quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Várias notas breves

 Personalidade autoritária


A pessoa de personalidade autoritária, intransigente, jamais faz uso racional da palavra para se fazer ouvir, para convencer outras pessoas da correção de suas (dela, pessoa autoritária) idéias, e jamais é bem intencionada; está, sempre, a ocultar de todos as suas reais intenções. Tem, sempre, o desejo de se impôr, se possível pela força; não o podendo, por escassez, ou inexistência, de porte físico superior, e desprovida de autoridade, que um título lhe concede, faz uso de outros instrumentos, e um deles é a atitude amigável - amizade simulada -, respeitosa, falsamente respeitosa - estreita com a pessoa que intenta converter em sua vítima, ocultando-lhe seus verdadeiros intentos atrás de um semblante sereno, a expressar-se num tom de voz harmonioso, os laços fraternais até fazê-la dela emocionalmente dependente; ou faz uso, para tirar de sua vítima a vontade de lhe aventar objeções, de xingamentos, e desinibidamente; ou então, contrariada em seus propósitos, irritada, e a se segurar, em vão, para se apresentar como pessoa elegante e sofisticada, desejando ridicularizar a pessoa que se lhe opõe, humilhá-la, dela debocha, com ar escarninho, de superioridade, inconformada com a ousadia dela em se recusar a concordar-lhe com tudo o que diz. Não é raro, à chantagem emocional a adição de comentários jocosos, para ridicularizá-la, apresentados, infalivelmente, num tom simpático, amigável, não raro monocórdio, principalmente se desconfortável com as objeções irrefutáveis que sua vítima lhe apresenta.


*


"O bandido, vítima da sociedade, ao matar alguém, manifesta a revolta, que lhe consome a alma, à opressão social, que o vitimiza; merece de todos, portanto, compreensão, e apoio moral, e não a alcunha  de assassino e a condenação à prisão. O policial, ao matar o bandido ao bandido se iguala; portanto, é um assassino, e tem de ser condenado à prisão." - palavras do carinha.


*


"Não há conhecimentos superiores e conhecimentos inferiores. Há, apenas, conhecimentos diferentes. As pessoas que têm conhecimentos diferentes dos meus me são inferiores porque meus conhecimentos são superiores às delas, pois eu tenho consciência social, coletiva, de classe." - palavras do carinha.


*


"O bom professor não transmite conhecimentos ao alunos, afinal o ato de transmitir conhecimentos é opressor. Eu transmito aos meus alunos conhecimentos porque os conhecimentos que eu lhes transmito, superiores, são libertadores." - palavras do carinha.


*


" A verdade é relativa. Tal afirmação, uma verdade, é absoluta, não permite objeção." - palavras do carinha.


*


O artefato bélico mais devastador do que a bomba nuclear.


O meu chinelo é mais devastador do que as bombas nucleares.

- Que besteira, Sergio! Que besteira!

Besteira?! Que besteira?! Declaro que é o meu chinelo mais poderoso, mais devastador, do que as bombas nucleares, e provo, e provo cientificamente, que o é. Cientistas afirmam que, se houver uma catástrofe nuclear, as baratas serão os únicos seres vivos que à desgraça apocalíptica sobreviverão. Ora bolas, toda vez que empunho o meu chinelo, ao meu campo de visão uma barata, que está no raio de ação da mão que empunha tão tecnologicamente sofisticado artefato podálico, e não se me escapa ao golpe a criatura de, cá entre nós, desenho anatômico inegavelmente impressionante, eu a esmago com um golpe esmagadoramente esmagador, matando-a, esteja ela no chão, ou na parede. Nenhuma me sobrevive ao golpe. E com um golpe a esmago. Ora bolas, e bolinhas, e bolotas! se as baratas sobrevivem à catástrofe nuclear, e ao meu chinelo, não, então o meu chinelo é mais poderoso do que as bombas nucleares. Aqui está, querido leitor, a prova científica que sustenta a minha tese, que nasce de observações de eventos físicos associadas com dissertações de cientistas, e não de abstrações filosóficas, de especulações metafísicas destituídas de ingredientes concretos.

