Conta o comediógrafo eventos que se sucedem na casa de
Filoclêon, confinado este à sua casa por seu filho, Bdeliclêon e os escravos
Xantias e Sosias. No princípio, está Bdeliclêon, no terraço, mergulhado no
sono, e, à frente da porta, guardando-a para impedir que por ela saísse
Filoclêon, os dois escravos, um a dormir, o outro entre a vigília e o sono, e
assim que o que estava a dormir desperta, entabulam ambos um diálogo, e narram
cada qual o seu sonho, vindo a receber o de Xantias interpretações
contrastantes. Logo, Filoclêon trata de tentar a fuga, já ciente o leitor de
que o filho dele conserva-o na casa, suprimindo-lhe a liberdade, que ele tanto
estima, para poupá-lo de chafurdar-se no vício que tanto lhe reprova, o de
frequentar, com assiduidade, o tribunal, servindo de juiz nos julgamentos, para
receber os três óbolos de pagamento pelo trabalho prestado à cidade, e,
infalivelmente, condenar o réu, atendendo, assim, um vaticínio que lhe fizera o
deus de Delfos: Filoclêon morreria se um acusado lhe escapasse das mãos,
absolvido. Tinha Filoclêon, portanto, de ir ao tribunal, depositar, na urna,
seu voto, pela condenação de Dracontidas, que viria a ser absolvido do crime
que lhe imputavam. Usa de uma artimanha para escapar ao confinamento ao qual o
filho o obrigara: enveredou pelos canos e calhas. Impedem-lo de empreender a
fuga. Persiste Filoclêon: Entra no forno da chaminé. Num diálogo hilário com
seu filho, que lhe pergunta quem ele é, diz ser fumaça de lenha de figueira.
Bdeliclêon não se deixa ludibriar por artimanha tão absurda. Persiste Filoclêon,
que urdiu outro estratagema: Diz que irá vender jumentos. E esconde-se sob o
jumento. E aqui se dá a paródia à Odisséia. Indagado quem é, responde ser
Ninguém, tal qual Ulisses responde ao Ciclope, no épico Odisséia, de Homero,
vate helênico cuja existência é controversa.
Na sequência, anunciam-se os velhos juízes, as vespas,
que recorrem a Filoclêon para eles irem ao tribunal assistir ao julgamento de
Laques, e depositarem, na urna, um voto, de condenação. À frente da casa de
Filoclêon pronunciam-se os juízes, que à ela não têm acesso, e clamam pela
presença de Filoclêon. Bdeliclêon intervêm, e segue uma briga – homérica, digo,
com um sorriso a enfeitar-me o rosto – entre Bdeliclêon e escravos contra os
juízes. Para dar fim à contenda, propõem um debate entre Filoclêon e
Bdeliclêon, aquele argumentando em defesa de seu trabalho, nobre, essencial
para a conservação da ordem, este, em oposição ao trabalho de juiz, que são,
entendia, escravos dos homens que de fato detinham em suas mãos o poder. Ficou
acertado que se Bdeliclêon os persuadisse de que eram os juízes escravos,
insignificantes, os juízes reconhecer-lhe-iam a vitória e abandonariam o
projeto de conduzir Filoclêon ao tribunal. Contrastam as duas teses, a do pai e
a de seu filho. Filoclêon, orgulhoso de suas incumbências, enaltece sua
profissão, e é nítida a sua soberba, e o tom despeitado que emprega em sua
exposição. É clara a sua arrogância; e o seu apreço pela profissão de juiz
resume-se ao que dele auferia: prestígio, poder; nenhuma palavra ele pronuncia
em favor da dignidade do cargo que ocupa; seu amor ao seu trabalho resume-se às
exterioridades, ao título e à riqueza, ao poder adquirido, à proteção e aos
favores que recebia dos soberanos, e à sua reputação, que se equivalia à dos
deuses do Olimpo. Opõe-se-lhe à tese Bdeliclêon a sua: O juiz é apenas escravo,
e é mal remunerado, recebendo mísera parcela dos impostos que os poderosos
extorquiam ao povo, e ele, Filoclêon, limitava-se a obedecer quem lhe pagava o
salário, isto é, as pessoas que dele exigiam o voto de condenação aos acusados,
voto que ele jamais lhes recusava; era, portanto, Filoclêon, um serviçal, um
insignificante serviçal, uma peça de um maquinismo cujas dimensões ele
desconhecia. Ao encerramento da exposição de Bdeliclêon, reconhece-lhe o coro a
vitória. Ainda assim, deseja Filoclêon ir ao tribunal; agora, seu filho
reconhecendo-lhe o desejo indomável, propõe-lhe, no que ele concorda, simular,
na casa dele, um julgamento. Providencia Bdeliclêon as urnas, as plaquetas, e
ramos de incenso e de mirto para a invocação dos deuses, para que Filoclêon
seja clemente com os acusados, e não com os acusadores. E dois homens pronunciam-se,
ambos fantasiados de cachorros; destes, um é acusado de roubar queijo da
Sicília. E a pena seria a de submetê-lo a uma coleira bem apertada. E teria
Filoclêon de proferir a sentença, ou de condenação, ou de absolvição, após
ouvir os argumentos de defesa e os de acusação. A cena que se desenrola é de
humor impagável. E é sucedida por outra cena de equivalente teor cômico, agora
Filoclêon, embriagado, exibindo um espetáculo de indecência e insolência de
ruborizar Calígula, a vilipendiar e a maltratar os convivas. Livre de um vício,
cai Filoclêon em outro vício, apesar das sábias exortações de seu filho.
Encerra-se o leitor a leitura desta antiga comédia grega
certo de que Aristófanes não reconhecia virtudes nos juízes, que para ele eram
apenas criaturas tolas a serviço de homens poderosos, e acreditava na
imutabilidade dos tipos humanos, sendo os propensos aos vícios insensíveis aos
apelos da razão e da sabedoria.
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