terça-feira, 29 de novembro de 2022

Uma nota

 "Oprimir os brasileiros, moleza. Encontrei a fórmula mágica para atingir os meus objetivos. Já identifiquei os grupos sociais que podem vir a me impôr resistência: o grupo A, o grupo B, o grupo C, o grupo D e o grupo E. Irei destacar um deles. E demonizarei todos os seus integrantes. Chamá-los-ei nazistas, fascistas, negacionistas, extremistas, radicais, golpistas, fanáticos, genocidas; enfim, pintá-los-ei como os tipos mais desprezíveis, mais execráveis, mais detestáveis do universo, pessoas das quais todas as pessoas dos outros quatro grupos desejarão se manter distantes. Melhor: farei com que as pessoas dos outros grupos as odeiem, as detestem, e delas queiram a prisão, o exílio, a morte. É tiro e queda! Começarei com a grupo A. E estabelecerei uma relação de respeito e amizade com o grupo B, o grupo C, o grupo D e o grupo E. Assim que eu exterminar os brasileiros do grupo A - e os brasileiros dos outros quatro grupos irão me elogiar -, destacarei o grupo B, e dele rotularei os integrantes de nazistas, fascistas, genocidas, golpistas; farei com eles, enfim, o que fiz com os brasileiros do grupo A. E estenderei, num gesto de amizade, as mãos aos brasileiros do grupo C, do grupo D e do grupo E. E assim que eu dizimar o grupo B - e os brasileiros do grupo C, do grupo D e do grupo E me agradecerão pelo feito heróico -, mirarei o grupo C, e com este farei o que fiz com o grupo A e com o grupo B. E exterminados os brasileiros do grupo C - e os do grupo D e os do grupo E me elevarão à condição de herói nacional -, voltarei a minha atenção para o grupo D, e com ele farei o que fiz com o grupo A, com o B e com o C. E dando aos brasileiros do grupo D fundas covas - e os brasileiros do grupo E me erguerão aos céus, me cantarão loas -, apontarei o cano do fuzil para a nuca dos brasileiros do grupo E. E assim, erguerei o meu reinado. Fim."

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Um conto

 Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada - Uma História do Joãozinho.


Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada - Uma História do Joãozinho. - parte 1 de 4.


No dia anterior, um sábado, o frio, que fazia tremerem, e dos pés à cabeça, todo filho de Deus, e deles baterem, até trincarem, os dentes, impediu que Joãozinho e a irmã de Joãozinho se divertissem, antes das onze horas e depois das quinze horas, no quintal da casa. Durante as quatro horas que ficaram à disposição deles, brincaram Joãozinho e sua irmã de esconde-esconde e de pega-pega, e inventaram brincadeiras que a livre, indomada, imaginação infantil lhes inspirava. Após o café-da-tarde, ambos de banho tomado, enquanto comiam um bom bocado de biscoitos, de bolachas, de pães-de-queijo, e de pães-de-vento, e cada um deles duas maçãs, e bebiam um bom copo de leite com achocolatado, ouviram a mãe deles lhes contar histórias do arco-da-velha, e da Mamãe Gansa, e da carochinha, e histórias inúmeras, lendo-as nos livros que tinha a família de Joãozinho em sua casa: a da Branca de Neve, a do Gato de Botas, a do Soldadinho de Chumbo, a do Aladin, a do Dom Quixote, a da Cinderela, a do Hércules, a do Rei Arthur, a do Pedro e o Lobo, a do Moby Dick, e algumas outras, todas cativantes, que prenderam a atenção das duas imaginosas crianças, excitaram-lhes a imaginação por natureza bastante fértil.

Era noite alta quando o pai de Joãozinho regressou de uma viagem, na companhia de seu pai e do irmão de seu pai, iniciada, naquele mesmo dia, antes de o galo cantar anunciando o Sol, que decidira acordar quatro horas depois de o galo anunciá-lo. Abraçaram, contentes, alegres, o pai, Joãozinho e a irmã de Joãozinho, ao pularem-lhe em cima, obrigando-o a se agachar para acolher aos seus braços seus dois pequenos herdeiros, ambos os dois buliçosos e traquinas. Assim que pôde respirar com liberdade, o pai de Joãozinho disse-lhes que lhes trouxera e à mãe deles uma surpresa, a qual eles conheceriam depois de ele se retirar, de sob o chuveiro, perfumado e cheiroso. Joãozinho e a irmã de Joãzinho levaram cada um deles ao próprio nariz os dedos polegar e indicador, apertando-lhe as abas, exibiram no rosto esgares de repulsa, e, com a mão direita, abanando-a diante do rosto, para espantar inexistente mal-cheiro que o corpo do pai deles exalava, disseram, ao mesmo tempo:

- Que fedidinho. Parece um porquinho. Papai, vá tomar um banho com água e sabão, para ficar limpinho e cheiroso - e foram empurrando o pai até o banheiro.