Um adendo: É só o chinelo que me protege o pé direito que tem tão magnífico poder destrutivo; o esquerdo, por alguma razão, que desconheço, e que ainda não está cientificamente provada, não.


*


Bandidolatria em dose dupla.


Parece piada, mas não é. Se é piada, é de mal gosto, monstruosamente criminosa, um retrato, e retrato fiel, do abismo existencial, moral, que ora prevalece, não digo na sociedade brasileira, mas no jornalismo nacional.

Em uma reportagem de telejornal, ao narrar e comentar um episódio trágico, que se repete, num ritmo alucinante, cujos personagens são um policial e dois bandidos, a jornalista, para descrever a ação dos bandidos, afirmou que eles atiraram, para se defenderem, no policial, cinco vezes, alvejando-o, e matando-o.

Querido leitor, você entendeu, eu sei, o que leu no parágrafo anterior. E não! não escrevi asneiras, não escrevi bobagens. Não me equivoquei no uso das palavras, não. Não me confundi ao dizer o que a jornalista declarou, não. Não se esqueça, ou, se não sabe, saiba: vivemos num país em que não poucos professores de filosofia vêem lógica no assalto. A jornalista, a que apresentou a reportagem da qual trato aqui, nesta nota breve, disse, e com todas as letras, que os bandidos atiraram, para se defenderem, no policial, e aventou a hipótese de o policial haver, imprudente, e inconsequentemente,esboçado reação. Quanta sandice há em tal reportagem! Quanta miséria intelectual! Quanta demência moral! Converteu-se o policial num vilão, e os assassinos nas vítimas dele. Não se condenou os criminosos, assassinos, que usaram armas - e armas matam, não é mesmo?! - e condenou-se o policial porque ele talvez tenha reagido, inadvertidamente, o que faz dele culpado por sua morte, à ação dos criminosos, seus assassinos. Bandidolatria em dose dupla.


*


Inferno Ortográfico


A Língua Portuguesa é deveras complexa. Bela, e assustadora. Assustadoramente formosa. Toda pessoa íntima da Última Flor do Lácio, idioma de Camões, admira-a, embevecida, e diante dela petrifica-se. Sua gramátiva, a Medusa lusitana. E a ortografia de seu rico vocabulário, de fazer palpitar, e suspender, o coração de todos. Quantas palavras há no completo dicionário, que jamais foi, e, acredito, jamais será, escrito, da Nossa Língua Portuguesa? Quinhentos mil? Um milhão? Ninguém sabe. Ninguém jamais saberá. Há palavras que são de simples ortografia, e qualquer pessoa a reconhece ao vislumbrá-la ao longe. "Caneta" (substantivo que designa o instrumento que uso para escrever esta crônica), "bolo", "ovo", "viver", "batata", "bonito" e "moeda" são algumas delas, populares, de todos amigas. Elas não constrangem ninguém. Mas há aquelas que atormentam os homens, tiram o sono dos justos. "Xícara", "enxada", "chapéu", "açúcar", "pesquisa", e muitas outras. Quem nunca escreveu "chícara" não é filho de Deus. E não é católico quem jamais escreveu "assucar". E "pesquiza" quem nunca a pôs no papel?! Levante a mão quem jamais pôs "ch" em palavras que pedem "x", e vice-versa, e quem nunca trocou "s" por "ç", ou por "ss", e "xc" por "c", e "ç" por "ss", e... Detenho-me. Entendeu-me o leitor. Se eu já me enrosquei com a ortografia de algumas palavras?! Mas é claro que já. Sou um filho de Deus, um humilde e pecador filho de Deus. A lista de palavras cuja ortografia me engasga tira-me do sério, rouba-me a paz de espírito. Não posso dá-la a conhecer, de tão extensa é, ao leitor, que me pede exemplos. Aqui estão dez: "despesa", "chácara", "xícara", "assombração", "pneumático", "esquisito", "chicória", "cereja", "cismar", "sossobrar". Se errei a ortografia de uma, ou mais de uma, delas, que me perdoe o leitor a ignorância. E lembre-se: você, leitor, que também é um filho de Deus, tem a sua arqui-inimiga. Qual é? "Chácara"?! "Exercício"?! "Malvado"?! "Doença"?! "Inconstitucionalissimamente"?! "Pindamonhangaba!?" E para complicar a brincadeira, inventaram de criar palavras de igual som e diferente ortografia: "mal" e "mau", e "conserto" e "concerto". E quantas mais?! Não me detenho para me recordar de outros exemplos.

