremente, no setor, cerceados, pelos políticos, que intervêm nas
empresas, em sua liberdade de fazer uso de sua própria propriedade. O resultado
de tal aliança é o encarecimento do serviço. E aqui entra, na história, os
movimentos sociais, que, hostis, à propriedade privada dos meios de produção e
ao lucro, movimentos sociais que almejam destruir o livre-mercado – o pouco que
há – e defendem ideologias estatistas, e comunistas revolucionárias,
manifestam-se em defesa, ou da gratuidade das passagens de ônibus, se não para
todos os passageiros, para os estudantes e para os desparafusados
valetudinários da terceira idade, e quando os empresários do setor anunciam o
aumento do preço das passagens de ônibus, entram em ação, e partem para o
quebra-quebra. E os empresários insistem no amento do preço das passagens, e os
manifestantes quebram tudo o que encontram pela frente, e entram em cenas os
políticos. Resumo da ópera: Para convencer os empresários a não aumentarem os
preços das passagens de ônibus os políticos lhes oferecem subsídios, e eles, os
empresários, recuam da política de reajuste de preços, e todos vivem felizes
para sempre. Todos, não; quero dizer os empresários, que recebem os subsídios,
os políticos, que atuam, em benefício do povo, segundo as propagandas oficiais,
protegendo-o da sanha capitalista dos empresários, e os manifestantes, que
seguem sendo financiados pelas mesmas pessoas contra quem eles batem-se e os
aliados delas. Nesta história, só o povo perde, pois os subsídios que os
políticos pagam aos empresários saem do seu, do povo, bolso, e para manter os
subsídios os políticos inventam mais alguns impostos, elevam as alíquotas dos
já existentes, criam alguns impostos ocultos, aqueles que ninguém vê mas que
todo mundo paga, altera a fórmula de cálculo de alíquotas de impostos de modo a
elevar a arrecadação.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato, o senhor falava da oferta,
pelas empresas de ônibus, para os idosos...
NULO DA SILVA: Ai meu Deus do céu! Dai-me paciência,
Senhor. Senhor entrevistador, vá ser burro no quinto dos infernos! Peste! Por
que Deus deu a você uma cabeça, ô, ameba?
ENTREVISTADOR: Senhor candidato, esclareça o seu
argumento...
NULO DA SILVA: Mas que diabos! Você quer que eu esclareça o
que está claro!? Diabos! Pense, peste! Por que os idosos têm direito à
passagens de ônibus gratuitas? Dado tudo o que eu já disse, a resposta é óbvia:
Os empresários e os políticos são aliados, não leais, claro, pois a aliança é
forçada, pois os políticos têm mais poder do que os empresários, afinal, são
eles que ditam as regras, afinal, eles têm o poder nas mãos, e os empresários
que a eles se aliam caem do cavalo e têm de dançar conforme a música que os
políticos tocam, pois estes dependem de subsídios e têm de amansar a ânsia dos
políticos por mais intervenção nas empresas e mais regulamentações no setor. E
os políticos, agora que os empresários do setor de transporte de pessoas
comem-lhes nas mãos, criam políticas sociais para beneficiar, segundo eles,
claro, os idosos, isto é, as passagens de ônibus gratuitas para os velhinhos
desocupados. E ai dos empresários se eles reclamarem. Se reclamam, os políticos
implementam, no setor, regras que os prejudicam, tais como aumento de alíquotas
de impostos, inventam impostos, e deles disseminam imagem negativa, de
capitalistas inescrupulosos, sórdidos, insensíveis aos sofrimentos dos
velhinhos malucos, que, coitados, mal têm dinheiro para comprar o feijão-com-arroz
de todo dia.
ENTREVISTADOR: Entendi, senhor candidato. Então o senhor,
senhor candidato, irá implementar, no setor de transporte de pessoas, uma
política que beneficiará de fato os idosos, e não supostamente; isto é, o
senhor reduzirá os impostos para os empresários do setor, criará regras que
favoreçam a concorrência...
NULO DA SILVA: Você é burro, demasiadamente burro.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Você é um asno.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Você tem cabeça de lesma e inteligência de
caramujo.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: No lugar do cérebro você tem paçoca.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Você é um intelejumento.
ENTREVISTADOR: Senhor candidato...
NULO DA SILVA: Você quer que eu dê um tiro no meu pé? Eu
criarei normas para dificultar a vida dos empresários do setor de transporte de
pessoas, para encarecer o serviço, e os empresários me solicitarão subsídios, e
eu lhos concederei, e estenderei o alcance das garras da prefeitura, e
ampliarei os programas de gratuidade de passagens para os velhinhos... Enfim,
ganharei dividendos políticos com a desgraça alheia. E serei aplaudido,
ovacionado. Para muita gente serei um benfeitor.
Nota: O entrevistador perdeu as estribeiras, e, os nervos à
flor da pele, levantou-se da cadeira, e avançou, como um touro desembestado, na
direção do senhor Nulo da Silva, que sorria, vitorioso, ao vê-lo tão irritado e
descomposto, e enviou-lhe um beijinho de desprezo. Interceptamos o entrevistador,
impedindo-o de pular sobre o senhor Nulo da Silva. Foi um Deus nos acuda!
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