Vinte minutos depois, saiu o pai de Joãozinho de dentro do banheiro, vestido com blusa e calça, e logo anunciou aos filhos e à esposa que iria ao carro buscar a surpresa que lhes preparara. E foi ao carro. De regresso, exclamou:

- Preparem o forno, comilões!

Joãozinho e a irmã de Joãozinho arregalaram os olhos ao verem na mão direita do pai deles uma pizza, saborosa, sabiam Joãozinho e sua irmã, que correram, a reboque do pai, até a cozinha.

Enquanto no forno assava-se a pizza, que, dentro de alguns minutos, quatro bocas a devorariam, na sala-de-estar, em uma assembléia pra lá de animada, o pai de Joãozinho, a mãe de Joãozinho, Joãozinho e a irmã de Joãozinho contaram inúmeras histórias divertidas, e o pai de Joãozinho falou da viagem que realizara, naquele dia, com seu pai e seu tio.

Pizza preparada para ser saboreada, e devorada, na mesa pratos, talheres, copos, garrafa de refrigerante de sabor de guaraná, à mesa sentados os quatro comensais, que se refestelaram, gostosamente, com o acepipe, néctar dos deuses. Indomada foi a animação. Daquela casa ouviram-se gargalhadas altissonantes.

Enfim, ao fim chegou a farra da pizza, assim disse o pai de Joãozinho. Recolheram todos os da família à pia da cozinha os utensílios que na refeição usaram os agora de bucho cheio devoradores de pizza, nas palavras de Joãozinho, e a mãe de Joãozinho, a auxiliá-la a prendada irmã de Joãozinho, lavou-os, enquanto ouvia sua filha falar-lhe, sem interrupção, de brincadeiras e desenhos animados.

Um pouco antes das vinte e duas horas pai,mãe e filhos recolheram-se aos quartos, para dormir. A irmã de Joãozinho, tão logo, sob os cuidados de sua mãe, se ajeitou, na cama, embaixo dos cobertores, cerrou as pálpebras, e dormiu, antes de de sua mãe ouvir a benção que lhe pedira, e receber, no rosto, um beijo suave, carinhoso, maternal. Joãozinho, por sua vez, não conciliou o sono. Remexia-se na cama, sem parar um segundo sequer. Pediu ao seu pai que lhe contasse histórias; e seu pai tirou da prateleira um livro de capa repleta de desenhos coloridos e recheado de histórias de aventuras das quais Joãozinho tanto gostava, e pôs-se a ler a primeira delas. Quarenta minutos depois, Joãozinho sonhava com os anjos.

Tão logo acordou naquela manhã de domingo, fria, Joãozinho pôs-se, deitado na cama, sob os cobertores, a contar para si mesmo aventuras maravilhosas, fantásticas, em voz audível, alterando o timbre da voz a curtos intervalos, interpretando, assim ele entendia, os heróis das extraordinárias aventuras que lhe animavam o espírito; e ora o seu semblante assumia um ar circunspecto - Joãozinho a simular um tom de voz grave, de um sábio venerável; ora transfigurava-se no de um rei nobre, justo e valente - e sua voz assumia tom imperioso; ora transparecia candura e meiguice de um simples e honrado camponês ou de um súdito humilde - e sua voz tinha um tom calmo, tranquilo; ora irradiava a valentia de um espadachim, ou de um soldado, ou de um guerreiro, a enfrentar, ou um dragão, ou um pirata - e sua voz ganhava proporções heróicas. Assim que seu pai passou-lhe à frente da porta do quarto, ouvindo-lhe a voz, deteve-se; intrigado, abriu, lenta, e cuidadosamente, a porta, e espiou para dentro do quarto, e divisou, à semi-escuridão reinante, seu filho, a mover dois bonecos, cada um com uma das mãos, um contra o outro como que envolvidos ambos em embate feroz, e ouviu-lhe dizer: "Você irá se arrepender, bandido malvado. Você ficará preso, para sempre, na caverna da Ilha das Cobras Assassinas." Joãozinho, ao sentir a luminosidade, que passava pelo vão da porta entreaberta, em si, voltou-se para a porta, viu seu pai, sorriu-lhe, e disse-lhe:

- Bença, papai.

