sábado, 25 de novembro de 2023

Piruás e Farelos


Piruás e Farelos - volume 17.

Bolsonaro e a baleia jubarte.

Depois de Jonas e a baleia, um épico bíblico, agora Bolsonaro e a baleia, um épico de ares bíblicos caricatos.

Não se pode negar a criatividade dos bípedes implumes, sempre às voltas com histórias do balacobaco.

As baleias estão presentes em histórias universais. Uma delas é a de Jonas, de todas a mais universalmente conhecida, que inspirou muitas metáforas, inúmeras alegorias; outra, a da famosíssima criatura de Herman Melville, Moby Dick, que Ahab caçava, por ela obcecado. E não nos esqueçamos da do Pinóquio. E há outras por aí e por aqui, muitas delas interessantes, todas, reunidas, a pedirem um estudo minucioso acerca dos seus símbolos culturais, religiosos, mitológicos, psicológicos, espirituais.

Deixemos tais histórias de lado, e nos concentremos na que ora envolve o presidente Jair Messias Bolsonaro.

Eu sei, saiba, leitor querido, amado e dedicado, e talvez tu também saibas, que estão a investigar um caso escabroso, do grotesco e do arabesco, de inspirar indignação em todo ser vivente, caso que envolve uma baleia, das da jubarte, e o presidente Jair Messias Bolsonaro, este a representar, para surpresa de ninguém, o vilão da história, que daria uma bela, extraordinária obra da sétima arte, um dos maiores clássicos cinematográficos de todos os tempos.

O caso é extraordinário, demasiadamente extraordinário: não sei há quantos dias, alguém - Quem?! Quem?! -, ao volante de uma possante moto-aquática, a executar manobras radicais nas ondas do litoral de alguma cidade brasileira - e cidade litorânea, vê -, aproximou-se, inadvertidamente, e perigosamente, semcerimoniosamente, assim, sem mais nem menos, sem dizer porque sim e porque não, de uma baleia jubarte, tirando-a do seu comportamento natural, o de uma baleia, que nadava tranquilamente, até que o insensato, irresponsável piloto da nave marítima inconsequentemente roubara-lhe a paz de espírito. A identidade do piloto da embarcação aquática, desconhecida; suspeita-se, no entanto, todavia, porém, entretanto, pois bem, que tenha ela a cara, o nariz e o focinho do presidente Jair Messias Bolsonaro. Nesta trama folhetinesca de ares rocambolescos, o presidente Jair Messias Bolsonaro tem a importância do mordomo nas histórias policiais: é, sempre, infalivelmente, o suspeito número um, e o culpado do crime que lhe atribuem mesmo que seja inocente.

Querem os investigadores respostas: Por que aproximou-se da jubarte o piloto do veículo aquático? Quis ele importuná-la? Cooptá-la a uma ação golpista? Assediá-la, para satisfazer seus desejos, dele, o piloto, lúbricos? Quais propósitos o moveram em direção à pacífica baleia? Quais?!

Incapazes de resolverem a questão a contento, os investigadores entenderam que apenas com o testemunho da baleia jubarte poderão colher, e reunir, informações que projetarão luz sobre o caso. Para empreenderem tal façanha, pois é o caso, de fato, uma façanha, e das épicas, acharam por bem divulgar o retrato falado da baleia jubarte que o piloto da moto-aquática desrespeitou, ofendeu, agrediu, seviciou ao assediá-la, requestá-la, tão inadvertidamente, tão luxuriosamente, tão desrespeitosamente: tem a baleia olhos de baleia, boca de baleia, orelhas de baleia, barriga de baleia, pescoço de baleia, nariz de baleia, escamas de baleia, cauda de baleia, guelras de baleia, dedos de baleia, mãos de baleia, pés de baleia, testa de baleia, enfim, corpo de baleia, pois é a baleia uma baleia.