São, agora que escrevo esta crônica, dez da noite. Daqui a pouco, me deitarei para dormir. Quero dormir em paz, com os anjos, e com a Brigite Bardot. Não quero me revirar, na cama, a viver um pesadelo gramatical, a transpôr a noite em branco, e amanhã de manhã, às sete horas, retirar-me da cama, a bocejar, e sonolento percorrer todo o dia. Não irei, portanto, estender-me, aqui, a tratar de um assunto que me atormenta o espírito.

Sei que você, leitor, tem de se ocupar de outros afazeres. Para não prendê-lo com as minhas palavras, encerrarei a crônica, que é curta, com uma notícia, que trata de caso meu, pessoal, que me disponho, e com muito boa-vontade, a compartilhar com você, que merece conhecê-lo: de todas as palavras que eu conheço, e eu digo, sem falsa modéstia, que é meu vocabulário razoavelmente rico (Queriam o que de um leitor de Camilo e Eça, de Machado, e de Rui, e de Coelho Neto?!) - há uma cuja ortografia atormenta-me enormemente, atazana-me imensamente, perturba-me grandemente, inferniza-me diabolicamente: associação. Eu a escrevi com a ortografia correta, sei, porque, antes de a pôr no papel, consultei os queridos pai-dos-burros que tenho à minha disposição, os dois. Até hoje, se me atrevo a escrever, sem me dignar a consultar os meus tutores, a palavra que tanto me aflige, incorro em erros grosseiros, imperdoáveis para um leitor de Camilo, Eça, Machado, Rui e Coelho Neto. Não sei se a palavra que tanto me rouba a tranquilidade de espírito se escreve com dois "esses", com "c" ou com "cedilha". Queima-me o espírito em tal inferno ortográfico, dantesco!


*


"Gente insana! Vivemos numa democracia, e há gente que, recusando-se a entender que numa democracia toda pessoa tem o direito à liberdade de expressão para expressar suas opiniões, a usam para expressar idéias que não estão em acordo com as minhas, que são as corretas, as que conservam, viva, a democracia. Que se expresse, livremente, cada pessoa, sua opinião a respeito do que quer que seja, entendo. Não entendo, todavia, porque insiste-se em expressar idéias que,contrárias às minhas, acabam por gerar comigo atritos, conflitos, impossibilitando,portanto, assim, o surgimento de uma convivência harmoniosa entre nós. É anti-democrática, fanática, negacionista, tal gente! Gente insensata! Tal gente não entende o que é democracia! Não sabe usar corretamente a liberdade de expressão! Gente insana!" - palavras do carinha.


*


"Nos campos de concentração de Auchwitz e Treblinka os nazistas matavam pessoas. Nos campos de reeducação da Sibéria, as gulags, os comunistas ofereciam aos ideologizados dissidentes fascistas a oportunidade de aprenderem as virtudes do nosso ideal. Os fracos física e psicologicamente morriam porquê imerecedores do paraíso coletivista que num futuro que nossos líderes profetizaram, próximo, erigiremos." - palavras do carinha.


*


"A igualdade entre as pessoas consiste na igualdade entre elas e admite entre elas a desigualdade porque na igualdade, elas, desiguais, e porquê desiguais, não sendo iguais, se desigualizam na desigualdade que as igualizam na igualdade da desigualdade e se igualizam na igualdade que as desigualizam na desigualdade da igualdade, assim igualizando e desigualando os iguais e os desiguais desigualizados e igualizados." - palavras do carinha.


