quarta-feira, 26 de abril de 2023

Três resenhas

 Viver! (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


Um conto, ou um diálogo?

Um conto, que se resume a um diálogo, diálogo inusitado, entre dois mitos, um grego e um judeu, Prometeu e Ahasverus, aquele, porque deu aos homens o fogo, foi condenado ao suplício eterno, agrilhoado a uma rocha, abutre a devorar-lhe, durante o dia, o fígado, que se reconstitui durante a noite; este, porque enxotou Jesus Cristo, que, sob a cruz, carregando-a, veio a cair-lhe à porta, foi condenado a viver, errante, sem descanso, até não restar nenhum humano sobre a face da Terra.

O diálogo interessante, e intrigante.

No princípio, acreditando-se o único humano vivo, Ahasverus alegra-se, certo de, enfim, encontrar a morte tão desejada; todavia, surpreende-o uma voz, e se vê, então, na companhia de outro ser da sua espécie, o grego. Conversam. O colóquio, digno de um drama, poderia figurar nos anais das lendas cosmogônicas que tratam de eventos dos primórdios da existência humana.

Ahasverus reconhece que não se apiedara do Filho de Deus, Cristo, que, exausto, lhe caíra à porta, e declara que sofrera condenação excessiva, desproporcional à falta cometida, no que Prometeu corrigiu-o,pois entendia-o merecedor de punição mais severa, e não a que recebera, branda, no seu entender, afinal, diz, Ahasverus assistiu, durante milênios, aos padecimentos dos humanos, mas nenhum sofrimento padeceu.

Declara-se Prometeu inocente do crime que lhe imputaram, pois seu ato não foi criminoso: ele, o criador dos primeiros homens, a eles deu o fogo dos deuses. Contrariado ao saber do evento, Júpiter condenou-o ao suplício eterno, assim reza a lenda, que Ésquilo conta no Prometeu Acorrentado, obra-prima imorredoura.

Ao saber que era seu interlocutor o criador dos primeiros homens, Ahasverus declara-lhe que ele merecia punição mais severa do que a que recebera e que ele estava na origem dos males que afligiam a ele, Ahasverus, que, enraivecido, ameaça-o agrilhoá-lo à rocha para que ele padecesse do suplício ao qual Júpiter o havia condenado e do qual Hércules o libertara, e cumpre a ameaça. E Prometeu, antevendo-lhe o futuro, vaticina: Ahasverus o libertaria, ele, Ahasverus, seria o novo Hércules, e, para persuadi-lo da correção da profecia, com oratória sedutora - e os helenos eram mestres da oratória - descreve-lhe o futuro alvissareiro que lhe estava reservado. E linhas depois encerra-se o conto, de final inusitado, tão inusitado quanto à proposta do autor.

Com uma pulga atrás da orelha, pergunto qual foi o objetivo de Machado de Assis ao escrever tal conto. Prometeu, que favoreceu os homens, prevaleceu, em sua sagacidade, ao homem que malfizera a Cristo. Prometeu é grego, e Ahasverus, judeu. Fez deles Machado de Assis emblemas de seus respectivos povos, sendo, portanto, o povo grego benfeitor dos homens, e o judeu seu malfeitor?! Porque desconheço o conceito que Machado de Assis fazia do povo grego e do povo judeu, não ouso dar uma resposta para a pergunta que me faço.


*


O Cônego ou Metafísica do Estilo (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


Machado de Assis escreveu um conto de ficção científica!

No ano 2.222, o cônego Matias, ocupado na redação de um sermão que lhe fôra encomendado, deparou-se com uma dificuldade: vincular um adjetivo ao seu substantivo correspondente. Na teoria psico-léxico-lógica do cônego, de cada hemisfério do cérebro nasce um tipo de palavra: os adjetivos, do esquerdo; e do direito os substantivos. E as palavras têm sexo, amam-se, e casam-se, e do casamento delas nasce o estilo. O do cônego é o estilo eclesiástico.

O criador de Capitu ciceroneia o leitor pelo labiríntico meandro do cérebro de seu herói, observando-lhe os detalhes da mente, em atividade, ocupada na busca ínfrene da ligação eterna de um substantivo e um adjetivo. O esforço dele, vão. Perde-se o cônego em devaneios, à janela, encantado com um pavão, com um papagaio, com a natureza deslumbrante, com o Sol majestoso. Enquanto se ocupa em admirar a natureza, esquecido da tarefa de redigir o sermão, sua mente, independente dele, trabalha, à vontade, livre, em busca do que ele procurava, usando-lhe da consciência. E ocorrem dois eventos simultâneos: a emersão do inconsciente - que fica à vista do leitor - do cônego Matias e a imersão do leitor no inconsciente do cônego Matias. E o substantivo e o adjetivo, independentemente do cônego Matias, procuram-se, e acham-se, e unem-se, e, unidos, elevam-se ao consciente dele. E o cônego Matias, enfim, completa o sermão; encontrara, afinal, durante seus momentos de devaneio, o que tão arduamente procurava: o substantivo e o adjetivo que se lhe correspondia. Ou foi o inconsciente dele que empreendeu todo o trabalho, e não ele?! Ou foram o substantivo e o adjetivo que, agindo no inconsciente dele, procurando-se, realizaram o que lhes era da vontade, independentemente do cônego Matias, do consciente e do inconsciente dele? Aqui, entendemos que as palavras, dotadas de vontade própria, parasitam o inconsciente de seu hospedeiro, sendo, portanto, o homem desprovido de vontade própria. Ou vive o homem e as palavras em simbiose?

