sábado, 23 de março de 2024

Duas notas

 Sentimentos dos animais, humanos?! E os dos humanos, animalescos?!


Têm os animais sentimentos? Têm os animais inteligência? Que ninguém, sendo presunçoso, considerando-se o sabe-tudo, apresse-se a responder às duas perguntas. Que se pondere, antes de se dignar a pensar o que quer que seja, e responda: O que é sentimento? O que é inteligência? Depois de responder a tais perguntas, e sem que acerca delas abandone atrás de si quaisquer incertezas, diga quem se dedicou a respondê-las quais criaturas foram com sentimentos e inteligência agraciadas. Erro se concluir que ninguém dará às interrogações respostas definitvas?! Não sou, digo, um estudioso da Filosofia, mas suspeito que os grandes filósofos, desde há dois mil e quinhentos anos (considerando aqueles de cuja existência temos conhecimento) a debruçarem-se sobre tais questões, até hoje batem cabeça, não se entendem, esfalfam-se a se emularem, todos a se vangloriarem cada qual de sua sabedoria (inabarcável, entendem, pelo homem comum) - e disseminam uns dos outros maledicências.
Então, deixemos de lado os sábios e observemos os animais, e das observações concluamos que o que elas nos revelam é a realidade, mesmo, e principalmente, se o que nos revelam nos desagrada. Que os animais têm memória, é inegável; que têm sentimentos, também; que pensam, é provável.
- Mas... Mas... Mas... - comenta o leitor. - Senhor escritor, vós não definistes "sentimento" e "inteligência". Então, por que dissestes que têm os animas sentimentos e inteligência, se, tu deixas a entender, não sabeis o que "sentimento" e "inteligência" são?
- Quereis de mim franqueza, leitor? E sem frescura?! Não perderei meu tempo a elucubrar "sentimento" e "inteligência". Os sábios já se perderam num emaranhado inextrincável de definições, e não chegaram a um consenso a respeito nem de uma coisa, nem da outra. Então, ficamos entendidos: "sentimento" e "inteligência" são o que entendemos que são. Assim, entendeis que animais têm sentimentos e inteligência. Ora, vós já vistes animais, não?! Sabeis como eles se comportam, não?! Então, atenteis para o que vai diante de vossos olhos, e ignoreis os sábios, os novos e os antigos.
Penso eu, e se penso bem não sei, que se queremos pensar as coisas do nosso mundo, temos, antes de tudo, de observar o que está ao nosso redor, e se o que está ao nosso redor é um animal, que tenhamos o bom-senso de atentamente observar-lhe o comportamento e concluir que o que está-nos a nos mostrar é o que ele é, sem nos preocuparmos em consultar Fulano e Beltrano, que escreveram livros a respeito. Os livros, é claro, têm o valor deles, mas não sejamos tolos a ponto de acreditar que todo o teor deles está correto e que os homens que os escreveram disseram a verdade, e nada mais do que a verdade.
Conheço um cãozinho que sempre faz festa ao ver esta e aquela pessoa e se esconde ao ver aquel'outra. Por que ele assume tais posturas? Por que ele abana a cauda para certos humanos, e encolhe-se assim que chega ao seu focinho o fedor de outros? E uma história trágica: Meu avô tinha um cão, seu, de estimação, que muito bem lhe queria; meu avô faleceu, e o cão guardou-lhe luto; e não se alimentava; e entristecido - era-lhe a tristeza visível em seus olhos - definhou até morrer.
Que deixemos as idéias preconcebidas de lado, e observemos o mundo, e a partir da nossa observação aprendamos a conhecê-lo. Para tanto tenhamos a coragem de desconsiderar filosofias quaisquer, e ideologias, e políticas, e psicologias, e ciências, e religiões, se o que elas nos ensinam não traduzem as coisas do mundo, mas apenas reflete o que vai na cabeça, não raro desmiolada, de quem as pensa.
E para encerrar este papo-furado, ao leitor ofereço um motivo para entrar em parafuso: São humanos todos os sentimentos aos humanos exclusivamente associados? Ou são animalescos?
Não são os pensamentos aqui dados a público acerca do tema tratado os únicos que tenho a apresentar a respeito. Mas paro por aqui. Amanhã, ou em outro dia, se me der na telha a vontade de escrever mais a respeito, tornarei ao assunto, se o mundo não acabar hoje.
*
Os exibicionistas.

Creio eu que os humanos somos exibicionistas por natureza, e não é de hoje que tal eu penso; mas hoje em dia, mais do que em qualquer outra época, temos os humanos à disposição bugigangas e parafernálias tecnológicas que nos permitem alcançar um público infinitamente superior ao para o qual os mais exibicionistas dos nossos antepassados exibiam as suas belezas e as suas feiúras.
Cada um de nós tem para exibir o que cada um de nós tem para exibir, e nada menos, e nada mais, apesar de alguns de nós desejar exibir mais do que têm para exibir, e não é nada demais exibir-se, desde que cada qual faça uso de sua vontade e exiba o que entende merecer ganhar o grande público, ou o pequeno. Uns de nós, mais exibicionistas do que outros, não se contêm: exibem de si mesmos até, e principalmente, o que a discrição pede que se conserve oculto de olhos alheios, em especial dos de levianos, mexeriqueiros, fesceninos; outros, no entanto, esquivam-se de toda e qualquer armadilha exibicionista e recolhem-se cada qual ao seu canto, preservando de olhos indiscretos cada um a sua intimidade, o seu espaço.
Não há quem não conheça gente que não passa um minuto sem se expôr, em suas redes sociais, para seu público cativo. E, pior! há quem ache lindo, o máximo, revelar, em fotos e vídeos, para o universo, o das redes sociais, tudo o que faz, o que vê, o que toca desde o instante em que desperta de um longo sono até o em que se deita para pregar os olhos: ao acordar, estremunhado, espreguiçando-se, embrulhado em vestes sumárias; em poses exdrúxulas, supostamente sensuais, a mostrar a língua, ou a fazer biquinho; diante do espelho, a se pentear, em poses sugestivas; numa academia, a exibir os músculos; à mesa, num restaurante, diante de um prato recheado, a gesticular e a proferir sentenças mundialmente conhecidas, e, minutos depois, diante do mesmo prato, agora vazio, a enodoá-lo vestígios dos víveres consumidos, a falar do prazer da gula; e a remexer numa bolsa grávida de perfumarias e outros brinquedos, e na carteira afortunada; e... tudo, enfim.
Que há pessoas que trocam os pés pelas mãos ao usarem das tecnologias, há, ninguém há de negar, e não são poucas as que, usando-as mal, perturbam-se ao exibirem mais do que pede o bom-senso e atormentam espíritos alheios. Todavia, porém, no entanto, temos de, sem moralismo vazio, patético, sem julgarmos e condenarmos vícios alheios, e cientes de que todos somos sujeitos a cedermos ao chamado do exibicionismo mais explícito - e que atire a primeira pedra quem nunca sentiu o comichão de exibir-se estupidamente para oito bilhões de primatas superiores -, reconhecer um bem inestimável que os exibicionistas oferecem à espécie humana: farto material para os homens do futuro estudarem os hábitos, as veleidades, a cultura, enfim, dos homens que pela Terra perambularam no início do século XXI, e assim saberem o quão tolos somos, e concluírem, acredita-se, que eles compartilham conosco, do mesmo modo que nós com os nossos ancestrais das cavernas, dos mesmos vícios, das mesmas virtudes, das mesmas bestialidades, das mesmas nobrezas, da mesma humanidade - da mesma humanidade, sim, ora bolas! afinal serão os humanos do futuro humanos, mesmo que lhes alimentem a presunção de pertencerem à espécie superior à de hoje, da de hoje evoluída, do mesmo modo que muita gente de hoje se sente em relação aos homens das cavernas, porque imersos num mundo de quinquilharias que os seus antepassados jamais imaginaram um dia existir. E assim caminha a humanidade, desde sempre, para sempre. A natureza humana é, hoje, o que era ontem, e amanhã será o que é hoje. Humanos, sempre humanos. O mal, o infinito mal, está na idéia que muito mal faz aos humanos: a de que a espécie humana pode ser aperfeiçoada. Impossível. Não evoluimos os humanos um ponto desde que o primeiro homem pisou na Terra, e não evoluiremos que seja uma vírgula até o dia em que o último homem deixar a Terra. Um dia o que teve início encontrará um fim. E assim será. E os humanos seremos eternamente exibicionistas, para o bem e para o mal.

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