Amarildo
Vasquez W. G. N. Vasconcelos buscou a originalidade durante quase toda a sua
vida, que se estendeu por setenta e dois anos. Certo dia, reconheceu, após muitas
horas de reflexão, que todas as narrativas que havia escrito os gregos, os
romanos, os espanhóis, os italianos, os franceses, os russos, etc., etc., já as
haviam contado séculos antes, e, então, certo de que se consumiu em trabalho
infrutífero, reconheceu que havia desperdiçado, inutilmente, décadas da sua
vida, mas estava feliz, pois entendia, agora, qual era a atitude apropriada
para o labor literário, iluminado pela sabedoria universal. Decidiu queimar
todos os seus textos. Arremessou resmas e resmas de papel à fogueira, e sentiu-se
livre da opressão de todos os sentimentos angustiantes que o sufocaram durante
as décadas que antecederam o seu ato de alforria, ciente de que conhecia,
agora, a fórmula da excelência literária. A fogueira ardeu durante quatro
horas. E a partir desse dia, Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos não leu
sequer um livro, pois não queria que o influenciassem em sua obra que estava
por escrever Homero, Boccaccio, Cervantes, Victor Hugo, Machado de Assis,
Proust, Dostoiévski, Tolstoi, Turgueniev, e outros escritores influentes. Que
eles influenciassem outros escritores; ele, Amarildo Vasquez W. G. N.
Vasconcelos, não. Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos sabia, agora, inspirado
pela sabedoria universal, que a excelência literária encontra-se na
simplicidade das coisas do mundo, e, atendendo aos seus anseios, sublimados
pelas forças inspiradoras do universo – que estão além do alcance da mente
debilitada das pessoas contaminadas pela civilização tecnológica na qual estão
imersas -, poderia haurir da sabedoria da natureza, pois estava preparado para,
sem açodamento, fruir do aroma natural das coisas do mundo, e escrever a sua
obra perene. Não mais leu livros dos grandes mestres da literatura. Eles não
eram imprescindíveis, como declaram inúmeros estudiosos, todos eles
presunçosos, pernósticos, soberbos eruditos encastelados em torres de marfim.
Desfez-se Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos dos seus livros. Não os cedeu
para bibliotecas públicas, e nem para as universitárias; não os vendeu para
livreiros, nem para bibliófilos, tampouco os doou para alguma instituição.
Queimou-os. Sim. Queimou-os. Eram todos os livros, e os clássicos dentre todos,
perniciosos para a inteligência humana, acreditava Amarildo Vasquez W. G. N.
Vasconcelos. Debilitavam-na os livros. Impediam o florescimento da sabedoria,
da criatividade, da originalidade, que, para ele era, até então, inalcançável.
As suas reflexões conduziram-lo para a elevação da sua mente sob a inspiração benéfica
da sabedoria universal, e soube, então, o que tinha de fazer, e o que tinha de
fazer era inadiável. Já havia desperdiçado muitos anos da sua vida com
leituras, que o oprimiram, o impediram de pensar, de criar, de conceber tramas e
personagens originais. Os escritores e os estudiosos aos quais atribuem
sabedoria e genialidade sufocam os espíritos dos homens, são nocivos ao
desenvolvimento da originalidade, estava convencido Amarildo Vasquez W. G. N.
Vasconcelos. E não os condenam à fogueira. Enaltecem-los. Entoam loas para
eles. Até hoje, Júlio César é difamado por ter ateado fogo à Biblioteca de
Alexandria. Júlio César, segundo Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos, merecia
o reconhecimento da humanidade por haver tê-la livrado de obras que lhe
roubariam a liberdade de espírito, que lhe propiciaria a originalidade de
pensamento e de criação literária, científica, filosófica e política.
Recluso, em
busca da originalidade, Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos evitava contato
com as pessoas, principalmente com os escritores. Viveu em busca da
originalidade perdida, da originalidade que a humanidade perdeu, esta
humanidade industrial, tecnológica, que se nega ao direito inalienável de usar
de todo o seu poder mental, ao desconectar-se da natureza e de sua simplicidade
inerente.
E Amarildo
Vasquez W. G. N. Vasconcelos reconheceu que todo o legado cultural da
civilização é desprezível e emasculador.
Nas raras
vezes que abandonava a sua reclusão, e dignava-se a olhar para um indivíduo da
sua espécie, Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos falava, e falava apenas o
que considerava dever falar, não se interessando se os seus interlocutores,
melhor, os seus ouvintes, estavam interessados no que ele lhes dizia; e os
comensais, no almoço, no jantar, eram obrigados a ouvi-lo, em silêncio. E
quando um deles esboçava um movimento a indicar-lhe o desejo de falar, ele o
silenciava com um gesto, o cenho franzido, o olhar fixo, a cabeça ligeiramente
inclinada para a frente, o que lhe emprestava um aspecto inquisitorial.
Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos não se dispunha a ouvir o que as pessoas
desejavam lhe dizer, as histórias que elas desejavam-lhe relatar, os casos que elas
desejavam-lhe narrar, as idéias a respeito dos mais diversos assuntos dos quais
elas desejam-lhe inteirar e com ele debater; pois, acreditava, o espírito
iluminado pela sabedoria universal e pela simplicidade da natureza, que lhe
inspiravam pensamentos profundos e iluminadores, que as idéias que lhe queriam
apresentar impedi-lo-iam de alcançar a tão almejada originalidade, e,
alcançando-a, escrever a sua obra-prima, a sua obra suprema, celestial, porque
sorvia da simplicidade da natureza, ainda não corroída pela civilização
tecnológica, decantada esta em prosa e verso pelos industriais, pelos
capitalistas ocidentais, pelos materialistas insensíveis. E a originalidade ele
a alcançaria se não tivesse contato com idéias estranhas ao seu espírito, à sua
alma, à sua condição primeva em contato com a natureza, condição que herdara
dos seus mais antigos ancestrais, que jornadeavam pela Terra antes do advento
da civilização, que desumanizou os humanos, deles eliminando o vínculo com a
natureza. As pessoas que o ouviam, ouviam-no atentamente, fascinadas,
embevecidas com tão excelsa sabedoria, com palavras de tão ardente vigor
sapiencial, pronunciadas com a veemência encantadora de um venerável profeta
antediluviano, e curvavam-se, reverentes, diante de tão extraordinária exibição
de inteligência superior. Não o contestavam. Silenciavam-se. E admiravam-lo,
alumbrados. Raros os que o criticaram. E estes os admiradores de Amarildo
Vasquez W. G. N. Vasconcelos repudiaram, e cortaram com eles as relações; excluíram-los
do círculo de amizade e camaradagem. Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos era
um gênio da literatura moderna, diziam dele os seus admiradores. As idéias dele
iam de boca em boca; disseminavam-las, e rapidamente, nos círculos
intelectuais, universitários, literários, em todos os quadrantes do Brasil. As
suas palestras, sempre repletas de ouvintes embevecidos. Nas universidades,
ouviam-lo, maravilhados. Nas academias, reverenciavam-lo, curvados, joelhos no
chão, a cabeça sobre o peito. Consagraram-lo o maior gênio das letras
nacionais. E não atentaram para um detalhe: De Amarildo Vasquez W. G. N.
Vasconcelos não havia nem um livro publicado, e ninguém jamais leu um texto de
sua autoria. E Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos, após haver lançado ao
fogo todos os seus textos, os quais escreveu, segundo ele, durante as décadas
em que se desencaminhou, influenciado por idéias equivocadas, que o
angustiavam, e ele vivia, macambúzio, nos recantos sombrios da sua biblioteca e
do seu espírito, em busca da arte literária que os livros não poderiam lhe
ensinar, nenhum outro texto escreveu. Pensava as suas idéias, com esforço
intelectual incomum, rara na história da espécie humana, e mentalmente as
reelaborava, diuturnamente, exaustivamente, e incansavelmente, e as escreveria
quando, e se, atingisse o ápice da expressão literária, perfeita, irretocável. Os
seus admiradores desejavam que tal dia não tardasse a chegar. Laurearam as
academias Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos com títulos de prestigio.
Durante as palestras, Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos era infatigável –
aludia à sua obra-prima, que daria à luz assim que atingisse a perfeição, fruto
da originalidade almejada, dizia, e traria luz à medíocre literatura brasileira
moderna, e, também, à literatura mundial, conquanto acreditasse que ela,
principalmente a européia e a norte-americana, fosse infensa à simplicidade, à
originalidade, corroída que estavam por técnicas narrativas modernas,
dessensibilizadoras, hostis à verdadeira arte literária, que nasce da natureza
humana em comunhão com a natureza, num vínculo imarcescível, diferindo,
portanto, da literatura brasileira, da literatura latino-americana, da
literatura africana, da literatura árabe e da literatura do sul da Ásia, as quais,
embora tenham absorvido alguns vícios da literatura moderna, conservam,
latentes, a beleza intrínseca do seu contato com a natureza. E arrancava Amarildo
Vasquez W. G. N. Vasconcelos ovações grandiloquentes e aplausos ensurdecedores
do público, que, em estado letárgico, ouvia-o, mesmerizado.
Amarildo
Vasquez W. G. N. Vasconcelos granjeou reputação de beletrista provido de
intelecto prodigioso.
Em vida, nada
publicou. Morto, os admiradores da sua obra inexistente difundiram o seu nome,
envolvendo-o com a aura de gênio original, universal.
Homenagearam-lo
as academias.
No túmulo de
Amarildo Vasquez W. G. N. Vasconcelos, o epitáfio: “Aqui jaz o autêntico gênio
da literatura brasileira, ignorado pelo público iletrado, admirado por homens
superiores que souberam reconhecer-lhe a excelência literária e apreciar-lhe a
obra, que, de tão original, ele nunca a escreveu, e ninguém a conheceu”.
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