sábado, 10 de fevereiro de 2024

Notas 30


Piruás e Farelos - volume 30.

As palavras intimidatórias.

Sempre que deseja impôr-se a todos e fazer valer a sua vontade, o senhor Fulano de Tal insere nos seus discursos uma palavra-chave, uma palavra-senha, que há, sabe ele, ladino que é, de intimidar os pacatos.

Tem o senhor Fulano de Tal uma idéia infernal, que, colocada em prática (para mim tanto "colocada em prática" quanto "posta em prática" são anti-estéticas), prejudicará, enormemente, a economia de um país, jogando milhões de pessoas na mais completa miséria. E é o seu objetivo desgraçar a vida de todo mundo. E sabe ele que as pessoas irão esbravejar, protestar. Então o que faz o distinto colega? Diz que com a sua brilhantemente devastadora idéia combate o racismo, defende o meio-ambiente, acaba com a desigualdade social - para resumir, ficamos nestes três. As palavras-chave são "racismo", " meio-ambiente", "desigualdade". Bingo! Se a idéia do senhor Fulano de Tal é contra o racismo, então toda e qualquer pessoa que vá contra ela é racista; se tal idéia protege o meio-ambente, então quem lhe torce o nariz é um irresponsável destruidor do planeta; se ela acaba com a desigualdade (de renda, social), então quem não a vê com bons olhos (principalmente os estrábicos, os míopes e assemelhados - que me perdõe o leitor a piada trocadilhesca sem graça fora de hora: não resisti) é um agente capitalista malvadão que quer que todas as pessoas comam o pão-que-o-diabo-amassou.

E a coisa é ainda pior! É?! E pode ser pior?! Pode. Além de com as palavras-senha proteger as suas tolas idéias, o senhor Fulano de Tal está a se blindar. Um exemplo me vêm a mente: há poucos meses, um pouco mais de um ano, um distinto senhor, garboso e esbelto, carismático como nenhum outro, hoje serviçal da primeira não sei o que que está sempre de braços dados com o tal Éle, proferiu, de viva voz, um discurso em cujo corpo inseriu frases lapidares nas quais afirma que o tal Éle representa, mais do que ninguém, do povo os sentimentos de esperança, e a própria democracia. Ora, ora, ora! Se o tal Éle representa o que o tal criado da dona dele disse que ele representa, então quem se lhe opõe se opõe automaticamente às esperanças do povo brasileiro e à democracia. Neste caso, o garboso camareiro do casal real está a blindar a sua chefe e o esposo dela - na pretensão de, penso, estar a se blindar, afinal é o empregado de estimação do casal.

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O nome dos fenômenos e os fenômenos.

Há quem saiba o nome de todos os fenômenos mas não sabe identificar os fenômenos. Há quem saiba falar "analfabetismo funcional", mas não consegue perceber o analfabetismo funcional em si mesmo e em pessoas próximas, queridas suas; há quem sabe falar "democracia", "estado democrático de direito", "liberdade", "justiça", todas numa frase a transbordar amor pelos valores universais cujos nomes lhe inspira sentimentos humanitários, mas não vê a democracia a ser arrasada, o estado democrático de direito a ser destruído, a liberdade a ser suprimida e a justiça a ser vilipendiada, fenômenos a lhe ocorrerem bem diante do nariz.

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O Brasil vai bem. A inflação está controlada. Obrigado, Lula.

Que bom! Que bom! A inflação, em 2.023, ficou abaixo da meta: foi de um pouco mais de três por cento. Que beleza! O Brasil entra numa era de prosperidade inédita desde 1500. Que a oposição diga o contrário! Que ela esbraveje!

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Ontem, vi, na tevê: a inflação, no Brasil, em 2.023, foi de menos de quatro por cento. Que maravilha! E o preço do quilo de picanha caiu dez por cento! Obrigado, Lula! Agora, posso comer picanha! Obrigado, Lula! Obrigado!

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Ontem, no supermercado, comprei um pacote de arroz, um de cinco quilos. No começo de 2.023, lembro-me, por um pacote de cinco quilos paguei R$ 21,90; ontem, paguei R$ 27,90. Sorte a nossa, sorte de brasileiros, povo que nasceu de quina para a Lua, que a inflação, no ano passado, foi de menos de quatro por cento; se maior, o que pagaríamos por um pacote de arroz?! R$ 30,00, R$ 40,00, R$ 50,00. Obrigado, Lula. E um homem, lá no supermercado, bravo,porque, dizia ele, o arroz subiu R$ 6,00. Idiota! Não sabe ele que a inflação foi de menos de quatro por cento?! Se a inflação, em 2.023, foi de quatro por cento, então o preço do pacote de cinco quilos aumentou quatro por cento. E o que é quatro por cento em um ano?! Nada. Antes, subia muito, muito mais. Certamente, aquele reclamão não vê tevê; visse, saberia que a inflação 'tá sob controle. Obrigado, Lula! Vou comprar a picanha para a compra do mês. Obrigado, Lula!

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O quilo de picanha, que 'tava R$ 69,90, no começo do ano passado, 'tá, hoje, R$ 59,90. Comprarei, para a compra do mês, um quilo de picanha. Obrigado, Lula! E o quilo de feijão 'tá R$ 9,00. Subiu o feijão um pouco menos de quatro por cento. No começo do governo Lula 'tava R$ 6,00. Sorte a nossa que aumentou, se muito, só quatro por cento. Obrigado, Lula! E tem gente reclamando do preço do feijão! Gente que sempre está de mal com a vida reclama de tudo. "O feijão aumentou cinquenta por cento!", anunciou, indignado, um ignorantão. Não sabe ele que a inflação foi de menos de quatro por cento?! Como pode o preço do feijão aumentar, em um ano, cinquenta por cento, se a inflação foi de quatro?! Idiota! Não vê tevê, não se informa; e dá nisso: ignorância.

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O tomate 'tá R$ 8,00 o quilo. Aumentou R$ 2,00. Ainda bem que aumentou só três por cento.

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Vi, no jornal da tevê: a inflação, no ano passado, foi de menos de quatro por cento. Ótima notícia para todos os brasileiros. Mas tem gente reclamando: "O feijão 'tá caro! O tomate 'tá caro! O arroz 'tá caro! Aumentou muito, aumentou mais de vinte por cento! Aumentou mais de trinta por cento!" A inflação foi de menos de quatro por cento, imbecis! Assistissem tevê, saberiam a verdade.

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Fiz a compra do mês. Comprei igual quantidade de coisas que habitualmente compro. E todo o meu salário foi para o espaço! Assustei-me: a conta estourou. Ficou além do meu bolso. O que aconteceu?! Assim que, ao passar pelo leitor de código de barras todos os produtos que peguei, a caixa me disse a soma da compra, cai para trás. "Não é possível!", gritei, indignado. "Como pode ter aumentado tanto assim, se a inflação foi de três por cento?!" A caixa não quis me compreender. Olhou-me com olhar assustado. Disse-me que eu teria de me desfazer da picanha e de alguns outros itens. E falou-me, também, que de nada adiantaria eu substituir a picanha por abóbora, que também está mais cara do que no mês passado. Não gostei do que ela me disse. Discutimos. Mandei chamar o gerente, que, para evitar escândalos, logo me atendeu. Pediu-me paciência, tranquilo. Esbravejei. Exigi-lhe explicações: "Pode a compra aumentar tanto, assim, se comprei, hoje, o que compro todo mês?!", e pus-lhe na cara o cupom fiscal. "Olhe, aqui, vagabundo! Olhe! Capitalista desgraçado! Olhe! A compra está mais de vinte por cento mais cara do que no mês passado! Vinte por cento! Se a inflação foi de três em um ano! Ladrão! Fascista! Misógino! Racista! Você está a me estorquir só porque estou usando uma camisa preta! Racista!" E os seguranças chegaram, e aos empurrões retiraram-me do supermercado. Vagabundos, todos eles! E as pessoas a me fitarem como se olhassem para um louco. Bando de vagabundos! Se a inflação, vi na tevê, ficando abaixo da meta, foi menor do que quatro por cento, como que a minha compra do mês aumentou mais de vinte?! Bando de ladrões! Capitalistas salafrários! O Lula nos faz um bem, e os capitalistas ferram-nos! E fiquei sem a picanha! Malditos capitalistas!

