sábado, 5 de novembro de 2016

Confissões de um político brasileiro

O político brasileiro Fulano da Silva, certo dia, com a consciência pesada, e uma pulga atrás da orelha direita a incomodá-lo incessantemente, ativadas as engrenagens de seu cérebro ladino, vislumbrou, no horizonte político nacional, aproximando-se de si nuvens sombrias, e decidiu ir ao confessionário, na Igreja Nossa Senhora de Fátima. Lá, confessou:
- Santo padre, eu, um político brasileiro, cometi muitos pecados. Eu não precisava dizer que pecados cometi, sei, afinal sou um político, e brasileiro, e, sendo brasileiro, e político, cometi pecados que nem o capeta seria capaz de cometer. Exagero? Não, santo padre. Não exagero, não - pigarreou, e prosseguiu: - Não quero, santo padre, ocupar muito do seu tempo de homem santo, dedicado a Deus e ao estudo do livro sagrado, sagrado, digo, não para mim, que não o leio, mas para aqueles que o consideram sagrado, isto é, os fiéis que, como você, santo padre, crêem em Deus. Não querendo, portanto, ocupar o seu tempo, que é precioso, vou direto ao assunto que me trouxe aqui: Quero confessar os meus pecados. Deus dê a você, santo padre, muita paciência para me ouvir, pois não são poucos os meus pecados, e não sei se poderei recordar-me de todos eles. Aliás, santo padre, não confessarei todos os meus pecados, que são inumeráveis, e, portanto, não posso relatá-los todos, tampouco posso de todos lembrar-me de tantos que são. Então, darei a você, santo padre, uma idéia geral da minha conduta em política, de qual é o meu papel no esquema de poder na política nacional. Eu nunca roubei, é verdade. Não minto, afinal, estou me confessando, e não tenho motivos, ao vir ao confessionário, para mentir, e não confessar os meus pecados. Não roubei nem um tostão. E se digo que não roubei nem um tostão é porque nenhum tostão roubei. E é verdade, santo padre. Acredite em mim. Nem para mim roubei, nem para o partido, nem para familiares, tampouco para os parentes, que, como diz a sabedoria popular, são serpentes. Não havendo roubado, portanto, nem um mísero centavo, eu, então, você, santo padre, pode pensar, não teria razões para vir à esta santa casa confessar-me. E é aqui que você se engana, santo padre, pois eu participei do esquema que propicia a corrupção, e não apenas a corrupção, mas, também, a devassidão moral, a corrosão de valores, a destruição dos alicerces da nossa civilização, e, principalmente, as políticas que poderão vir a produzir a aniquilação da religião cristã. Sou maquiavélico, como todos os políticos brasileiros, e todos os políticos do mundo. Todas as minhas decisões visaram o fortalecimento do meu poder, e o enfraquecimento do poder dos meus adversários, e, por conseqüência, o aumento do poder do meu partido, e o enfraquecimento do dos partidos adversários, e não raras vezes prejudiquei integrantes do meu próprio partido ao puxar-lhes o tapete, com artimanhas sórdidas, em atos de deslealdade piores que os promovidos pelo diabo. Perdoe-me, santo padre, por falar no nome do canhoto. E saiba, santo padre: a alma dos políticos brasileiros é mais suja que o cu do capeta. Perdoe-me, uma vez mais, santo padre. Prometo, santo padre: não irei mais falar nenhum palavrão. Uso, e não raras vezes, vocabulário impróprio, ofensivo, e chão, e obsceno. Perdoe-me. Quero, agora, santo padre, dizer que eu minto, e minto pra caralho. Perdoe-me, uma vez mais, santo padre. Prometo, santo padre: Não irei mais falar nenhum palavrão. Estou um pouco nervoso, pois nunca me confessei, e, como eu sei que você irá dar-me uma penitência muito severa, desde já atormento-me, e acabo, mesmo não o desejando, e contra a minha vontade, por usar um palavreado inapropriado ao tratar com um santo padre. Como eu dizia, santo padre, participei de esquemas de poder, que elevaram, enormemente, o meu poder e o do meu partido, e, para ser franco, e tenho de ser franco, o de toda a classe política brasileira, afinal, digo a verdade, pois não tenho razões para mentir, aqui, na ausência de testemunhas, e ciente de que você nada poderá contar do que eu relatar para ninguém, e as minhas decisões, prossigo, favoreceram todos os políticos brasileiros, de todos os partidos políticos brasileiros, porque todos defendemos o mesmo ideal, e temos os mesmos