*


"A política de distribuição de renda transfere do rico para o pobre a renda do rico, e o pobre, agora, com a adição, na sua renda, de parcela da renda do rico, enriquecendo-se, é rico, e, sendo rico, tão rico quanto o rico, que lhe transferiu uma parcela de sua renda, e sendo o rico opressor, cabe ao agente estatal distribuidor da renda tirar do rico, e do pobre, agora rico, o excedente da renda que lhes permite viver com supérfluos que o mercado injusto e criminoso lhes oferece, para conceder-lhes o direito de viverem, unicamente, com os recursos que lhes conservam a vida, assim impedindo-os, porque não têm eles consciência do mal que o mercado lhes causam, de se corromperem com o contato com o vil metal, assumindo, assim, os que, seres abnegados, dignam-se a dedicarem-se a organizarem a sociedade perfeita, cujos cidadãos não se sujam na imundície da desigualdade de renda, às tarefas desgastantes e exaustivas, que lhes consomem tempo e energia, que não se renovam, de ereção e conservação da sociedade igualitária, coletivista, tarefas pelas quais são merecidamente remunerados com salários que lhes permitem usufruir de bens e serviços que a comunidade coletiva produz." - palavras do carinha.


*


"Não entendo porque certas pessoas insistem em viver como bem entendem, e não de acordo com a cultura, os costumes, os hábitos da nossa democracia, que já determinou quais são as regras de conduta para todos, e que já estabeleceu o conteúdo dos livros escolares, e que já definiu quais são os costumes democráticos aceitáveis. Não sabem tais pessoas que elas podem viver livremente, a expressarem-se livremente suas idéias, ao insistirem em usar da liberdade de expressão para oporem-se ao que a nossa vigorosa, autêntica democracia determinou, estabeleceu, definiu, estão a criar desarmonia e atritos desnecessários que vão em prejuízo do bem comum." - palavras do carinha.


*


"As armas são, nas mãos dos policiais, instrumentos de opressão; daí a necessidade de tirar-lhas das mãos. E nas mãos dos bandidos, pessoas que a sociedade conservadora e cristã oprime, meios de libertação; daí dever-se nas mãos deles conservá-las e a eles oferecer facilidades para obtê-las." - palavras do carinha.


*


"No útero da mulher que está para conceber uma criança, há uma coisa, agrupamento de cêlulas, que não é um ser vivo, pois, não se definindo, cientificamente, o momento exato em que a vida começa, na coisa, o agrupamento de células, nela inserindo-se, não há o momento exato em que tal se dá, e, não o havendo, tal momento, portanto, inexistindo, da inexistência dele se conclui que, sabendo-se que em algum momento da gestação tal ocorre, ou não, é uma arbitrariedade afirmar-se que ocorre em determinado momento, que é arbitrário, não estando cientificamente provada a sua ocorrência em determinado momento, momento, este, o da inserção natural da vida na coisa, o agrupamento de células, que não é um ser vivo, mas apenas uma coisa, momento que pode estar em qualquer momento, ou em nenhum momento, do estágio, que se inicia na concepção e se encerra no nascimento, intra-uterino da coisa, o agrupamento de células, e porque pode estar tal momento em nenhum momento, pois a inexistência de uma prova científica da existência do momento em que na coisa, o agrupamento de cêlulas, a vida se insere, prova a inexistência de um momento em que tal se dá; assim sendo, conclui-se, portanto, que durante a gestação, no útero da mulher há, não um ser vivo, mas apenas uma coisa, um agrupamento de cêlulas, cuja remoção jamais pode ser considerada crime." - palavras do carinha.


*


"Não tem o professor de transmitir ao aluno conhecimentos, por duas razões: o ato de transmitir conhecimentos é opressor, oprime o aluno e o professor; e, não há conhecimentos superiores e conhecimentos inferiores, mas, apenas, conhecimentos diferentes. Para libertar o aluno, e se libertar, e sem o oprimir, e sem se oprimir, transmtindo-lhe conhecimentos, o professor tem de saber quais os conhecimentos apropriados que o ajuda a se ajudar e a ajudar o aluno a se libertar e a libertar-se o professor a si mesmo do opressor ato, o de transmitir conhecimentos, que o professor pratica ao transmitir ao aluno conhecimentos, e assim liberta-se e liberta-o ao transmitir-lhe os conhecimentos que adquiriu, os apropriados para, libertando-se, libertar o aluno." - palavras do carinha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário