terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Duas estórias infantis

 O Desaparecimento do Contador de Estórias


- O Belisário sumiu! - gritou Joaquim Espalha-Brasa, o menino mais peralta da cidade, o mais peralta e o mais mentiroso. Ninguém acreditou nele, mas desta vez ele dizia a verdade. Belisário, o contador de estórias, havia desaparecido.

Todos os dias, às cinco horas da tarde, Belisário ia à Praça Central, onde crianças, jovens, adultos e velhos o ouviam contar estórias maravilhosas que apenas ele sabia contar. Mas neste dia ele não tinha, às cinco horas da tarde, ido à Praça Central. O que lhe havia acontecido?

- O Belisário nunca se atrasou - comentou um morador, que nunca deixava de ouvir Belisário contar estórias magníficas.

Ninguém soube explicar o sumiço de Belisário. Todos voltaram a atenção para a maior autoridade da cidade: o prefeito Raimundo, que se viu em apuros, pois não soube explicar o atraso de Belisário.

- Que raio de prefeito você é, Raimundo? - reclamou Godofredo, o farmacêutico, o homem mais ranzinza da cidade.

- Não falte com o respeito, doutor - retrucou Raimundo, o prefeito, contrariado e irritado. - Não me venha com desaforos. Sou o prefeito. Não sei de tudo, ora bolas! Se querem saber o que aconteceu com o Belisário, perguntem ao Leonardo, do jornal. Ele está sempre por dentro das notícias.

E todos foram ter com Leonardo, o jornalista.

Leonardo não soube dizer porque Belisário não havia ido à Praça Central.

- Desta vez, o Joaquim Espalha-Brasa disse a verdade - disse um morador. - Milagre. Hoje São Pedro nos mandará uma tempestade daquelas.

Passaram-se as horas. O relógio marcou oito horas da noite. As pessoas, desanimadas e entristecidas, até então aglomeradas na Praça Central, foram embora, cabisbaixas. Iriam dormir sem ouvir nenhuma estória de Belisário, o contador de estórias.

Ninguém dormiu naquela noite. Ninguém. Todos passaram a noite em claro, se perguntando porque Belisário, o contador de estórias, não tinha ido à Praça Central.

Na manhã seguinte, o desaparecimento de Belisário foi o assunto de todas as conversas. Ninguém quis saber de futebol, nem de novelas, tampouco de desenhos animados; ninguém quis saber de outro assunto que não fosse o desaparecimento de Belisário, o contador de estórias.

Os moradores da cidade iam à Praça Central, todos os dias, às cinco horas da tarde. E Belisário não aparecia.

Passaram-se os dias. E Belisário não aparecia. O que havia acontecido com Belisário? O prefeito conversou com o delegado, que mandou os policiais procurarem por Belisário. Não o encontraram. E entristeciam-se todos os moradores, que iam, todos os dias, às cinco da tarde, à Praça Central, para ouvir Belisário contar-lhes fascinantes estórias, mas na praça ele não aparecia. Enfim, cansados, não foram mais à praça.

O que havia acontecido com Belisário, o contador de estórias? Ninguém sabia.

Sem as estórias que Belisário contava, entristeceram-se os moradores da cidade. As crianças, os jovens, os adultos e os velhos não conseguiam mais sonhar. À noite, todos dormiam, e ninguém sonhava. Perderam a vontade de trabalhar, e a de estudar. Até o apetite perderam. Todos viviam tristes porque não ouviam mais nenhuma estória encantada que apenas Belisário, o contador estórias, sabia contar.

Onde estava Belisário, o contador de estórias? Todos queriam saber.

Passaram-se os dias.

Passaram-se os meses.

- O Belisário voltou! O Belisário voltou! - gritou Joaquim Espalha-Brasa, animado, entusiasmado; ele pedalava a bicicleta velha, que ele chamava de Bike Magrela, com toda a força de seus pés. - O Belisário voltou!

- Joaquim, o Belisário voltou? - perguntou Godofredo, o farmacêutico, o homem mais ranzinza da cidade, sorrindo.

- O Belisário voltou! - berrou Joaquim. - O Belisário voltou, cambada! Vamos à praça!

E todos os moradores da cidade foram à Praça Central. Lá, sorridente, Belisário, o contador de estórias, contaria estórias fantásticas, que tinham heróis, dragões, frutos mágicos, cobras de gelo, passarinhos de quatro asas, mulheres de corpo de leoa, flechas enfeitiçadas, coroas de diamantes, castelos assombrados, gigantes, mulheres de cabelo de ouro, rios com peixes que falavam, árvores que voavam, crianças invisíveis.

Acercaram-se de Belisário, o contador de estórias, Raimundo, o prefeito; Godofredo, o farmacêutico; Leonardo, o jornalista, Joaquim Espalha-Brasa, o menino mais peralta, mais peralta e mais mentiroso da cidade; e todos os outros moradores da cidade. Ninguém perguntou-lhe por onde ele tinha andado durante todos aqueles meses. Todos queriam ouvir-lhe as estórias. E Belisário contou-lhes estórias maravilhosas.

Naquela noite, todos sonharam lindos sonhos.

No dia seguinte, às cinco horas da tarde, a Praça Central estava cheia de gente que foram ouvir Belisário, o contador de estórias, contar as mais belas estórias do mundo.

E a felicidade voltou à cidade. E os seus moradores trabalhavam e estudavam com mais vontade. E sonhavam belos sonhos, afinal Belisário, o contador de estórias, contava-lhes estórias belíssimas, fantásticas, as mais fascinantes estórias do mundo.