É um conto intrigante este do Machado de Assis. De ficção científica! E escrito no século XXI! É uma obra de antecipação. Em suas poucas linhas, não se pronunciam robôs, tampouco alienígenas, seres que, acreditam os neófitos, são imprescindíveis ao gênero; todavia, têm um futuro hipotético. E trata o conto de questão comum aos homens: a importância do inconsciente para a consciência humana, para a criação da cultura humana.

Este conto reforça em mim uma idéia: é Machado de Assis um escritor dotado de criatividade superior à que lhe atribuem. Dizem que ele era desprovido de imaginação; discordo, terminantemente. A imaginação dele manifestou-se na criação de obras de características incomuns, machadianas.

É Machado de Assis um bruxo, o do Cosme Velho.


*


Journey to the Center of Time - direção: David L. Hewit.


Este é um dos space-ópera - esta é para os nerdes das antigas - aos quais assisti, no original, em inglês, com legendas também em inglês, após decidir-me a me dedicar a aprender a língua de Nathanael Hawthorne, aventura que estou a empreender com muito agrado, enfrentando adversidades sem fim, que me exaurem as forças a ponto de me desfalecer. Não sejamos melodramáticos.

Conta a película americana a história de um grupo de físicos do Instituto de Pesquisa Temporal: doutor Gordon (Abraham Sofaer), Mark Manning (Anthony Eisley), Karen White (Gigi Perreau), Dave (Andy Davis), Susan (Tracy Olsen) e Mr. Denning (Austin Green). Financia a pesquisa Stanton (Scott Brady).

Promove o grupo de cientistas algumas interessantes, fascinantes, descobertas acerca da interferência humana no tecido do contínuo do espaço-tempo ao usar feixes de lasers amplificados por emissão de radiação.

Todos conhecemos, presumo, histórias de viagem através do tempo. Ninguém desconhece a mais famosa delas - não sei se é a primeira que algum bípede implume escreveu -, a de Herbert George Wells, história que, numa transmissão radiofônica, na voz de Orson Welles, aterrorizou meio mundo e pôs de cabelos em pé a outra metade, história, esta, que é conhecida por milhões de pessoas que jamais usufruíram do prazer de ler A Máquina do Tempo. E quem nunca assistiu ao De Volta para o Futuro, e não se entreteve com os três filmes que compõem esta fantástica série de longa-metragens, e não se surpreendeu com as peripécias intertemporais de Marty McFly e do doutor Emmett Brown a bordo de um DMC DeLorean, a máquina do tempo de todas a mais conhecida aqui, na Terra, e em outras terras?! E nos gibis, nas histórias em quadrinhos de super-heróis, viagens através do tempo é uma constante - e uma delas é clássica: Dias de Um Futuro Esquecido.

Viagem através do tempo é um sonho que os humanos, por infinitas razões, perseguem. Oxalá um dia alguém invente um dispositivo, seja um carro, seja um telefone público, seja um relógio, seja um implante dentário, que permita aos humanos romperem as leis físicas do transcurso linear do tempo - e de brinde lhes permita empreender viagens interdimensionais.

Do mundo onírico para o filme em questão: durante pesquisas a envolverem um fenômeno tão sutil, e sofisticado, e complexo, ou simplesmente simples, o tempo - que ocupou um bom tempo da vida de Santo Agostinho (que se dedicou a elucubrar acerca dos ingredientes dele) e que promove, nos círculos seletos de astrofísicos, celeumas acaloradas, e entre os filósofos, recontros irracionais - é alta a probabilidade de ocorrer tragédias. E se tragédias podem ocorrer, ocorrem, fatalmente ocorrem - disse um filósofo. E a tragédia ocorreu. O futuro, este desconhecido, é imprevisível.

No Instituto de Pesquisa Temporal, surpreendendo os cientistas, o laboratório em cujo interior as pesquisas são realizadas viaja através do tempo. Ora, e não era este o objetivo da pesquisa?! Não. Era, dela, o escopo captar imagens de outros tempos, e transmiti-las para um monitor, e não deslocar fisicamente o laboratório. A viagem física do laboratório através do tempo, fenômeno imprevisto, e indesejado, aterrorizou os cientistas e o doutor Stanton. E foram o doutor Gordon, Mark Manning, Karen White e Stanton, primeiro, parar no ano 6968, cinco mil anos no futuro, e, depois, no passado, o passado de há um milhão de anos. E nestes dois momentos, viveram experiências inéditas, terríveis.

O filme é pobre de recursos - contém episódios gritantemente sem sentido.

Os cientistas afetaram tanto e tão significativamente a estrutura do espaço-tempo, que lhe abriram outra linha temporal.

Para os amantes de sci-fi, o filme, com todas as suas falhas, que não são poucas, tem os seus atrativos; às outras pessoas, não o recomendo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário