quarta-feira, 26 de abril de 2023

Resenhas. Filme. E contos.

 Três séries de televisão: The Lone Gunmen; The Last Ship; e, The Justified.


Não é meu propósito, nesta resenha, que será curta, assim espero, perder-me em comentários sem fim, horas e horas a tratar das séries-de-televisão enfeixadas no título. É meu propósito despretensioso: escrever breves comentários, o que pretendo fazer sem outras razões além da de expôr algumas observações, minhas, e destacar o que entendo interessante, ou, mesmo que não o seja, que tenha me chamado, por alguma razão, que ignoro, a atenção.

- Deixe de blablabla, e vá direto ao assunto, amigo - pede-me, gentil, e amigavelmente, ligeiramente impaciente, o leitor.

Das três séries cujos títulos estão no título desta resenha, principio, como não poderia deixar de ser, pela primeira, The Lone Gunmen - que em português castiço fica Os Pistoleiros Solitários -, uma série-de-televisão derivada da popularmente famosa série-de-televisão de ficção-científica protagonizada pelos agentes Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gilligan Anderson), Arquivo X - X-Files, em inglês castiço de Mark Twain. São os heróis três nerdes extravagantes, investigadores que, mal e mal, no exercício de suas atividades investigativas, a se envolverem com estranhos, obscuros casos, mantêm um jornal, no qual publicam as suas descobertas, jornal que encontra poucos leitores. O trio de nerdes, John Fitzgerald Byers (Bruce Harwood), Melvin Frohike (Tom Braidwood) e Richard Langly (Dean Haglund) depara-se, no primeiro episódio, de março de 2.001, com uma conspiração, que se encerra com uma cena emblemática: um avião sequestrado voa em direção ao Word Trade Center. E consuma-se a tragédia. Não. Não. No filme, evitam-la, no último segundo. Este é o episódio, dos poucos da série, o mais emblemático, e por razões óbvias, que o leitor, estou certo, não ignora. Nos episódios subsequentes, poucos, repito, envolvem-se, em um deles, os três nerdes com o governo, que financia um projeto, secreto, de aprimoramento da inteligência de animais, no caso, de macacos; em outro, têm eles de se haverem com um personagem que supostamente à Terra veio de um universo paralelo; e em outro, com o criador de um veículo movido a combustível barato, acessível a toda pessoa; e confrontam, em outro episódio, com uma nazista; e em outros episódios, engolfam-los tramas diabólicas, escabrosas, horripilantes.

É tal série-de-televisão simples, bem-humorada, leve, direi, espirituosa, recheada de referências a filmes famosos. Tem o seu charme, o seu encanto.

Agora, a segunda série-de-televisão: The Last Ship (O Último Navio). Tem cinco temporadas. Não é lá grande coisa. É o último navio - que na verdade não é o último, mas, sendo o navio o herói da série-de-televisão, então dão-lo como o último, querendo-se, assim o qualificando, dar a entender que é aquele navio que resistiu, bravamente, à destruição do mundo - o dos heróis, que empreendem façanhas dignas dos argonautas, a singrarem os sete mares, tais quais Sinbad, o USS Nathan James, cujo capitão, e posteriormente almirante, é Tom Chandler (Eric Dane), e em cuja tripulação está a cientista Rachel Scott (Rhona Mitra). Passam-se as aventuras do USS Nathan James, a superar contratempos incontornáveis, a ferir-se em batalhas sem conta, numa Terra apocalíptica, após um surto de vírus, que dizimou noventa por cento dos humanos. Desapareceu o mundo que hoje conhecemos. Fragmentam-se nações engolfadas por revoltas. Os povos, dispersos, desconfiados uns dos outros, conservam, vivas, as desafeições anteriores à tragédia que se abateu sobre os humanos, tragédia que a doutora Rachel Scott, a escudá-la a tripulação do último navio, impediu de se estender indefinidamente.

São interessantes alguns pontos: Rússia e Estados Unidos não se bicam; China e Estados Unidos não se entendem; Japão e China vivem em pé-de-guerra.

Escrevi pouco, no parágrafo anterior, e escrevi mal. Corrijo-me: os personagens que simbolizam a China, os Estados Unidos, a Rússia e o Japão fitam-e com o canto dos olhos - as desconfianças são mútuas, o resíduo, direi, dos sentimentos mutuamente hostis que, durante o transcurso dos séculos, alimentavam uns pelos outros.

A nobreza do capitão, e almirante, Tom Chandler, superior, impoluta, imaculada, é o símbolo dos Estados Unidos, da superioridade moral deste país; é ele o espírito destemido dos desbravadores, imarcescível, pronto para o que der e vier, pronto, sempre, para arrostar os desafios, que o destino lhe põs diante. Até de Hércules ele se fez!

