quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Uma crônica e uma resenha

 São quantos os gêneros sexuais?


"Não sei se é certo um homem que diz sentir-se mulher participar, em campeonatos esportivos,da categoria das mulheres." "Não seja preconceituoso. Se o homem se sente mulher, ele que participe de campeonatos femininos. Não há mal algum." "Certo. Mas, eu não entendo uma coisa - e antes de eu dizer o que não entendo, responda-me: Há mulheres que se sentem homens?" "Sim. Há. Da mesma forma que há homens que se sentem mulheres, há mulheres que se sentem homens." "Se é assim, e assim é, por que não há mulheres que se sentem homens a participarem de campeonatos esportivos dos homens?" "Ora, eu... eu não sei. Talvez porque nenhuma delas queira." "Delas, ou deles?! Acredito saber o porquê haver homens que se sentem mulheres no campeonato das mulheres, e não haver mulheres que se sentem homens no campeonato dos homens. Mas deixo de lado tal questão. Agora, eu quero que você me responda: Há dois, e apenas dois, gêneros sexuais, o homem e a mulher?" "Não. São vários. Há estudiosos que falam em trezentos e quarenta gêneros." "O homem que se sente mulher é homem?" "Não. Ele não se identifica com seu corpo de homen; ele se sente, num corpo de homem, mulher. Ele não é homem." "O homem que se sente mulher é mulher?" "Não. Ele se sente mulher, mulher no corpo de um homem." "Se o homem que se sente mulher não é homem, e nem mulher, não é nenhum dos dois gêneros sexuais; é uma pessoa de um terceiro gênero; portanto, os homens que se sentem mulheres não podem participar de campeonatos esportivos das mulheres. Que os organizadores de campeonatos esportivos criem uma terceira categoria, a para as pessoas que, sendo homens, se sentem mulheres. Aliás, não havendo apenas dois, e só dois, gêneros sexuais, mas, como você disse, segundo estudiosos, trezentos e quarenta, que se criem outras trezentos e trinta e oito categorias esportivas." "Ora, é impossível, pois..." "Agora, vamos falar dos pronomes, que são seis: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Destaquemos o terceiro do singular e o terceiro do plural: "ele" e "eles". Ambos podem vir na forma feminina e na masculina quando se está a se referir a uma ou mais, conforme o caso, pessoas do mesmo sexo, sendo que a forma masculina da terceira pessoa do plural assume neutralidade se se está a se referir a um grupo composto de homens e mulheres. Veja bem, no decurso dos séculos,desde o tempo do Rei Trovador, vem a Língua Portuguesa se modificando, e dela nasceram as terceiras pessoas, a do singular e a do plural, que são desdobradas em masculino e feminino. Fruto da sabedoria e da sagacidade dos lusitanos. Entendo: para cada gênero sexual, um pronome pessoal. Agora, de volta para o presente: a turminha que identifica trezentos e quarenta gêneros sexuais, em vez de criar trezentos e trinta e oito pronomes pessoas, dois, um singular e um plural, para cada gênero que não o homem e a mulher, decidiu criar o pronome neutro, artifício que, convenhamos, possui certa sutileza. Você já imaginou o palpo de aranha, ou papo de aranha, em que os defensores da ideologia de gênero se veriam se tivessem de memorizar cento e setenta pronomes pessoais em suas formas singular e plural? E eu só estou falando dos pronomes pessoais. Imagine, só imagine, a confusão, se criarmos trezentos e trinta e oito pronomes, sendo um singular e um plural, para cada pronome demonstrativo. E para os pronomes definidos e para os pronomes indefinidos. E para os numerais. Só imagine. Ah! É mais cômodo usar-se o pronome neutro."


*


The Feed - série de televisão - primeira temporada.


É de ficção científica esta série cujo tema é bem atual: o da conexão homem-máquina, conexão neural, que para os tecnólogos, os transhumanistas, é o futuro da espécie humana, futuro por muitos desejado, futuro que, muitos entendem, já está presente hoje. Está o futuro, em embrião, hoje. O filme alerta, dir-se-ia, para o perigo que a tecnologia representa, a tecnologia da conexão, que é, praticamente, irreversível, entre homens e máquinas, conexão que pode, a muito custo, e com muito sofrimento, ser rompida.

Na idéia central da série, a nortear-lhe o enredo, a humanidade, exceção feita a uma pequena parcela, que é obrigada a viver à margem da sociedade (os párias, mal-vistos, e perseguidos; e bode expiatórios de todas as tragédias), toda a humanidade, prossigo, está conectada, via sistema nervoso central, a uma rede social; muitas pessoas, viciadas com o mundo virtual, do qual não se desconectam, mal vivem experiências reais. É a rede social, Feed, uma droga, um estupefaciente - e ao dela desconectar-se, a pessoa enfrenta inúmeras dificudades, insuperáveis, no seu dia-a-dia. Se hoje assistimos aos mortos-vivos a perambularem, pelas cracolândias, na série de televisão vemos jovens, isolados uns dos outros, sem se interagem, cada qual paralisado, concentrado, ou, melhor eu diria, hipnotizado,pelo que a rede social lhe exibe.

O multibilionário Lawrence Hatfield (David Thewlis), a mente por trás de Feed, rede social de alcance planetário, homem ambicioso, de intelecto privilegiado, megalomaníaco e narcisista, orgulhoso, acredita, e é sincero em sua crença, que está a beneficiar a humanidade, a melhorá-la, ao torná-la mais próspera e feliz, ao criar, praticamente, um novo ser humano, com a sua invenção, e para tanto acredita que é direito seu passar por cima de tudo e de todos, transgredir leis morais, vontades das pessoas, seus direitos fundamentais, sua integridade física e espiritual, desrespeitar, enfim, a essência, o ser,do ser humano, porque, entende, lhe são inferiores todos os humanos. De seu intelecto nasce uma tecnologia mágica, se assim posso me expressar, mágica porque inexplicável, uma tecnologia revolucionária, que não se resume à conexão homem-máquina, a ligação, via sistema nervoso central, do homem com o mundo virtual da rede social, tecnologia, esta, obsoleta; a novidade tecnológica, de assustar qualquer pessoa de bom-senso, transformou a máquina em ser biológico e fundiu-a ao humano, ser biológico, a ponto de poder transferi-la de pai para filho, naturalmente, sem a intervenção de quaisquer maquinários, pois a máquina, no caso a rede social Feed, não está mais conectada, via neural, ao ser humano; ela é parte integrante do ser humano, ela é um ingredente do DNA da espécie humana, e da Feed os humanos estão, a partir de agora, inextricavelmente ligados, umbilicalmente unidos. Repito: está a rede social Feed umbilical, e inextricavelmente, associada com o DNA humano; ela é um dos seus ingredientes. A ambição narcisista, megalômana de Lawrence Hatfield é de tal dimensão, que ele, além de atropelar direitos fundamentais das pessoas, faz de seu filho Tom Hatfield (Guy Burnet) o ratinho-de-laboratório de sua revolucionária invenção - é ele o primeiro ser humano a ter em seu DNA a Feed.

Além da megalomania narcisista do criador da Feed, e do perigo que é para os seres humanos a liberdade que cientistas inescrupulosos gozam, cientistas que se arvoram deuses, cientistas que não medem esforços para recriarem as pessoas à sua imagem e semelhança, apresenta a série uma outra ameaça: a representada pela inteligência artificial, que, independentemente de ações humanas, adquire vontade própria, a sua própria consciência, e infecta, via Feed, os humanos, prejudicando-os, controlando-os, dominando-os, matando-os.

Um outro ponto, muito controverso, que em The Feed se detecta, é o que se concentra na questão da consciência humana: via Feed, a consciência de uma pessoa morta, gravada em arquivo digital, transfere-se para o corpo de uma pessoa viva, e dele expulsa a consciência do, assim direi, proprietário original, e passa a controlá-lo. Levanta-se, aqui, uma questão: O que é a consciência? Pode a consciência ser armazenada em um dispositivo digital, um computador? Sem se responder à primeira pergunta, não se pode responder à segunda. E a resposta que se dá à primeira não pode ser a que atende ao gosto do freguês.

Tem a série The Feed doses de suspense, de investigação policial, intrigas corporativas e políticas, dramas familiares em doses cavalares, cenas de ação. É The Feed uma série de televisão que nos faz pensarmos; agita os neurônios, e nos faz em pensamento conceber um mundo onde têm as pessoas, conectadas a um computador central, o cérebro, os pensamentos de toda pessoa ao alcance de todas as pessoas. É um mundo deveras assustador o de The Feed, um mundo que muita gente pretende fazer sair do papel, e no qual muita gente sonha viver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário