Ao Carlos
Drummond de Andrade poeta prefiro o contista. Eu não sou um bom leitor de
poesias.
No primeiro
conto do volume Contos de Aprendiz, narra Carlos Drummond de Andrade um relato
de Augusto Novais, irmão de Miguel, o primogênito, Édison, Tito e Ester. É
Augusto o mais novo dos meninos. Os quatro vivem às turras, sempre às voltas
com brigas por qualquer miudeza; quando não havia razões para se estapearem,
esmurrarem-se, arrumavam um pretexto qualquer, e socavam-se. As brigas, que se
sucediam diariamente, não indicavam que os quatro meninos odiavam-se;
gostavam-se, mas não se negavam o direito de se baterem. O mais velho deles,
Miguel, é o modelo que os outros seguiam à risca; mais experiente, ele lhes ensinava
valiosos palavrões e xingamentos. Dentre Miguel, Édison e Tito, este era o que
mais se envolvia em brigas com Augusto, um ano mais novo, e quem mais lhe
batia; era-lhe mais forte. E os quatro irmãos, ladinos, vendiam para Ester
muitos dos objetos e guloseimas que ela apreciava, pastilhas de hortelã, caixas
vazias de sabonete, extorquindo-lhe o dinheiro que o pai, generoso com ela, e
jamais com os quatro meninos, dava-lhe com facilidade que os boquiabria.
Um dia, visita a
cidade padres, que pregavam no púlpito e confessavam os munícipes. Os quatro
meninos Novais eram “hereges”, que na linguagem local é sinônimo de cristãos
desleixados, que não se dedicam aos rituais cristãos, não vão à missa, não
promovem obras de caridade.
Miguel, Édison,
Tito, Augusto e Ester se confessam com o padre. No início da viagem de regresso
à casa, Tito puxa para junto de si Augusto, com ele entabula conversa, e
andam, tranquilos, os dois, pela única rua da cidade, afastados dos outros.
Tito, então, diz ao seu irmão que não mais lhe bateria, e diante da
incredulidade dele, promete-lhe não lhe bater e pede-lhe que ele o humilhe, que
lhe faça algo de mal, pois quer ser humilhado. Augusto, após um momento de
hesitação, decide pedir a Tito que este se pusesse de quatro e se fizesse de
burro, e nele Augusto montaria, e Tito o carregaria até a casa. Tito aceita a
proposta. Augusto serve-se dele de burro. Percorridos alguns metros, Augusto,
deliciando-se com a humilhação que aplicava ao seu irmão - este, resignado, não
se queixava, e cumpria, sem pestanejar, a promessa -, decide fazer a ele outra
exigência: que a cada cinquenta passos, ele gritasse “Sou burro e quero capim!
Sou burro e quero capim! Sou burro e quero capim!” Tito não reclama. E
corresponde ao pedido, que lhe soa como uma ordem, do irmão. Augusto,
entretanto, não se deu por satisfeito. Deliciava-se com a humilhação que
infligia ao irmão. No desejo de aproveitar-se da situação que ele lhe
propiciava para dele se desforrar de todas as surras que ele lhe dera, aplicou
dois golpes simultâneos, com os calcanhares, como se o esporeasse, numa região
do corpo, tão sensível, que fê-lo dobrar-se de dor, esbravejar, encolerizar-se,
e esquecer-se da promessa feita.
Conto divertido.
Carlos Drummond de Andrade descreve, com singeleza, além dos irmãos Novais,
outros personagens, caracterizando-os com rápidas pinceladas, suficientes para
apresentá-los, em sua inteireza, numa narrativa simples e cativante, ao leitor.
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