O político
brasileiro Fulano da Silva, certo dia, com a consciência pesada, e uma pulga
atrás da orelha direita a incomodá-lo incessantemente, ativadas as engrenagens
de seu cérebro ladino, vislumbrou, no horizonte político nacional,
aproximando-se de si nuvens sombrias, e decidiu ir ao confessionário, na Igreja
Nossa Senhora de Fátima. Lá, confessou:
- Santo padre,
eu, um político brasileiro, cometi muitos pecados. Eu não precisava dizer que
pecados cometi, sei, afinal sou um político, e brasileiro, e, sendo brasileiro,
e político, cometi pecados que nem o capeta seria capaz de cometer. Exagero?
Não, santo padre. Não exagero, não - pigarreou, e prosseguiu: - Não quero,
santo padre, ocupar muito do seu tempo de homem santo, dedicado a Deus e ao
estudo do livro sagrado, sagrado, digo, não para mim, que não o leio, mas para
aqueles que o consideram sagrado, isto é, os fiéis que, como você, santo padre,
crêem em Deus. Não querendo, portanto, ocupar o seu tempo, que é precioso, vou
direto ao assunto que me trouxe aqui: Quero confessar os meus pecados. Deus dê
a você, santo padre, muita paciência para me ouvir, pois não são poucos os meus
pecados, e não sei se poderei recordar-me de todos eles. Aliás, santo padre,
não confessarei todos os meus pecados, que são inumeráveis, e, portanto, não
posso relatá-los todos, tampouco posso de todos lembrar-me de tantos que são.
Então, darei a você, santo padre, uma idéia geral da minha conduta em política,
de qual é o meu papel no esquema de poder na política nacional. Eu nunca
roubei, é verdade. Não minto, afinal, estou me confessando, e não tenho
motivos, ao vir ao confessionário, para mentir, e não confessar os meus
pecados. Não roubei nem um tostão. E se digo que não roubei nem um tostão é
porque nenhum tostão roubei. E é verdade, santo padre. Acredite em mim. Nem
para mim roubei, nem para o partido, nem para familiares, tampouco para os
parentes, que, como diz a sabedoria popular, são serpentes. Não havendo
roubado, portanto, nem um mísero centavo, eu, então, você, santo padre, pode
pensar, não teria razões para vir à esta santa casa confessar-me. E é aqui que
você se engana, santo padre, pois eu participei do esquema que propicia a
corrupção, e não apenas a corrupção, mas, também, a devassidão moral, a
corrosão de valores, a destruição dos alicerces da nossa civilização, e,
principalmente, as políticas que poderão vir a produzir a aniquilação da
religião cristã. Sou maquiavélico, como todos os políticos brasileiros, e todos
os políticos do mundo. Todas as minhas decisões visaram o fortalecimento do meu
poder, e o enfraquecimento do poder dos meus adversários, e, por conseqüência,
o aumento do poder do meu partido, e o enfraquecimento do dos partidos
adversários, e não raras vezes prejudiquei integrantes do meu próprio partido
ao puxar-lhes o tapete, com artimanhas sórdidas, em atos de deslealdade piores
que os promovidos pelo diabo. Perdoe-me, santo padre, por falar no nome do
canhoto. E saiba, santo padre: a alma dos políticos brasileiros é mais suja que
o cu do capeta. Perdoe-me, uma vez mais, santo padre. Prometo, santo padre: não
irei mais falar nenhum palavrão. Uso, e não raras vezes, vocabulário impróprio,
ofensivo, e chão, e obsceno. Perdoe-me. Quero, agora, santo padre, dizer que eu
minto, e minto pra caralho. Perdoe-me, uma vez mais, santo padre. Prometo,
santo padre: Não irei mais falar nenhum palavrão. Estou um pouco nervoso, pois
nunca me confessei, e, como eu sei que você irá dar-me uma penitência muito
severa, desde já atormento-me, e acabo, mesmo não o desejando, e contra a minha
vontade, por usar um palavreado inapropriado ao tratar com um santo padre. Como
eu dizia, santo padre, participei de esquemas de poder, que elevaram, enormemente,
o meu poder e o do meu partido, e, para ser franco, e tenho de ser franco, o de
toda a classe política brasileira, afinal, digo a verdade, pois não tenho
razões para mentir, aqui, na ausência de testemunhas, e ciente de que você nada
poderá contar do que eu relatar para ninguém, e as minhas decisões, prossigo,
favoreceram todos os políticos brasileiros, de todos os partidos políticos
brasileiros, porque todos defendemos o mesmo ideal, e temos os mesmos
interesses, e não interesses distintos como o povo, estúpido, é induzido a