Com a divulgação do retrato falado da baleia, esperam os investigadores, esperançosos, que alguém, reconhecendo-a, e conhecendo-lhe o paradeiro, dê-lhes informações imprescindíveis à ação que redundará numa acareação entre ela e o piloto da nave marítima. Querem os investigadores a solução do caso o mais rápido possível. Se demorarem para resolvê-lo talvez não consigam evitar que com as baleias jubarte se dê o mesmo destino das girafas da Amazônia: a extinção.

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Meu QI: 200.

Dizem que o mais inteligente dos homens tem QI 200.

Informo-te, querido leitor: o meu QI também é 200, mas eu só uso 60 porque ainda não entendi o que tenho de fazer para usar os outros 140.

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Uma prova de Língua Portuguesa. E uma teoria: a origem da língua portuguesa falada no Brasil.

Dia destes uma jovem - ou seria adolescente, ou pré-jovem?! - mostrou-me uma prova de Língua Portuguesa. Está a cursar a jovem a sétima séria. E é a prova deste ano; portanto, para que não haja maus entendidos, é prova de Língua Portuguesa que se ensina na sétima séria - e sendo da sétima séria revela o que nas salas-de-aulas se ensina, se em todas as escolas, se unicamente naquela que a jovem persongem desta aventura frequenta, não sei; mas, todavia, vejamos bem, em se tratando do Brasil... Eu estava para escrever "naquela em que a jovem estuda", e corrigi-me a tempo.

Com a leitura das próximas palavras, poucas, deste piruá, tu, leitor, entenderás esta minha reveladora observação.

Declarei que é a prova de Língua Portuguesa. Penitencio-me, leitor. Tenho de contigo ser sincero, absolutamente sincero, pois sei que tu confias em mim, daí tu dedicar-te à leitura de meu texto: é a tal prova de qualquer coisa; de Língua Portuguesa não tem que seja um pingo, tampouco uma casca. E por que cheguei à conclusão tão ostensivamente negativa?! Ora, espera-se que uma prova de Língua Portuguesa tenha questões relacionadas à Língua Portuguesa, à Gramática Normativa da Língua Portuguesa, à Literatura escrita em Língua Portuguesa, do Brasil e de outros planetas. O que tem, então, a prova - e da sétima série - que a jovem e bela princesa - posso chamar uma jovem de princesa, ou tão carinhoso epíteto é desprezivelmente medievalesco e está a revelar a masculinidade tóxica que me preenche o espírito de macho da espécie humana?! - apresentou-me? Direi, no próximo parágrafo, que, acredito, não será deste piruá o último.

Tem de tudo a prova; de Língua Portuguesa, nadica de nada. Em uma das questões, uma ilustração na qual se vê mesa sobre a qual está uma toalha e sobre esta um prato vazio, e um garoto famélico, negro, debruçado sobre a mesa, a fitar, entristecido, o prato. A mesa, a toalha e o prato a representarem a Bandeira do Brasil: mesa, retângulo; toalha, losango; prato, círculo. A ilustração, em preto e branco. Ninguém precisa ser um bidu para entender a referência. Até o Steve Rogers, que é meio devagar das idéias, a entenderia. E o que a questão pedia aos alunos? Um comentário acerca do que a ilustração representava. Em outra questão, uma ilustração com dezenas de tocos de árvores enraizadas numa floresta. O tema desta questão: o desmatamento. Em outra questão pede-se um comentário acerca de... Paro por aqui. É tanta asneira que não me estenderei a descrever, nem com um resumo bem resumidamente resumido, todas as questões propostas.

Entendi, e tu, leitor, já entendeste, que em tal prova de Língua Portuguesa há discurso político ideológico, seja isso o que for, ou coisa que o valha, e da pior espécie.

Nas aulas de Língua Portuguesa mandaram a última flor do Lácio à cucuia.