interesses, e não interesses distintos como o povo, estúpido, é induzido a acreditar pelas propagandas oficiais, pela mídia chapa branca, pelos intelectuais de meia-tigela, e pelos intelectuais orgânicos, isto é, os artistas, ignorantes todos eles, que, como papagaios, repetem todas as asneiras que ouvem dos políticos, pois são imbecis, idiotas úteis, e têm a carreira financiada com dinheiro público, dinheiro que, sendo público, é administrado pelo governo, que decide o que fazer com ele, sem prestar contas, nem para o povo, bestalhão e ignorante como ele só, e tampouco para Deus. Urdimos as artimanhas, nos bastidores, e o povo toma conhecimento daquilo que desejamos que ele conheça, e dele sonegamos o que pode vir a nos prejudicar a nós políticos. Eu, e falo, agora, de mim, e não de toda a classe política, que, como classe, é unida, e unida jamais será vencida, eu, como eu dizia, nunca tomei, como eu já disse, e repito, para destacar a idéia, eu nunca tomei, dizia eu, uma decisão que não me beneficiasse, e que não beneficiasse o meu partido e toda a classe política, sendo uma delas a criação de programas sociais subsidiados com dinheiro público. E onde está o pecado, santo padre? Você talvez esteja se perguntando, e desejando perguntar-me, isso, e eu antecipo-me à pergunta, e respondo: Primeiro, criei dificuldades para o povo ao elevar a carga tributária, e criar regulamentos absurdos, que prejudicam o povo, reduzindo-lhe o poder aquisitivo, e ampliar a burocracia estatal, e aumentar os gastos públicos, e, consequentemente, a dívida pública, desperdiçando uma boa soma de dinheiro público com pagamento de juros. Depois, criei programas sociais, de entrega de casas populares, todas financiadas com dinheiro que extorqui ao povo, isto é, impostos, e construídas, com materiais de qualidade duvidosa, por empresas que venceram licitações de cartas marcadas; e programas de refeições grátis para pessoas de baixa renda, e preciso dizer, santo padre, que o processo de licitação elaborado para este programa também tinha as cartas marcadas? Ora, as exigências que o meu governo fez aos interessados favoreciam tais e tais empresas, empresas que me apoiaram, e que, ganhando a licitação, têm uma boa reserva de mercado e considerável vantagem competitiva em relação aos seus competidores, pois, para fornecer os alimentos e todos os utensílios com os quais o governo mantêm o programa, compra em grande quantidade tudo do que precisa, assim conseguindo, na negociação com os seus fornecedores, um abatimento no preço. Além disso, o fato de os seus fornecedores saberem que elas têm contrato com o governo já os induz a facilitarem-lhe na negociação. E nem falo, santo padre, dos programas sociais de passagens de ônibus, gratuitas, para as pessoas com idade superior a sessenta e cinco anos, em viagens urbanas e interurbanas. Os proprietários das empresas de ônibus estão comendo, nas minhas mãos, afinal, eu, que sou quem assina os contratos e os cheques, subsidio cada passagem, ou suposta passagem, que eles concedem, gratuitamente, aos passageiros sexagenários, septuagenários, octogenários, nonagenários. E o povo, que burro! Dá zero pra ele! Puta-que-pariu! Que gente trouxa! Perdoe-me, uma vez mais, santo padre. Prometo, santo padre: não irei mais falar nenhum palavrão. O meu vocabulário é inadequado, eu sei, mas, sabe como é, santo padre, não havendo câmeras de emissoras de televisão e microfones nas imediações, filmando-me, e gravando o que falo, não tomo certos cuidados com o meu linguajar. E saiba, santo padre: toda a minha política, em defesa de interesses meus, dos de meu partido, e dos de organizações globais, produz confusão dos infernos, com o propósito de enlouquecer o povo, que, coitado, é muito burro, e nada entende do que está acontecendo, e ainda agradece-me pelas migalhas que lhe jogo, no chão, e ele, que idiota!, agradece-me, e diz que sou um homem muito bom. Vá ser burro assim na puta que o pariu. Perdoe-me, santo padre. Prometo que não irei mais falar nenhum palavrão. E reitero a minha promessa. E, dizia eu, santo padre, criei normas, que, de tão absurdas, anulam-se, e com elas enlouqueço o povo, que não sabe o que fazer, pois, se respeita uma norma, desrespeita outra. E, depois, ofereço-lhe orientações, em instituições