terça-feira, 13 de junho de 2023

Nota breves

 E se loucura pagasse imposto?!


Se loucura pagasse imposto, eu estaria falido. Mas como o governo ainda não cobra imposto sobre a loucura, seguirei a exercer, e em sua plenitude, o meu direito de ser louco.


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Uma distopia


Vivemos numa distopia, que está a pedir um George Orwel, um Aldous Huxley, para retratá-la, em prosa, numa obra que, perpetuando-se, jamais permitirá que os homens esqueçamos a nossa insensatez.

A distopia, a na qual estamos mergulhados até o pescoço, não saiu de nenhuma obra literária, da cabeça fantasiosa de nenhum escritor de sci-fi. É ela real, fruto de mentes diabólicas desprovidas de imaginação; corrijo-me: imaginação tais mentes possuem, e elas a canalizam para a ereção do inferno na Terra.

E os brasileiros, que estamos a ver o Brasil de ponta-cabeça, perguntamo-nos como chegamos onde chegamos e aonde iremos parar, muitos dentre nós estupefatos, temerosos de um futuro lúgubre a repetir em nossa terra o que se vê em terras ao norte que com o Brasil fazem fronteira. E há muitos bípedes implumes a suplicarem por tal sorte: os que sonham viver numa distopia, que eles crêem ser uma utopia, um mundo perfeito, o outro.


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A picanha e a imprensa.


Dê-me picanha, que eu gosto - é este o estribilho de trilhões de brasileiros, muitos deles da imprensa - estes, os da imprensa, sem jamais arregaçarem as mangas, tinham, todo dia, na mesa farta, picanha, toneladas de picanha.

A imprensa brasileira, hoje, é pior do que os pasquins avoengos, que traziam corpos juncados de ferimentos, fraturas, ossos esmigalhados, olhos roxos afundados na cavidade ocular com um possante soco de um brutamontes abrutalhado, o bestunto rachado ao meio por um machado, o ventre desviscerado, a língua arrancada a alicate, os olhos vazados com chave-de-fenda, e sangue a encharcar salas e cozinhas, e ruas e calçadas, e gente a esgoelarem-se doentiamente, a denunciarem adultérios, assassinatos, tramóias luciferinas e outras atividades comuns à indigente espécie humana.

Nos dias que ora vivemos, e nem sempre com boa-vontade, os jornais, aqueles que até há três décadas tinham a reputação de respeitáveis e que traziam no seu time de profissionais senhores veneráveis, intelectuais de primeira ordem, escritores de mão-cheia, hoje sequer servem para forrar gaiola, e tampouco para embrulhar peixe. Nenhuma serventia têm. Nenhuma. Infelizmente, não poucas pessoas dão-lhes valor imerecido, e o fazem porque eles estão a lhes ecoarem os sentimentos animalescos.


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O homem que se sente pão.


Que exista homem que se sinta pão não me surpreende, embora eu jamais tenha conhecido um, unzinho só.

Li, não me recordo onde, assim, por cima, uma notícia - ou foi uma piada?! - que informa a quem quiser se informar que um homem, o excelentíssimo senhor Fulano da Silva Filho, filho do famosíssimo, nosso velho conhecido, Fulano da Silva, habitante de tal localidade, situada em um certo país, que está fixado em um determinado continente, que por sua vez se encontra em um dos dois hemisférios da Terra - e cientistas renomados ensinam que a Terra tem dois, e apenas dois, e unicamente dois, hemisférios (a questão, no entanto, é controversa) - sente-se um pão - sente-se ele pão, mas não está certo se um pão francês, se italiano, se pão careca, se uma bengala, se pão de queijo, se um pão de outra subespécie de pão. Sabe-se que há infinitas subespécies de pães, e o tal senhor de quem aqui tratamos está incerto quanto a sua natureza panificatória, panificadoriana,panística, sei lá. Que a fauna - ou seria flora?! - dos pães é de infinita variedade, é, sabemos.

Ora, conta-se por aí que há quem, sentindo-se um lince, quis viver num zoológico, e quem, sentindo-se um cachorro, latiu, à noite, durante horas e horas, até o Sol raiar, e quem, sentindo-se um cervo, refugiou-se numa floresta e ganhou um balaço nos cornos. Então, se a existência de tais criaturas os livros registram, por que nâo concluiríamos possível a existência de um homem que, sentindo-se pão, vive tal qual os pães?!

E contou-me um passarinho que um certo homem, um tal de Cicrano da Silva Neto, neto do vetusto Cicrano da Silva, sentindo-se um palito de fósforo, teve a cabeça queimada, e morreu, seu cérebro liquefeito, dentro de uma ambulância, a caminho do hospital. Trágico. Trágico.

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