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O Homem que Inventava

Poucas pessoas compreendiam as idéias de outro mundo de Charles Albert Newton.
A história começou com Gustavo da Silva, um homem simples e sábio. Ainda criança, ele aprendeu a ler e a escrever. Leu muitos livros. Os livros que contavam a vida dos maiores cientistas do mundo eram os que ele mais gostava de ler. Cresceu. Comprou uma casa. E dentro dela construiu uma biblioteca com um acervo de mais de mil livros, em sua maioria de histórias da vida e das idéias dos mais importantes cientistas de todos os tempos. Casou-se com Rebeca. Para o seu primeiro filho, Gustavo escolheu o nome Charles Albert Newton. E por que Gustavo batizou de Charles Albert Newton? Por que não o chamou ou de José, ou de Paulo, ou de Pedro, ou de João? Porque ao batizá-lo com o nome de Charles Albert Newton, homenageou os três cientistas que mais admirava: Charles Darwin, Albert Einstein e Isaac Newton. Agora que todos já sabem porque Charles Albert Newton chamava-se Charles Albert Newton, podemos continuar a nossa história.
Charles Albert Newton era o orgulho de Gustavo e Rebeca. Crescia, vigoroso - jogava futebol e praticava natação - e muito inteligente. Lia bons livros. Antes dos vinte anos, já fazia experiências e inventava máquinas que melhoravam a vida das pessoas. Era a pessoa mais famosa da cidade em que morava. Todas as pessoas o admiravam e o achavam um pouco estranho - mas não o achavam muito estranho, pois ele gostava de dançar, assistir a jogos de futebol, e de carnaval. Mas quando ele punha-se a falar de suas idéias, de como funcionavam as suas invenções, as pessoas ficavam com cara de bobas - ninguém entendia o que ele dizia. Charles Albert Newton não era um cientista maluco - ele era muito esperto e sabia o que queria: queria que todas as pessoas vivessem bem; que ninguém passasse nem fome, nem sede; queria que todas as pessoas tivessem boas casas e boas roupas; e boa comida todos os dias, para que tivessem saúde de aço.
Era um homem dedicado às ciências, às invenções; às pessoas, que o chamavam de O Homem Que Inventava. E ele apareceu até em capa de revista! E ficou famoso! E com as suas invenções ajudava as pessoas.
Um dia, ele se recolheu à sua casa, e nada mais inventou. As pessoas estranharam.
- Por que o Charles não inventa mais coisas interessantes? - perguntou um morador da cidade.
- Levei para o Albert uma defeituosa máquina - disse outro morador -, e ele não soube consertá-la.
- Pedi ao Newton uma solução para o problema das enchentes que têm nos maltratado. Sabem o que ele me disse? Que não tem idéia para resolver o problema - disse o prefeito, entristecido e preocupado.
- Esgotaram-se as idéias do Charles? - perguntou uma senhora respeitável.
- Para mim, o Albert perdeu um parafuso - comentou, rindo, um homem brincalhão.
- Não diga bobagens - disse um homem que não gostava de brincadeiras bobas. O Newton só está precisando de alguns dias de descanso.
Sem as brilhantes invenções e as idéias amalucadas de Charles Albert Newton, empobrecia-se a cidade.
Passaram-se os dias.
Charles Albert Newton não inventou nenhuma extraordinária máquina e não pensou nenhuma idéia meio doida que ninguém entendia muito bem, mas que todo mundo adorava.
E passaram-se outros dias. E outros dias. E outros dias. E outros dias. E Charles Albert Newton não apresentou nenhuma boa idéia e nenhuma invenção brilhante.
Um dia, caminhando, a cabeça abaixada, Charles Albert Newton viu uma linda menina chorando, foi até ela, e perguntou-lhe:
- O que aconteceu, menina?
- A minha boneca... naquele buraco - disse a menina, aos soluços, gaguejando. Charles Albert Newton foi até o buraco, que era fundo.
E a menina chorava.
- Qual é seu nome? - perguntou-lhe Charles Albert Newton.
- Lúcia - respondeu a menina.
- Lúcia, vou pegar a sua boneca, está bem? - prometeu Charles Albert Newton, que logo pensou num meio de tirar a boneca de dentro do buraco, que era fundo. Olhou ao redor, e encontrou a solução.
Um homem passeava; trazia consigo um guarda-chuva. Charles Albert Newton pediu-lhe o guarda-chuva emprestado, e ele, gentil, lho emprestou. E quebrou Charles Albert Newton, de uma árvore, dois galhos compridos, e pediu para a Lúcia, que o observava sem entender o que ele fazia, as maria-chiquinhas com as quais ela prendia os cabelos; ela lhas deu. E Charles Albert Newton prendeu, com uma das duas maria-chiquinhas, uma das pontas de um galho à uma das pontas do outro galho, e, com a outra maria-chiquinha, a outra ponta deste galho à ponta do guarda-chuva. E segurando o galho que não estava preso, com uma das maria-chiquinhas, ao guarda-chuva, desceu o guarda-chuva até o fundo do buraco. Com todo o cuidado do mundo, enganchou, na alça do vestido da boneca, o cabo curvo do guarda-chuva. E puxou o galho; junto com o galho veio o outro galho e uma maria-chiquinha, e, pouco depois, a outra maria-chiquinha e o guarda-chuva, e, no cabo curvo do guarda-chuva, a boneca da Lúcia.
Lúcia deu muitos pulos de alegria, e abraçou e beijou a boneca. E abraçou e beijou o gentil homem que emprestara o guarda-chuva para Charles Albert Newton. E abraçou e beijou Charles Albert Newton.
- Charles Albert Newton, você é o meu herói - disse Lúcia, imensamente feliz.
Charles Albert Newton restituiu o guarda-chuva ao gentil homem que lho emprestara e correu para a sua casa, a cabeça cheia de idéias maravilhosas e invenções de outro mundo.

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