E quanto à origem da Língua Portuguesa falada no Brasil?! Querido leitor, há uma teoria, cujo berço desconheço, que conta a origem da Língua Portuguesa: ao contrário de sua mãe, a respeitável anciã lusitana, a Língua Portuguesa Brasileira, esbelta, bela, formosa, uma sílfide, nasceu do senhor Latim, respeitável e venerável ancião, e a trouxeram para o Brasil com um único fim, catequizar os índios, daí ser ela melhor do que a senhora sua mãe. Não sei de onde tiraram tal idéia, mas tem ela a sua graça, convenhamos.

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Inimigos dos cristãos querem determinar a conduta dos cristãos.

É este comentário um farelo esfarelado: um dos ensinamentos de Cristo consiste em o cristão, se agredido em uma face, oferecer ao agressor a outra face. Lição sapiencial, que, penso, quer dizer que cabe ao cristão, agredido, sem a animar-lhe o espírito furor vingativo, revidar à agressão, para defender-se, proteger-se de segunda agressão, ou, melhor, dissuadir o agressor de agredi-lo segunda vez, e nada mais. Mas inimigos dos cristãos assim entendem, malandramente, maliciosamente, tal ensinamento cristão: cabe aos cristãos, se autênticos cristãos, agredidos, curvarem-se, amedrontados, acovardados, diante dos agressores: agredidos, que abaixem a cabeça, deixem-se agredir vezes sem conta, e que depois reclamem para o bispo. Se reajem à agressão não são verdadeiros cristãos, afirmam os inimigos de Cristo. Tal chantagem surte efeito, infelizmente, em muitos cristãos. Querem os maléficos e diabólicos agressores dos cristãos, não me resta dúvida, vida fácil.

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Um erro, uma boa idéia.

Nem sempre um erro de digitação me dá dores de cabeça, me põe em maus lençóis, me tira do sério, me põe em parafuso. Às vezes acontece de me dar o erro uma boa idéia. Há poucos minutos digitei, assim pensei, "acovardado", e ao ler o que digitei, vi, digitado, "acorvadado", e logo pensei no que segue: há, em um certo país do orbe terrestre - dentre todos os orbes existentes e inexistentes o único terrestre, diria o meu amigo José Carlos da Silva Quinha -, seres supremos, que, acorvadados, aterrorizam todo um povo. Ficou legal! Edgar Allan Poe que o diga! E que o diga também Machado de Assis!

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Brasil pega fogo.

Quer dizer, então, que o que sabíamos há décadas, e o que sabíamos diziam-nos os sábios que era teoria da conspiração, idéia saída da cabeça de bolsonaristas fanáticos, desmiolados e idólatras, é real, é fato, procede, é verdade, e nada mais do que a verdade, e nada demais em terras de Simão Bacamarte, Jeca Tatu e Macunaíma?! Ministros do ésseteéfe e parlamentares das duas casas legislativas, aqueles e estes patriotas e amantes da Liberdade e da Democracia, todos a lutarem pelo bem do povo brasileiro, que tanto amam, e bravos, muito bravos, protetores da Constituição Cidadã - Ave, Ulisses! -, estão em pé de guerra por causa de uma questiúncula qualquer, atritam-se porque estão a puxar estes o tapete daqueles e aqueles o tapete destes, e o governo molusquiano entra na briga, sem ser convidado, como quem não quer nada, e dando uma de joão-sem-braço, pondo a perder uma proveitosa aliança com os togados, e que toda a história das maracutaias urdidas no escurinho do cinema veio à tona, pondo a descoberto o que a descoberto já estava - e os personagens envolvidos em tão sórdida trama são tais quais ratos escondidos com o rabo de fora -, por uma nobre e elegante jornalista de uma emissora de televisão platinada, escancarando, diante dos olhos de todos os descendentes de Catarina Paraguaçu e Caramuru, o que diante de todos já estava de há muito escancarado, e o que estava escancarado só não viu quem não quis?! Muita água ainda há de passar pelo rio, que, transbordando, engolfará, profetiza-se, um sem número de heróicos e aguerridos heróis brasileiros.

