-
Márcia, tenho uma novidade para você. Decidi abandonar a minha vida
sedentária - disse Fábio, ao chegar na sua casa após um exaustivo
dia de trabalho. Márcia, sua esposa, enquanto ensaboava um copo,
após usá-lo para beber leite com achocolatado, voltou o rosto para
Fábio, ofereceu-lhe os lábios, os quais ele beijou, e esperou pelo
complemento da notícia. - O meu estilo de vida está me matando.
-
Enfim você reconheceu que precisa de reformas. - comentou Márcia,
sorrindo em tom de leve censura.
-
Por favor, Márcia... Poupe-me das piadas e dos sermões. Você me
alertou para o meu estilo de vida, sedentário, que me prejudica. Vou
de carro daqui até o escritório; de carro, do escritório volto
para casa; de carro, vou à padaria, que fica no outro lado da rua;
de carro, vou à banca de revistas do Manoel, que fica lá na
esquina; daqui até lá, um pulo, com a perna esquerda, para ir, e um
pulo, com a perna direita, para voltar. E eu, de carro... Quer saber,
Márcia, o que me aconteceu, hoje, e me fez mudar de atitude? Tive de
andar uns setecentos metros, mais ou menos, do escritório até o
cartório... Mal me aguentei em pé ao chegar ao cartório. Cansado,
mal consegui respirar. Ofegante, diante da mocinha do cartório, não
me recordo se a Fátima, se a Evelyn, que me fitava, esperando que eu
lhe dissesse o que eu desejava, fitei-a, sinalizei que atendesse uma
mulher que chegou logo após eu, e sorri, constrangido. Ela sorriu, e
atendeu à mulher. Pouco depois, ou Evelyn, ou Fátima, eu já
recomposto, atendeu-me. Márcia, mal consegui andar setecentos
metros! Como cheguei a este ponto!? Escreva o que digo: Perderei
estes pneuzinhos...
-
Pneuzinhos?
-
Não zombe. Tire esse sorrisinho da cara. São pneuzões de caminhão,
os que perderei, e os perderei antes do Natal. É uma promessa. Se eu
ficar como estou, confundir-me-ão com um leitão, ou com um peru.
Você se surpreenderá. Ficarei esbelto como um galã de novela.
No
dia seguinte, no café-da-manhã, Fábio, para surpresa de Márcia,
fez uma refeição frugal: duas fatias de torrada com geléia de
cereja, uma pêra, seis uvas e um copo de laranjada.
-
Pelo visto, Fábio, ontem você falou sério - comentou Márcia,
surpresa e contente.
-
Bote fé, Márcia, o regime é pra valer.
Fábio
foi até o escritório, a pé, distante mil e duzentos metros da sua
casa. Exausto, sentou na cadeira, e permaneceu sentado durante cinco
minutos, para renovar as energias consumidas durante a caminhada.
Colegas de trabalho não perderam a oportunidade de convertê-lo no
alvo de piadas preferencial durante a manhã. Fábio, de bom humor,
embora constrangido, ouviu-as, e divertiu-se com as contadas por
Josué, dotado de senso de humor irresistível.
No
almoço, no restaurante em frente ao escritório, Fábio sentou-se à
mesa. Carlos, o garçom, atendeu-o:
-
O de sempre, Fabião?
-
Não, Carlos. Traga-me cinco grãos de arroz, três grãos de feijão,
duas folhas de alface, quatro fatias de pepino, seis fatias de
tomate, e, para beber, meio copo de vinho.
-
E os oito bifes de alcatra, Fábião?
-
Não quero bife.
-
Não quer bife? - perguntou-lhe Carlos, surpreso. - E as quinze
coxinhas de frango?
-
Esqueça-as, Carlos. Esqueça-as. Não quero ver cheiro de carne.
-
O que você comerá de sobremesa?
-
Gelatina de limão.
-
Gelatina de limão, Fabião!?
-
Eu disse gelatina de limão, então é gelatina de limão.
-
Você está doente?
-
Não.
-
Você está bêbado?
-
Não.
-
Você fumou maconha? Cheirou cocaína? Entupiu-se de crack?
-
Não! Não! E não!
-
E o pudim, e o doce de coco, e o bolo de chocolate, e o rocambole, e
o brigadeiro, e o doce de leite, e a marmelada, e a goiabada com
queijo, e a maria-mole, e a teta-de-nega...
-
Gelatina de limão, Carlos. Gelatina de limão. Entendeu? De limão.
Gelatina de limão.
-
E essa agora! Se eu contar para o gerente, ele vai me demitir.
-
Deixe de conversa fiada, e traga-me a comida.
-
Comida!? Que comida, Fabião? Continue assim, e você aprofundará a
crise econômica internacional. Espero que ninguém siga o seu
exemplo. Você está de regime?
-
Estou - a voz áspera de Fábio fez com que Carlos o olhasse com
estranheza.
-
O mundo está de cabeça pra baixo - sentenciou Carlos, que ficou de
costas para Fábio, e afastou-se, abismado.
Nos
dias seguintes, Fábio repetiu essa refeição, para surpresa e
espanto de todos.
-
Você emagrecerá mais rápido, Fábio - disse-lhe Márcia, uma
semana depois -, se praticar um esporte. Que tal ir à academia? A na
qual a irmã da Jéssica faz ginástica é ótima, disse-me minha
irmã.
-
Emagreci?
-
Um pouco. Se você se mexer mais, emagrecerá mais, e mais
rapidamente. Você pesava cento e vinte e oito quilos; agora, pesa
cento e vinte e sete quilos e oitocentos e noventa gramas.
-
Virou piadista, mala-sem-alça?
No
dia seguinte, Fábio, na academia de ginástica, na sala de
musculação, exercitou-se até encharcar a camisa de suor e exaurir
as energias.
Encerrados
os exercícios, satisfeito com o seu desempenho e com o seu esforço,
Fábio mirou-se ao espelho. Irreconhecível, a sua figura. Era o
Fábio, o Fábio de sempre. A camisa banhada em suor, ele pensou, era
uma recompensa pelo esforço aplicado durante uma hora de exercícios
físicos. Sorriu, exultante. Sentia-se outro homem. Saudou a
professora, despediu-se dela e dos outros sete alunos, pegou da
toalha, enxugou os cabelos ensopados de suor e removeu o suor que lhe
porejava o rosto e o pescoço. Retirou-se da academia. Deu não mais
do que vinte passos, olhou para o outro lado da rua, e exclamou:
-
Ninguém é de ferro! Sou filho de Deus!
Ato
contínuo, atravessou a rua, e entrou na lanchonete, e devorou, em
dez minutos, com voracidade animalesca, três x-tudo, dois pastéis
de carne, duas coxinhas de frango, um quarto de uma torta, e sorveu,
sedento, de uma garrafa, dois litros de refrigerante de laranja.
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