públicas, para cuja manutenção tenho de cobrar impostos, pois são onerosas, e o povo ainda agradece-me pelos serviços que ele recebeu, serviços de que não precisaria se eu não tivesse criado as normas que o atormentam. É uma obra de gênio maléfico, a minha. Eu sou foda pra cacete! Perdoe-me, santo padre. Prometo, santo padre: não vou falar mais nenhum palavrão. Prometo. E promessa é dívida. Como eu dizia, santo padre, criei muitas normas, que se anulam umas às outras, para enlouquecer o povo, e fazer de todos os cidadãos transgressores, bandidos. Criei tantas dificuldades, que, para se ver livre delas, o povo tem de subornar fiscais, pagar propinas, sonegar impostos, e, assim, todos os cidadãos ficam com a consciência pesada, bem pesada. É uma obra do canhoto, a minha. A minha inspiração vem, direto do inferno, pra arrebentar o cu do povão idiota! Perdoe-me, santo padre, uma vez mais. Prometo: não irei falar mais nenhum palavrão. E se eu vier a falar outro palavrão, santo padre, que Deus mande a alma da minha mãe para o inferno. Puta-que-pariu! Eu arregaço o cu do povo brasileiro, que é cuzão pra caralho, e ele vive a pedir-me esmolas, e a agradecer-me os benefícios, benefícios entre aspas, que eu lhe faço com o dinheiro dos impostos que ele pagou, isto é, com o dinheiro dele mesmo. Perdoe-me, santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Eu não quero falar palavrões, santo padre, mas toda vez que lembro que engano o povo, que é burro e ignorante, deste país, não me aguento, e solto um palavrão. Emburreci o povo, nas escolas, que não existem, não neste país de merda, para educar o povo, mas, sim, para emburrecê-lo, e, emburrecido, e por mim, o povo, babaca pra cacete, ainda me pede mais investimento nas escolas. Perdoe-me, santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Mas, se o povo é burro o que posso fazer!? Certo. Certo. Fui eu que o emburreci, mas ele não sabe. Não sabe, o povo idiota, que nasceu burro, e burro será para sempre, e vive a pedir-me mais recursos para investimento, nas escolas, que as escolas estão a emburrecê-lo. Pode!? Vá ser burro assim, na casa do caralho! Perdoe-me, santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Pois bem, santo padre, dei um apanhado geral dos meus pecados. Não entrei nos detalhes porque, se eu o fizesse, ficaria aqui, a confessar-me com você, até as calendas gregas. Então, certo de que você entendeu-me, e certo, também, de que você não é burro como este povinho filho-da-puta, você medirá os meus pecados, e dar-me-á a penitência justa. E perdoe-me, santo padre. Prometo: Não irei falar mais nenhum palavrão. Calo-me, à espera da penitência.
E tão logo Fulano da Silva se calou, o padre deu-lhe a penitência. Fulano da Silva retrucou, e retirou-se da igreja, resmungando:
- Que padre idiota! Se eu soubesse que ele me mandaria rezar dez mil Ave-Maria e dez mil Pai-Nosso, eu teria falado mais palavrões, só pra deixá-lo bem irritado. Que vá se foder aquele.padreco de merda, aquele carola desgraçado! Que a alma dele queime no inferno. E que ele fique com o cu chamuscado!
No dia seguinte, Fulano da Silva reuniu toda a sua equipe, e apresentou o seu novo projeto: Uma licitação para escolher uma empresa, cujos funcionários teriam de rezar dez mil Ave-Maria e dez mil Pai-Nosso. Diante da estranheza que as suas palavras inspiraram aos seus subordinados, explicou:
- Sou um administrador público, e toda a minha atenção tem de estar concentrada na administração dos recursos públicos, para beneficio do povo. Não posso, portanto, perder tempo com orações. Dez mil Ave-Maria e dez mil Pai-Nosso consumir-me-ão muito tempo. Assim, contratando uma empresa para executar tal empreendimento, exaustivo e demorado, poderei dedicar-me às prioridades públicas.
Os seus subordinados foram unânimes: todos concordaram com ele.
O processo de licitação correu, normalmente: Dez empresas apresentaram as suas propostas. Quatro cobrariam do governo o preço mínimo estipulado na licitação: R$ 1.000.000,00. As outras, apresentaram propostas, que iam de R$ 1.200.000,00 a R$ 3.000.000,00. Saiu vencedora da licitação uma empresa, que cobraria do governo R$ 3.000.000,00, e cujo proprietário era amigo do filho de Fulano da Silva.

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