acreditar pelas propagandas oficiais, pela mídia chapa branca, pelos
intelectuais de meia-tigela, e pelos intelectuais orgânicos, isto é, os
artistas, ignorantes todos eles, que, como papagaios, repetem todas as asneiras
que ouvem dos políticos, pois são imbecis, idiotas úteis, e têm a carreira
financiada com dinheiro público, dinheiro que, sendo público, é administrado
pelo governo, que decide o que fazer com ele, sem prestar contas, nem para o
povo, bestalhão e ignorante como ele só, e tampouco para Deus. Urdimos as
artimanhas, nos bastidores, e o povo toma conhecimento daquilo que desejamos
que ele conheça, e dele sonegamos o que pode vir a nos prejudicar a nós
políticos. Eu, e falo, agora, de mim, e não de toda a classe política, que,
como classe, é unida, e unida jamais será vencida, eu, como eu dizia, nunca
tomei, como eu já disse, e repito, para destacar a idéia, eu nunca tomei, dizia
eu, uma decisão que não me beneficiasse, e que não beneficiasse o meu partido e
toda a classe política, sendo uma delas a criação de programas sociais
subsidiados com dinheiro público. E onde está o pecado, santo padre? Você
talvez esteja se perguntando, e desejando perguntar-me, isso, e eu antecipo-me
à pergunta, e respondo: Primeiro, criei dificuldades para o povo ao elevar a
carga tributária, e criar regulamentos absurdos, que prejudicam o povo,
reduzindo-lhe o poder aquisitivo, e ampliar a burocracia estatal, e aumentar os
gastos públicos, e, consequentemente, a dívida pública, desperdiçando uma boa
soma de dinheiro público com pagamento de juros. Depois, criei programas
sociais, de entrega de casas populares, todas financiadas com dinheiro que
extorqui ao povo, isto é, impostos, e construídas, com materiais de qualidade
duvidosa, por empresas que venceram licitações de cartas marcadas; e programas
de refeições grátis para pessoas de baixa renda, e preciso dizer, santo padre,
que o processo de licitação elaborado para este programa também tinha as cartas
marcadas? Ora, as exigências que o meu governo fez aos interessados favoreciam
tais e tais empresas, empresas que me apoiaram, e que, ganhando a licitação,
têm uma boa reserva de mercado e considerável vantagem competitiva em relação
aos seus competidores, pois, para fornecer os alimentos e todos os utensílios
com os quais o governo mantêm o programa, compra em grande quantidade tudo do
que precisa, assim conseguindo, na negociação com os seus fornecedores, um
abatimento no preço. Além disso, o fato de os seus fornecedores saberem que
elas têm contrato com o governo já os induz a facilitarem-lhe na negociação. E
nem falo, santo padre, dos programas sociais de passagens de ônibus, gratuitas,
para as pessoas com idade superior a sessenta e cinco anos, em viagens urbanas
e interurbanas. Os proprietários das empresas de ônibus estão comendo, nas
minhas mãos, afinal, eu, que sou quem assina os contratos e os cheques,
subsidio cada passagem, ou suposta passagem, que eles concedem, gratuitamente,
aos passageiros sexagenários, septuagenários, octogenários, nonagenários. E o
povo, que burro! Dá zero pra ele! Puta-que-pariu! Que gente trouxa! Perdoe-me,
uma vez mais, santo padre. Prometo, santo padre: não irei mais falar nenhum
palavrão. O meu vocabulário é inadequado, eu sei, mas, sabe como é, santo
padre, não havendo câmeras de emissoras de televisão e microfones nas
imediações, filmando-me, e gravando o que falo, não tomo certos cuidados com o
meu linguajar. E saiba, santo padre: toda a minha política, em defesa de
interesses meus, dos de meu partido, e dos de organizações globais, produz
confusão dos infernos, com o propósito de enlouquecer o povo, que, coitado, é
muito burro, e nada entende do que está acontecendo, e ainda agradece-me pelas
migalhas que lhe jogo, no chão, e ele, que idiota!, agradece-me, e diz que sou
um homem muito bom. Vá ser burro assim na puta que o pariu. Perdoe-me, santo
padre. Prometo que não irei mais falar nenhum palavrão. E reitero a minha
promessa. E, dizia eu, santo padre, criei normas, que, de tão absurdas,
anulam-se, e com elas enlouqueço o povo, que não sabe o que fazer, pois, se
respeita uma norma, desrespeita outra. E, depois, ofereço-lhe orientações, em