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Houve fraude eleitoral em 2.022?

Antes de qualquer outra coisa, sem extrapolar o círculo que a minha consciência alcança: estou a elucubrar considerando única, e exclusivamente, as coisas do meu entorno, os fenômenos que ocorrem ao meu redor, as ações das pessoas da vizinhança, que comigo têm algum tipo de relação - e não sei se tais fenômenos repetem-se em outros círculos em quaisquer territórios brasileiros, não sei se são detalhes que se repetem em outros territórios do painel chamado Brasil.

Ditas as palavras do primeiro parágrafo: não acredito que tenha havido fraude eleitoral em 2.022. E desde que a apuração foi encerrada eu me vejo a comentar, contestando pessoas de meu relacionamento que sustentam ainda hoje a tese da fraude, que fraude não houve, e explico a minha posição: vi pessoas que em 2.014 esbravejaram contra os nordestinos - que votaram em massa na Dilma Roussef, e não no Aécio Neves - e que, em 2.018, não eram nem Bolsonaro e nem Lula, votarem, em 2.022, no Lula; vi pessoas que, apolíticas, desinteressadas da política, a alcunharem de bandidos e corruptos todos os políticos, em 2.018 abstiveram-se de votar, umas, votaram em branco ou nulo, outras, votarem, em 2.022, no Lula; vi pessoas que durante os quatro ano do governo Bolsonaro xingaram o presidente de tudo quanto é nome feio e se diziam nem-Lula-nem-Bolsonaro, em 2.022 votarem no Lula (e estas pessoas não tecem uma crítica ao Lula e seu governo: após quatro anos a defecarem todo tipo de asnidades contra o Bolsonaro, descobriram, milagrosamente, em 2.023, o dom do silêncio sapiencial); e, vi pessoas que votaram, em 2.018, no Bolsonaro, votarem, em 2.022, porque Bolsonaro aliou-se ao Centrão e não comprou vacinas, no Lula.

Não sei que nome dar ao fenômeno nacional que assisti de 2.018 até a presente data, e tampouco tenho para ele uma explicação.

E neste parágrafo de encerramento deste piruá, digo: no meu modesto entender são irrelevantes, para se dimensionar o apoio popular ao Lula, a ausência de povo no desfile do 7 de Setembro e a quase inexistente audiência das laives lulistas. E por que tal eu penso?! Porque os eleitores, apoiadores do Lula o idolatram, independentemente do que ele faça, do que ele diga. Não se interessam em ouvi-lo, pois têm-lo na conta de um ser supradivino, perfeito, infalível: faça ele o que fizer, diga ele o que disser, ele está certo, sempre. Não precisam ouvi-lo para saber que ele disse palavras de sabedoria eterna em favor de bem-estar de todos. As asneiras que ele diz para os seus adoradores não são asneiras, pois eles nem sequer o ouvem. Em outras palavras: numa autêntica prova de que acreditam que Lula é infalível, os adoradores dele assinaram-lhe uma procuração concedendo-lhe plenos e absolutos poderes.

No início do parágrafo anterior afirmei que eu estava, com ele, a encerrar este piruá; de fato estava, mas aí pensei no seguinte: Estou a pensar, e a pensar, e a pensar, e não sei o que pensar a respeito da relação entre Lula e seus adoradores, que votam nele independentemente do que ele faça. É um caso a se estudar. E se anteciparem as eleições para daqui noventa dias, muitas pessoas que hoje reclamam do preço do arroz, do preço do feijão, do preço do tomate, votarão no Lula, pois não detectam uma relação de causa e efeito entre a política do governo Lula e o aumento dos preços dos alimentos. Se o Lula disser, sobre o palanque "Brasileiros e brasileiras, vote ni mim que eu vô dá pocêis filémiôn. O rico cóme filémiôn, então no meu governo ocêis pobre tamém vão comê." de cara ele ganha sessenta milhões de votos. Penso bobagem?! Talvez. Quem sabe?! Se o que vejo em meu entorno é um fenômeno encontradiço em todo o Brasil... Tâmo lascado!

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