E antes que ele lhe desse a benção, anunciou-lhe:

- Papai, estou inventando uma história de príncipes e princesas, de gigantes e monstros, de xerifes, e de piratas. O senhor escreve, com uma caneta azul, a minha história, a que estou inventando, em papel de sulfite?

- Deus te abençoe, filho - disse-lhe o pai, que prosseguiu: - Sim. Escreverei a sua história. Antes, vá ao banheiro, e banhe-se; depois, à cozinha, comer melancia, tangerina, e pão e biscoito, e beber leite. Sua mãe e sua irmã já estão prontas para o café. Só falta você. Vamos?

Joãozinho não relutou em se retirar de sob os cobertores, e da cama. Estava animado, a mente a transbordar idéias, entusiasmado com a perspectiva de ver escrita, e com tinta azul, e pelo seu pai, em folhas de sulfite, a sua história.

Meia hora depois, na cozinha, a família, reunida, abusava de tangerinas e da melancia, e de pães e biscoitos e bolachas, e de leite com chocolate em pó, solúvel. E falava, e muito. Joãozinho era o mais animado dos quatro; seu entusiasmo, indomável.

Encerrada a refeição, saíram da casa, para irem à feira, a mãe de Joãozinho e a irmã de Joãozinho. O pai de Joãozinho e Joãozinho encavernaram-se na biblioteca, sentaram-se à mesa, o pai de Joãozinho caneta esferográfica azul na mão e uma resma de papel sulfite diante de si, pronto para registrar a história saída da mente fértil de seu filho.

- Qual é o nome da sua história? - perguntou o pai de Joãozinho para Joãozinho.

- Os Mosquiteiros da Tauba Quadrada - respondeu-lhe Joãozinho.

O pai de Joãozinho sorriu, a caneta entre os dedos polegar e indicador direitos, a um centímetro do papel que encimava a pilha de papéis de sulfite.

- Filho - chamou a atenção de seu filho o pai de Joãozinho para um detalhe, observando -, mosquiteiro é uma cortina que se usa para prender os mosquitos fora da casa. Você quer dizer mosqueteiros, heróis mosqueteiros, heróis tais quais os três mosqueteiros do livro do Dumas: Dartagnan, Athos, Portos e Aramis.

- Três mosqueteiros?! - perguntou Joãozinho, surpreso. - Mas o senhor citou quatro - observou.

- É verdade. São quatro os mosqueteiros. No início da aventura dos mosqueteiros eram os mosqueteiros três, Athos, Portos e Aramis, e não quatro; depois, entrou para os mosqueteiros o Dartagnan. Não sei porque eles não mudaram o nome de Os Três Mosqueteiros para Os Quatro Mosqueteiros.

- É um mistério, papai. É um mistério das histórias de fadas. Misterioso e enigmático.

- É verdade, Joãozinho. É um mistério. Quem escreveu a história dos três, que são quatro, mosqueteiros, foi o Dumas, Alexandre Dumas, pai do Alexandre Dumas, seu filho, que não escreveu histórias de mosqueteiros. Ou escreveu, não sei. Os mosqueteiros, os quatro, são famosos em todo o mundo. São heróis. Usam mosquetes, nos duelos, nas lutas, e não mosquiteiros, que se usa para se proteger de mosquitos.

- Mosquetes são o quê?

- Armas, armas antigas. Parecem espingardas, mas são diferentes.

- A minha história é dos Mosqueteiros da Tauba Quadrada.

- Diz-se, filho, tábua, e não tauba. E por que tábua quadrada, e não redonda?

- Porque, papai, a redonda é do Rei Arthur, que é o rei da Inglaterra, da Escócia, dos Estados Unidos, do País de Gales, do Reino Unido, da Austrália, da Grã-Betanha, da Irlanda e da França. Se eu escrever uma história da tábua redonda a rainha da Inglaterra esbravejará e puxará minhas orelhas.