instituições públicas, para cuja manutenção tenho de cobrar impostos, pois são
onerosas, e o povo ainda agradece-me pelos serviços que ele recebeu, serviços
de que não precisaria se eu não tivesse criado as normas que o atormentam. É
uma obra de gênio maléfico, a minha. Eu sou foda pra cacete! Perdoe-me, santo
padre. Prometo, santo padre: não vou falar mais nenhum palavrão. Prometo. E
promessa é dívida. Como eu dizia, santo padre, criei muitas normas, que se
anulam umas às outras, para enlouquecer o povo, e fazer de todos os cidadãos
transgressores, bandidos. Criei tantas dificuldades, que, para se ver livre
delas, o povo tem de subornar fiscais, pagar propinas, sonegar impostos, e,
assim, todos os cidadãos ficam com a consciência pesada, bem pesada. É uma obra
do canhoto, a minha. A minha inspiração vem, direto do inferno, pra arrebentar
o cu do povão idiota! Perdoe-me, santo padre, uma vez mais. Prometo: não irei
falar mais nenhum palavrão. E se eu vier a falar outro palavrão, santo padre,
que Deus mande a alma da minha mãe para o inferno. Puta-que-pariu! Eu arregaço
o cu do povo brasileiro, que é cuzão pra caralho, e ele vive a pedir-me
esmolas, e a agradecer-me os benefícios, benefícios entre aspas, que eu lhe
faço com o dinheiro dos impostos que ele pagou, isto é, com o dinheiro dele
mesmo. Perdoe-me, santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Eu
não quero falar palavrões, santo padre, mas toda vez que lembro que engano o
povo, que é burro e ignorante, deste país, não me aguento, e solto um palavrão.
Emburreci o povo, nas escolas, que não existem, não neste país de merda, para
educar o povo, mas, sim, para emburrecê-lo, e, emburrecido, e por mim, o povo,
babaca pra cacete, ainda me pede mais investimento nas escolas. Perdoe-me,
santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Mas, se o povo é
burro o que posso fazer!? Certo. Certo. Fui eu que o emburreci, mas ele não
sabe. Não sabe, o povo idiota, que nasceu burro, e burro será para sempre, e
vive a pedir-me mais recursos para investimento, nas escolas, que as escolas
estão a emburrecê-lo. Pode!? Vá ser burro assim, na casa do caralho! Perdoe-me,
santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Pois bem, santo
padre, dei um apanhado geral dos meus pecados. Não entrei nos detalhes porque,
se eu o fizesse, ficaria aqui, a confessar-me com você, até as calendas gregas.
Então, certo de que você entendeu-me, e certo, também, de que você não é burro
como este povinho filho-da-puta, você medirá os meus pecados, e dar-me-á a
penitência justa. E perdoe-me, santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum
palavrão. Calo-me, à espera da penitência.
E tão logo Fulano
da Silva se calou, o padre deu-lhe a penitência. Fulano da Silva retrucou, e
retirou-se da igreja, resmungando:
- Que padre
idiota! Se eu soubesse que ele me mandaria rezar dez mil Ave-Maria e dez mil
Pai-Nosso, eu teria falado mais palavrões, só pra deixá-lo bem irritado. Que vá
se foder aquele.padreco de merda, aquele carola desgraçado! Que a alma dele
queime no inferno. E que ele fique com o cu chamuscado!
No dia
seguinte, Fulano da Silva reuniu toda a sua equipe, e apresentou o seu novo
projeto: Uma licitação para escolher uma empresa, cujos funcionários teriam de
rezar dez mil Ave-Maria e dez mil Pai-Nosso. Diante da estranheza que as suas
palavras inspiraram aos seus subordinados, explicou:
- Sou um
administrador público, e toda a minha atenção tem de estar concentrada na
administração dos recursos públicos, para beneficio do povo. Não posso,
portanto, perder tempo com orações. Dez mil Ave-Maria e dez mil Pai-Nosso
consumir-me-ão muito tempo. Assim, contratando uma empresa para executar tal
empreendimento, exaustivo e demorado, poderei dedicar-me às prioridades
públicas.
Os seus
subordinados foram unânimes: todos concordaram com ele.
O processo de
licitação correu, normalmente: Dez empresas apresentaram as suas propostas.
Quatro cobrariam do governo o preço mínimo estipulado na licitação: R$
1.000.000,00. As outras, apresentaram propostas, que iam de R$ 1.200.000,00 a
R$ 3.000.000,00. Saiu vencedora da licitação uma empresa, que cobraria do
governo R$ 3.000.000,00, e cujo proprietário era amigo do filho de Fulano da
Silva.
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