Ah! Esquecia-me: Não se entendem os Estados Unidos e a América Latina.

Lutam pela posse exclusiva da cura os americanos e os russos, estes com o propósito de, tendo-a sob seu domínio, usá-la para chantagear as outras nações.

Nos Estados Unidos, agora fragmentado,ocupa a cadeira presidencial, na Casa Branca, um boneco-de-engonço de alguns personagens inescrupulosos.

Pessoas, poucas, dotadas de imunidade natural, resistentes ao vírus que ceifou a vida de nove de cada dez humanos, lutam para destruir o remédio que promete curar a humanidade, pois se têm na conta de escolhidas, predestinadas à sobrevivência, e à propagação da espécie, enquanto as outras pessoas, as que não foram agraciadas com a imunidade, estão, assim entendem, fadadas a perecerem.

Uma elite política, à destruição iminente da civilização, decide que as pessoas infectadas, mesmo à perspectiva da chegada iminente da cura, devem morrer, mas não em vão: seus corpos devem servir de combustível às usinas de produção de energia que mantêm em funcionamento a cidade da elite.

Homens inescrupulosos, megalômanos, lutam pela posse exclusiva de uma espécie melhorada de sementes resistentes a um vírus que está a dizimar as plantações em todo o planeta; de posse dela, iriam chantagear todos os países.

Programadores de computador, sob as ordens de políticos ambiciosos e inescrupulosos, infectam os computadores dos Estados Unidos, ou do que restou da outrora nação mais poderosa do universo, produzindo-lhe o caos, abrindo caminho para os invasores, que põem de joelhos a terra do Tio Sam.

A tripulação do USS Nathan James, evita, é claro, todas as tragédias. Todas, vírgula, excetuada a primeira, da qual as outras são epifenômenos.

Mesmo à perspectiva do fim-do-mundo, que se aproxima rápida, e inexoravelmente, dominam muitos indivíduos sentimentos criminosos, sonhos mesquinhos. Revelam-se muitos homens incapazes de um ato de gentileza, de respeito, de amor, de nobreza, de grandeza, a razão obnubilada pelos mais reprováveis desejos. Os heróis têm ares míticos, fabulosos; são invencíveis; assumem dimensões grandiosas.

É tal série-de-televisão interessante. Tem os seus atrativos, conquanto seja esquemática a sua trama, e unidimensionais os seus personagens. É tudo preto no branco, maniqueista, os personagens definidos, sem nuances, sem filigranas psicológicas.

E chegamos à terceira, e última, das três séries-de-televisão que, aqui enfeixadas, decidi comentar, e à qual dedicarei menos palavras do que as que dediquei a The Lone Gunmen e a The Last Ship: Justified. É tal série-de-televisão baseada num livro de Elmore Leonard, escritor de livros policiais. Desconheço o livro, e do autor li, há três centúrias, seis lustros e quatro anos, um livro, e não me lembro de qual, livro que, recordo-me, vagamente, não me deixou boas lembranças. Revive a série-de-televisão, com outros personagens, a eterna desavença entre os Hatfield e os McCoy. Os primeiros episódios, apesar de uma grosseira inconsistência logo de início, são palatáveis. Mas perde-se a trama, que se converte numa novela folhetinesca recheada de reviravoltas enervantes a envolverem sempre os mesmos personagens. Não sei dizer porque cargas-d'água assisti a Justified até o seu derradeiro episódio. Prendeu-me a atenção, e fez-me a, ansioso, assistir, em um dia, três, ou quatro, episódios, a antever-lhe o fim, assim que entrou em cena Boon (Jonathan Tucker), um pistoleiro rápido no gatilho, meio amalucado, uma espécie de Billy the Kid, o único personagem que está em pé de igualdade, no que diz respeito ao manejo do revólver, com o delegado Raylan Givens (Timothy Olyphant), o herói, e que podia, num duelo contra ele, sobrepujá-lo. Vêem-se frente à frente, a poucos metros de distância um do outro, ambos com a destra no revólver. E, de repente, ouvem-se dois tiros. E os dois personagens caem no asfalto.


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O Diplomático (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


É o personagem deste conto, Rangel, o diplomático, um homem de temperamento fantasioso. Aos quarenta e um anos, solteiro, frequenta a casa de João Viegas, escrivão de vara cível da corte, e, nos dias de São João, entretêm os convivas lendo-lhes o livro das sortes, indicando se alguém deles se enamorava. Previu amores a D. Felismina, solteira, na altura dos quarenta anos, e que ela, para conhecer sua cara metade, teria de ir à igreja, domingo. E revela o autor que Rangel apaixonara-se por Joaninha, filha do João Viegas, mulher que ele, Rangel, conhecia desde a infância dela. Pacato, não se lhe declarava; fantasioso, imagina-se em aventuras nas quais obtêm, sempre, sucesso invejável em todos os seus empreendimentos.