- Está bem. Entendi. Posso escrever, aqui, na folha, o nome da sua história, Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada?

- Pode, papai. Escreva bem bonito. Com letra caprichada. Depois, irei mostrá-la para a mamãe, para a maninha, para o vovô, para a vovó, e para o vovô e a vovó, e para todo mundo, e para a professora e para os meus amigos da escola.

O pai de Joãozinho escreveu Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada, no alto da folha de sulfite, com a caligrafia mais caprichada que lhe foi possível, sob os olhares atentos de seu filho, que lhe acompanhou os movimentos da mão direita a envolver a caneta esferográfica azul, que desenhava, lentamente, sua ponta a deslizar sobre o papel, as cinco palavras do título da história que Joãozinho criaria.

- O senhor já escreveu, papai, o nome da minha história? - perguntou-lhe Joãozinho, paciente e impaciente.

- Sim. Escrevi. Agora, conte-me a história.

- É a história dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada. A história começa assim: Era uma vez, no tempo do Rei Arthur, um reino de um rei forte, corajoso e heróico, que, nas batalhas, lutava contra os seus inimigos, todos bandidos, homens maus, que roubavam e matavam os súditos dele, e contra monstros e gigantes, que destruíam as árvores, as casas, os castelos, e matavam muita gente. O rei mandava seus soldados os expulsarem do reino, e, se pudessem, os matarem.

- Joãozinho, você não disse o nome do rei e o do reino - observou o pai de Joãozinho.

- Reino Encantado.

- Qual é o nome do rei?

- Rei Encantado.

- Continue. O que aconteceu no Reino Encantado?

- Escreva, papai, a continuação da minha história: Um dia, uma feiticeira má, feia e magrela, de nariz de corvo e orelhas de tatu, a Feiticeira do Castelo Assombrado, misturou, num tigelão de cobre, dois metros de raiz de planta venenosa, dezoito folhas de árvores venenosas, uma planta carnívora venenosa, duas línguas de morcego, três orelhas de rato, meio quilo de escama de peixe venenoso, três dentes de cascavel, e preparou uma poção mágica, e deu-a de beber para um tatu, que, assim que a bebeu, piruetou e cambalhotou, e careteou, e arregalou os olhos, e cuspiu, várias vezes, catarro melequento, e grudou-se no teto, caiu, e transformou-se num tatu do tamanho de um boi gordo; seus olhos, vermelhos, de sangue; seus dentes, maiores que os do tigre. Disse-lhe a Feiticeira do Castelo Assombrado: "Tatu Demoníaco, vá até o castelo do Rei Encantado, rapte a Princesa Maravilhosa, e traga-a para mim. Irei encarcerá-la na Torre Fedida. Daqui um mês, irei casá-la com meu filho, o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra, o mais malvado dos meus filhos." O Tatu Demoníaco cavou, no chão, um buraco, e escavou um túnel até o quarto, que ficava no castelo do Reino Encantado, da Princesa Maravilhosa. A princesa não estava, lá, naquele momento. No quarto havia, sobre a cama, então arrumada, bonecas de pano, ursinhos de pelúcia, uma caixinha com brincos de prata e pulseiras de ouro dentro, e sete maria-chiquinhas e um telefone celular.

- Telefone celular?! - perguntou, surpreso, o pai de Joãozinho. - Havia telefone celular naquela época?

- Sim, papai. Havia. Muito, muito tempo antes, o Rei Encantado mandou o Feiticeiro do Reino Encantado construir uma grande máquina do tempo; e ele a construiu. O rei viajou para o futuro, comprou um telefone celular, e deu-o, de presente, à Princesa Maravilhosa.

- Entendi. Continue a história.

- O Tatu Demoníaco escondeu-se atrás de um baú de madeira, baú bem grande, e esperou, pacientemente, pela Princesa Maravilhosa, que, naquele momento, passeava no jardim do Castelo Encantado, o Jardim Encantado, e admirava as flores, e ouvia, maravilhada, as canções dos pássaros. Depois de umas duas horas de passeio, a Princesa Maravilhosa foi ao seu quarto, abriu a porta, e assim que no quarto entrou desabriu-a.

- Desabriu-a!? - perguntou-lhe o pai de Joãozinho. - Não entendi.

- Desabriu, papai, a porta - explicou Joãozinho, didático, professoral -, porque a porta estava aberta. A princesa, que iria trocar de roupas, não podia deixá-la aberta.

- Você quer dizer que a princesa fechou a porta?!

- Sim. Ela ia trocar de roupas. Ela, que abrira a porta, tinha que desabri-la. Com a porta desaberta, ninguém veria a Princesa Maravilhosa, dentro do quarto, a trocar de roupas.

- Entendi, Joãozinho. Entendi. O que aconteceu no quarto?

- A Princesa Encantada tirou dos cabelos a maria-chiquinha, que era de rubi.

- Princesa Encantada, Joãozinho?! Você disse que o nome da princesa é Princesa Maravilhosa.

- O nome da princesa, papai, é Princesa Maravilhosa Encantada. Ela é filha do Rei Encantado.

- O que aconteceu com ela?

- O Tatu Demoníaco, que estava escondido atrás do baú, revelou-se para a princesa, sorriu, e disse-lhe: "Eu vim raptar você, Princesa Maravilhosa Encantada. A Feiticeira do Castelo Assombrado mandou-me vir raptar você, e levar você comigo até a Torre Fedida, onde você ficará trancada até o dia do seu casamento com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra." A Princesa Maravilhosa assustou-se ao ver aquele monstro diante dela, e, sem saber o que fazia, deu meia-volta, e foi até a porta, e desfechou-a.

- Desfechou-a!?

- Sim, papai. A porta estava fechada.

- Você quer dizer, Joãozinho, que a princesa abriu a porta?

- Sim, papai. A porta estava fechada, e a Princesa Maravilhosa, assombrada e assustada, queria sair do quarto, e chamar os soldados. A Princesa Maravilhosa saiu, e mal deu um passo para fora do quarto, o Tatu Demoníaco agarrou-a, e, mais rápido do que um raio, correu, com ela aos braços, até o buraco que ele abrira para entrar no quarto, e correu, pelo túnel que ele escavara, até o Castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado, e a Feiticeira do Castelo Assombrado levou-a à Torre Fedida, e trancou-a lá dentro. Assim que regressou ao seu castelo, a Feiticeira do Castelo Assombrado disse para o Tatu Demoníaco: "Você é linguarudo. Por que você disse para a Princesa Maravilhosa Encantada que mandei você raptá-la e que eu irei casá-la com meu querido filho, o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra? Linguarudo. Se alguém, além da princesa, ouviu o que você lhe disse! Você não sabe que as paredes têm ouvidos?! Para você nunca mais dar com a língua nos dentes, deslinguarei você, língua-de-trapo." Dito e feito. E bem-feito para o Tatu Demoníaco: deslinguou-o a Feiticeira do Castelo Assombrado. Agora, ele não poderia revelar as tramóias da feiticeira para ninguém. Enquanto isso, no castelo do Rei Encantado, no Reino Encantado, a Rainha Maravilhosa Encantada entrou no quarto da Princesa Maravilhosa Encantada, procurou pela princesa, não a encontrou, e viu o buraco que o Tatu Demoníaco abrira, e desmaiou. Acudiu-a, pouco tempo depois, uma criada, que chamou, aos berros, pelo rei, que lhe atendeu ao chamado tão logo o ouviu. O Rei Encantado viu a rainha, caída, desmaiada, no chão, ajoelhou-se, e beijou-a, e ela acordou e, acordada, ainda meio confusa, disse-lhe: "Rei Encantado, a Feiticeira do Castelo Assombrado raptou a nossa filha. Ela mandou o Tatu Demoníaco raptá-la, para casá-la com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra.

- Joãozinho, como a rainha sabia que a feiticeira mandara o Tatu Demoníaco raptar a Princesa Majestosa...

- Princesa Maravilhosa.

- ... a Princesa Maravilhosa, para casá-la com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra?

- A feiticeira havia, várias vezes, ameaçado raptar a princesa, e tal história, espalhando-se pelo Reino Encantado, havia chegado aos ouvidos da Rainha Maravilhosa.

- Mas, isso não explica...

- O Tatu Demoníaco era o único monstro que cavava buracos e escavava túneis e abria buracos no chão. A Feiticeira do Castelo Assombrado era a única pessoa, em todo o universo, que conhecia a poção mágica que transformava tatu no Tatu Demoníaco.