Parece, até, eu ousaria dizer, que o amor entre os patriotas ora em conflito desfez-se, assim, no ar, como se nunca tivesse existido. Que coisa, não?! Era tanto o amor entre eles! Estamos a assistir à novela, infindável novela política brasileira, cujos protagonistas habitam um reino - encantado, não sei se é certo assim dizer - localizado além do alcance das pernas do comum dos homens - e engana-se quem pensa que o que eles decidem em tal universo em nada influencia a vida do homem comum. Merece atenção de todos a novela. Os mais perspicazes dos homens não estão a se surpreenderem com os episódios, que se sucedem, e simultaneamente, da trama ao mesmo tempo sutil e grosseira, pois a anteviram há meses. Mas os mais aparlemados embasbacam-se, atoleimados, caídos seus queixos, escancaradas suas bocas, esgazeados seus olhos, diante de cenário político tão horrendo, tão explicitamente desavergonhado. E é o caso todo por um punhado de gente tratado como se fosse uma coisinha qualquer, insignificante. Em se tratando do Brasil, é, de fato é, para nenhuma surpresa de quem tem dois olhos que olham. E mais não digo porque neca de pitibiriba, nadica de nada, nem um pingo estou entendendo do que se passa diante de meu nariz - e não me atrevo a projetar num futuro próximo o desenlace de tal imbróglio. Limito-me a fazer o que toda e qualquer pessoa sensata está a fazer: torcer pela briga entre os acorvadados ministros, os parlamentares e os governistas - no fim, a vida dos brasileiros talvez até piore, mas é regozijante ver, à exposição pública da imunda política nacional, os sabidinhos e os sabidões, outrora encantados com as belas jaculatórias das entidades celestiais em prol da Democracia, do Estado Democrático de Direito, da Liberdade, agora a fingirem-se de cegos, surdos e mudos. É lindo de se ver.

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Bolsonaro e a baleia jubarte: uma cogitação extemporânea.

Estou, aqui, neste dia abafadiço, no aconchego do meu lar, doce lar, à escrivaninha, ventos frescos a deslizarem-me pelo desgracioso talhe, pensando pensamentos que remetem ao episódio aventuresco e façanhudo e desafortunado que o presidente Jair Messias Bolsonaro não sei há quantos dias protagonizou numa não sei qual praia de uma cidade litorânea deste país belo por natureza e de terras que dá tudo o que nela se planta. Estava o dito presidente, um capitão, a pilotar um veículo aquático, tranquilamente, e despreocupadamente, até que lhe apareceu ao horizonte uma criatura aparentada com o Moby Dick, e ele, então, um supremacista branco dotado de masculinidade tóxica, não se contendo em sua libido, abordou-a, requestou-a, importunou-a, molestou-a, constrangeu-a, obrigando-a a abandonar as suas atividades corriqueiras e, para escapulir ao assédio que ele insistia em lhe promover, rumar para outros mares numa antes navegados. Foi este o conto que o passarinho que me conta contos me contou, passarinho que, eu não ignoro, tem o mal hábito, e é-lhe tal hábito inocente, de acrescentar um ponto a todo conto que me conta.

E ao evocar tal história, pergunto para os meus botões: O que será da vida do presidente Jair Messias Bolsonaro no dia em que descobrirem que ele aproximou-se ameaçadoramente, e inconsequentemente, e imoderadamente, e irresponsavelmente, e perigosamente, de um pato, e de um sapo, e de um cachorro, e de um gato, e de um pombo, e de um pardal, e de um bem-te-vi, e de um mosquito, e de uma abelha, e de uma formiga?! Não quero nem pensar o que será da vida dele. E na pele dele não quererei estar. E eu só tenho uma certeza: a vida dele será um inferno.

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