Na casa de João Viegas, repleta de pessoas, chegam Calisto e um rapaz, Queirós, bonito e de trato agradável, cuja entrada na casa foi triunfal. Não precisou Queirós de muito tempo para conquistar a simpatia e a admiração de todos os convidados dos anfitriões, exceto as de Rangel, que, testemunhando-lhe o sucesso e o enlevo com que Joaninha o fitava, embevecida, roeu-se de inveja, de amor-próprio ferido, entendendo-o como um seu rival, um rival que, pensou, e doeu-se ao pensar, não poderia sobrepujar em batalha pelo coração de Joaninha, a personagem de seus devaneios de homem doentiamente apaixonado. Mas não se declarava Rangel à Joaninha; não lhe entregava a carta que lhe escrevera; e fantasiava: via-se, feliz, na companhia dela. Sua felicidade, uma fantasia; o mundo, o real, e não o onírico, às fantasias de sua imaginação ínfrene punha um obstáculo: Queirós. Enfim... Encerro o meu comentário, para não incorrer numa indiscrição, um pecado mortal: o de revelar o desenlace da trama urdida pelo magistral criador de Capitu.

Um adendo: Rangel é um símbolo de personalidade comum, menos incomum do que se pensa.


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Mariana (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


Dos contos enfeixados no volume Várias Histórias, Mariana foi o único que me desgostou. Seu desenlace não é digno do talento do Bruxo do Cosme Velho. O ponto de inflexão da minha expectativa, passando da favorável à desfavorável quanto ao desenrolar trama, e posterior arremate final, deu-se à leitura da cena sucedida no escritório da casa de Mariana e Xavier: Evaristo, o herói da história, a admirar um retrato de Mariana, de vários anos antes, ela, então, na flor de seus vinte e cinco antes; o cômodo, decrépito, o de quando Evaristo visitou, pela última vez, Mariana, o que se havia passado dezoito anos antes de ele ir-se à Europa.

O rompimento entre Evaristo e Mariana, sua amante e esposa de Xavier, deu-se à descoberta, pela mãe de Mariana, da relação ilícita entre ele e ela; a mãe de Mariana intercedeu em favor da conservação dos laços matrimoniais contratados por sua filha e Xavier sete anos antes. Obrigados a romperem o relacionamento ilícito, os amantes sofreram. Mariana quase deu cabo de sua vida; não morreu, entretanto, mas flagelou-a sofrimento indescritível.

Regressado da Europa dezoito anos após ser obrigado a afastar-se de sua amada, Evaristo foi em vista a ela; e, na casa dela, após alguns minutos de espera, no escritório, a admirar-lhe o retrato pendurado à parede, encontra-a no gabinete, mortificada, aos pés de Xavier, enfermo, estirado num canapé, em vias de partir desta para a melhor. Evaristo fala à Mariana, que, ocupada com seu marido, não lhe dedica um mísero olhar. E morre Xavier uma semana depois. Mariana não lhe comparece ao enterro, e nem à missa de sétimo dia dedicada a ele. Evaristo foi visitá-la na casa dela, e não a encontrou. E viu-a, de luto, retirando-se da Igreja do Espírito Santo; e ela fingiu não vê-lo. E Evaristo regressa à Europa.

Não correspondeu às minhas expectativas a trama, após a cena que se deu, no escritório, Evaristo a fitar o retrato de Mariana e a evocar o capítulo final de sua relação com ela. Eu antevera ao conto um epílogo, que Machado de Assis não considerou. Se posso me atrever a dizer, que ousadia! quanta presunçoso!, o capítulo final que ao conto imaginei é melhor do que o que Machado de Assis lhe deu.


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Conto de Escola (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


É este Conto de Escola um dos contos mais populares de Machado de Assis. É seu protagonista Pilar, a coadjuvá-lo dois condiscípulos seus, Raimundo e Curvelo, e o professor Policarpo, severo, amigo do rapé e da palmatória, sempre a aplicar "bolos" nas palmas dos alunos que não se incumbiam de suas tarefas escolares e tampouco agiam com correção. É Pilar, menino inteligente e traquinas, filho de um empregado do arsenal de guerra; na escola, naquele fatídico dia, que lhe entraria pela memória, e dela jamais sairia, devaneava ao ver, pela janela, atrás do morro do Livramento, um papagaio de papel, que lhe inspirou o arrependimento: o de ir à escola, e, assim, não poder compartilhar com outros moleques, os vadios, classifica-os assim o narrador, Chico Telha, Américo e Carlos das Escadinhas, o prazer de empinar papagaios. É Raimundo, de inteligência curta, temente ao pai. E Curvelo... Este entra, intrometido sem ser querido, na história, para representar o papel que o autor lhe designou para poder inserir o ingrediente que entendeu indispensável à trama, e dela retira-se com o rabo entre as pernas. E são a "pratinha" - "moeda do tempo do rei" - e o tambor da companhia do batalhão de fuzileiros os elementos centrais do enredo; ao redor deles os eventos se sucedem, os personagens se movem. É o conto simples, e de conclusão inusitada.

Com desenvoltura de mestre do conto, Machado de Assis conduz o leitor para uma direção, e, surpreendendo-o, abandona-o em outra, que ele não pode antecipar.


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Um Apólogo (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


É este o conto mais popular de Machado de Assis; ou um dos mais populares. Rivaliza-se com O Alienista e com Um Conto de Escola. Incorre-se em erro imperdoável ao dá-lo como um conto?! Não seria o mais apropriado classificá-lo na categoria de apólogo?! Não creio que tal controvérsia tenha algum valor. Talvez tenha-o.

São as personagens deste despretensioso conto do Bruxo do Cosme Velho uma agulha e um novelo de linha, e os figurantes, que jamais se pronunciam, uma baronesa e uma costureira, nenhuma delas nomeada, e um alfinete, que arremata o conto - ou, digo melhor, o apólogo?!

A rivalidade entre a agulha e a linha, ambas presunçosas, é o tema do conto, que é bem curto, de uma página e mais algumas linhas. Ambas as protagonistas digladiam-se verbalmente, disparando uma contra a outra farpas ferinas, desdenhando da importância uma a da outra, e superestimando-se, até o relato definir a vitoriosa; e neste ponto, encerrada a disputa entre elas, o conto não se conclui - este é um final, que poderia agradar a muitos autores, que se dariam com ele satisfeito; mas ao conto Machado de Assis decidiu adicionar outro personagem, um alfinete.

Coça-me, a inspirar-me o espírito do criador do Sítio do Picapau Amarelo, o desejo de reescrever este conto, apólogo, de Machado de Assis, dando-lhe outra tecitura, outra conclusão, mas contenho-me em minha ambição presunçosa, e guardo comigo o que me ocupa a mente.

Em vez de animar este conto com animais antropomorfizados, o que é comum nas fábulas, Machado de Assis presenteou uma agulha, um novelo de linha e um alfinete com qualidades humanas, a inveja, a presunção, a vaidade, o desdém, o cinismo.

É este apólogo um conto despretensioso, destituído de sofisticação. Ou é sofisticado em sua simplicidade, aparente simplicidade?!


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D. Paula (Várias Histórias) - de Machado de Assis.


A aventura amorosa de Venancinha, sua sobrinha, esposa de Conrado, traz à memória de D. Paula reminiscência de suas aventuras amorosas com Vasco Maria Portela, antigo diplomata e barão, o pai do pretendente de Venancinha, tambêm este Vasco.

Conrado, ciente da relação entre sua esposa e Vasco, relação que não se consumou em ato ilícito, na certeza de que eles se gostavam, enciumado, tratou, certo dia, com rispidez, secura, sua esposa. D. Paula deparou-se com sua sobrinha aos prantos, pediu-lhe confidências; ela falou-lhe da altercação com o marido, temendo separação, o que a chateava, a entristecia. Não lhe era do desejo o fim do matrimônio. A tia, então, comprometeu-se a ajudá-la, e propôs irem ambas à sua chácara na Tijuca, lá se manterem durante alguns dias, enquanto Conrado permaneceria em sua residência. Acreditava que a distância entre o marido enciumado e a esposa dele, resfriar-lhe-ia os ânimos, e amainar-lhe-ia o coração, endurecido pelo ciúmes. E foi o que se deu. Mas este não é o centro da trama, tampouco a paixão de Vasco, o filho, por Venancinha, e a correspondência dela, em um primeiro momento, ao amor que ele lhe tinha e que se acabou antes que ela se envolvesse numa aventura que lhe transtornasse o espírito. Compreensível: não são Venancinha e Vasco os protagonistas do conto, cujo título não conta com os nomes deles. É D. Paula a protagonista. E é a recordação da aventura sua com Vasco Maria Portela, o pai do Vasco que se enamorara de Venancinha, inspirada pelo caso amoroso de Venancinha e Vasco, o tema desta história machadiana. As recordações de D. Paula a ela chegam em vagalhões, que a desnorteiam: sua mocidade repleta de energia, de volubilidade, que lhe pertencia a ela, D. Paula, agora viúva respeitável, nobre, senhora de autoridade.

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