- Ah! Entendi. - declarou o papai de Joãozinho. O pai de Joãozinho tinha outras perguntas a fazer ao seu filho; não lhas fez; preferiu ouvi-lo a contar a história. - O que o rei e a rainha...

- O Rei Encantado chamou os guardas. Assim que eles foram até ele, ele lhes disse: "O Tatu Demoníaco, aquele bicho dos diabos, criatura que existe para infernizar os homens, raptou a minha filha querida, a minha querida filha, a Princesa Maravilhosa, e carregou-a consigo até o Castelo Assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado. Entrem naquele buraco, corram, pelo túnel, até onde ele os levar, e tragam minha filha. É uma ordem, uma ordem do rei." Os guardas pularam no buraco, e minutos depois ao quarto regressaram, de mãos vazias. Um deles disse, humildemente, ao rei: "Senhor meu rei, vossa majestade celestial, imperador do universo, marido da Rainha Maravilhosa Encantada, não conseguimos ir até o castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado.

- Não conseguiram os guardas irem até o castelo dela? Joãozinho, você disse que o Tatu do Inferno...

- Tatu Demoníaco.

- ... que o Tatu Demoníaco abriu um túnel...

- Ele não abriu um túnel; ele cavou um buraco.

- ... ele cavou um buraco e um túnel...

- Ele escavou o túnel.

- ... e o Tatu Demoníaco cavou, no chão, um buraco, e escavou um túnel do Castelo da Feiticeira Assombrada...

- Castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado.

- ... do castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado até o castelo do Rei Encantado, e abriu um buraco no chão do quarto da Princesa Maravilhosa, e, após agarrá-la, pelo túnel carregando-a consigo, foi até o castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado. E os guardas do Reino Encantado entraram, pelo quarto da princesa, no túnel, mas não conseguiram chegar no castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado. Não entendi, Joãozinho. Explique-me este ponto.

- Papai, a Feiticeira do Castelo Assombrado criou um feitiço para fazer desaparecer o túnel - disse Joãozinho, um tanto desdenhoso, não querendo acreditar que seu pai não sabia que as feiticeiras preparam feitiços que fazem túneis desaparecerem.

- Entendi. O que aconteceu a seguir?

- O Rei Encantado disse para o chefe dos guardas: "Envie uma carta, com selo real, para os Mosqueteiros da Tábua Quadrada. Diga-lhes que é uma ordem, uma ordem do rei."

- Quem escreveu a carta, Joãozinho?

- O Escrivão do Reino Encantado. O Escrivão do Reino Encantado escreveu a carta, e entregou-a ao Mensageiro do Reino Encantado, que, tão logo dele a recebeu em suas mãos, montou em um cavalo preto, robusto, muito forte, e, montado no cavalo, e protegido por quatro soldados do exército do Reino Encantado, foi até onde se situava o quartel-general dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada, que ficava a dois dias de distância do Reino Encantado. Lá chegando, os lavradores deram de beber ao mensageiro, ao cavalo dele, e aos quatro soldados, e aos cavalos destes, que o acompanharam na longa jornada, água bebível, bem limpa, sem micróbios, sem bactérias e sem vírus. Depois, conduziram o mensageiro e os soldados até um restaurante, e pagaram-lhes, para cada um deles, duas marmitas. Esfomeados, eles, com sono, e cansados, não viam a hora de encherem a barriga com arroz, feijão, coxinha de frango, ovo cozido, ovo frito, peixe assado, alcatra, atum, sardinha, alface, chicória, tomate, lasanha, bife de fígado, peru assado, queijo ralado, cuscuz, almeirão, batata frita, e pudim de caramelo, bolo de chocolate, maria-mole, rapadura, bombom de chocolate com recheio de limão, gelatina de morango e gelatina de abacaxi, e bala de caramelo, e, depois de encherem a pança, dormirem numa cama confortável. Para os cavalos deram alfafa; e os levaram ao estábulo, onde eles dormiram. O mensageiro entregou a mensagem para o líder dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada, Sansão, que removeu-lhe o selo real, e leu-a, atentamente. Encerrada a leitura de tão importante mensagem, disse Sansão ao mensageiro: "Descanse, caro amigo. Descanse. Durma. Sonhe com os anjos. Atenderei à ordem do Rei Encantado. Reunirei os outros mosqueteiros. Iremos ao Reino Encantado. Resgataremos a Princesa Maravilhosa Encantada das garras da maléfica Feiticeira do Castelo Assombrado. Moveremos mundos e fundos para salvá-la. Descanse. Descanse." O mensageiro e os quatro soldados dormiram até a manhã do dia seguinte. Reuniram-se, no quartel-general dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada,Sansão, Homem dos Lobos, Homem dos Macacos, Aladin, Guerreiro do Martelo de Aço, Príncipe da Branca de Neve, Saci Pererê, Curupira, Espadachim Escarlate, Arqueiro Dourado, Homem Que Controla Água, Caçador de Monstros, Cavaleiro da Armadura Prateada, Xerife da Cidade Iluminada, Cavaleiro do Reino das Águas e Homem-Pássaro. E Sansão disse para os mosqueteiros: "Salvaremos a Princesa Maravilhosa, que está presa na Torre Fedida. A princesa não irá se casar com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra, filho da Feiticeira do Castelo Assombrado. Preparem-se, mosqueteiros, para a guerra. A Feiticeira do Castelo Assombrado sabe preparar muitos feitiços. Ela enfeitiça plantas e animais, e os tranforma em monstros devoradores de mosqueteiros. Ela conhece poções mágicas poderosas que podem matar-nos. Tenhamos cuidado. Avante, Mosqueteiros da Tábua Quadrada. Um por todos e todos pela Princesa Maravilhosa Encantada. Alabidasatadinividú!

- Quê!? Alabitana... Joãozinho, o que...

- Alabidasatadinividú. Alabidasatadinividú é o iabadabadu dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada - Joãozinho antecipou-se ao pai. - Os mosqueteiros dormiram - prosseguiu Joãozinho com a narrativa, antes que seu pai despertasse da surpresa que suas palavras lhe despertara, e lhe fizesse alguma pergunta. - O céu desiluminou-se, e escureceu. O dia desensolarou-se, para que a noite se enluara-se. O Sol dormiu durante a noite enluarada. Ao amanhecer, a noite desenluarou-se, e o céu desescureceu-se,iluminou-se, e o dia ensolarou-se. E os mosqueteiros, Sansão, o mais poderoso deles, à frente de todos, rumaram ao castelo assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado.

- Joãozinho, por que você não diz simplesmente "o Castelo Assombrado"?

- Porque há muitos castelos assombrados, e o da Feiticeira do Castelo Assombrado era dela. Há, também, o castelo assombrado do Feioso do Pântano, o do Príncipe Malvado de Perna de Pedra, o do Pirata de Três Olhos, o da Feiticeira do Castelo Amaldiçoado, que é irmã gêmea univitelina da Feiticeira do Castelo Assombrado.

- O castelo da Feiticeira do Castelo Amaldiçoado é amaldiçoado.

- É assombrado também, né, papai - replicou Joãozinho, com um tom desdenhoso na voz e um traço de incredulidade no olhar. - Todo castelo amaldiçoado é assombrado.

- Os mosqueteiros chegaram ao castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado?

- Não, papai. Não chegaram. A Feiticeira do Castelo Assombrado, com um feitiço, criou uma redoma protetora em torn do castelo, invisível. Foi assim: os mosqueteiros cavalgaram, pela floresta, na direção do castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado. De repente, trombaram numa parede invisível. Era a redoma que a feiticeira criara. E Sansão chamou Aladin: "Aladin, sente-se no seu tapete mágico, e vá até o castelo da feiticeira." "Irei, Sansão, sobre o tapete, em pé. Sei me equilibrar sobre o tapete. Não cairei.", respondeu-lhe Aladin. "Vá, Aladin, vá.", foi a ordem que Sansão lhe deu. Aladin abriu o tapete, e subiu-lhe em cima. "Irei com o Aladin.", disse Saci Pererê, que tratou de pular sobre o tapete. "Tapete, voe.", disse Aladin. O tapete voou. O Guerreiro do Martelo de Aço, sob as ordens de Sansão, golpeou, com o martelo, a redoma invisível, que descarregou um raio de energia cósmica, arremessando-o para muito longe. Todos os mosqueteiros tentaram romper a barreira invisível. Em vão. De regresso do vôo com o tapete, Aladin anunciou: "Sansão, a barreira invisível cobre todo o castelo. Não tem um ponto fraco sequer." "Nenhum.", completou Saci Pererê, que seguiu: "Nenhum ponto fraco. É indestrutível. O que faremos, Sansão?" Antes de Sansão responder-lhe, o Cavaleiro do Reino das Águas disse: "Vamos consultar o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda. Ele conhece magia, conhece os feitiços da Feiticeira do Castelo Assombrado. Sabe como desenfeitiçar o que ela enfeitiça." "Mas ele é muito dorminhoco.", disse Curupira. "Sim, dorminhoco ele é. E muito. Mas ele é a única pessoa que poderá nos ajudar.", respondeu o Cavaleiro do Reino das Águas. "Você sabe onde ele mora, Cavaleiro do Reino das Águas?", perguntou-lhe Sansão. "Sei.", respondeu-lhe o Cavaleiro do Reino das Águas, que continuou: "Na Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, à margem do Rio dos Peixes de Cristal, na Montanha dos Macacos Barbudos, dentro de uma caverna, caverna misteriosa, que ninguém, além de mim e de outros, poucos outros, amigos do Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, podem entrar." "Vamos, mosqueteiros, até o mago, que nos ajudará a salvar a Princesa Maravilhosa Encantada." - disse Sansão, com toda a força, que era muita, de seus poderosos pulmões. E ele exclamou: "Alabidasatadinividú!" E todos os mosqueteiros gritaram: "Alabidasatadinividú!" Logo os Mosqueteiros da Tábua Quadrada principiaram a viagem até a caverna onde o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda vivia, só, com os seus pós mágicos.

Após uma certa pausa, disse Joãozinho:

- Papai, estou com fome. Vamos comer bolachas e beber um pouco de leite?

- Vamos. Também estou com fome. Vou preparar um suco de leite com maçã e morango. Você quer?

- Quero.

- E pão com geléia de framboesa, você quer?

- Sim. E um pouco de goiabada e queijo.

- À cozinha, então, Joãozinho.

- O senhor, papai, está gostando da minha história?

- Sim. É a sua história muito interessante.

Pai e filho rumaram à cozinha.


*


Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada - Uma História do Joãozinho. - parte 2 de 4.


Após se refestelarem com um bom sortimento de pães com geléia de framboesa, e goiabada com queijo, e suco de leite com maçã e morango, deliciados, e satisfeitos, regressaram pai e filho à biblioteca, sentaram-se à mesa, e o pai de Joãozinho, caneta esferográfica azul à mão, escreveu, na folha de sulfite, o que Joãozinho ditou-lhe:

- Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada chegaram em um rio, largo e fundo, no qual havia muitos peixes grandes, ferozes, de dentes afiados, peixes que devoravam homens. O Homem Que Controla Água, à margem do rio, adiantou-se aos outros mosqueteiros, e, com os braços erguidos, voltado para o rio, exclamou: "Água, cesse os seus movimentos, e dê-nos passagem." A água do rio abriu uma passagem para os mosqueteiros atravessarem o rio em chão seco. Os mosqueteiros o atravessaram e chegaram à margem oposta. O Homem Que Controla Água voltou-se para o rio, e disse para a água: "Água, obrigado. Recupere, água, os seus movimentos." E a água do rio seguiu seu curso natural. Os mosqueteiros seguiram viagem. De repente, eles ouviram um som: "ticaticá, ticaticá, ticaticá". "De onde vem-nos tal som?", perguntou Espadachim Escarlate, preocupado, olhando de um lado para o outro. Disse o Homem dos Lobos, para acalmá-los: "Não se preocupem, mosqueteiros. É ticaticá som de dentes de alumínio arranhando árvores de pedra." "O quê?!", perguntou, surpreso e admirado e curioso, o Xerife da Cidade Iluminada. "Ao comer tronco de árvore de pedra, as ticaticás, tartarugas de dentes de alumínio, arrastam, na árvore, que é de pedra, os dentes, que são de alumínio, fazendo ticaticá, o barulho.", explicou Homem dos Lobos.

- "Ticaticá" é uma onomatopéia - observou o pai de Joãozinho.

- Não, papai - corrigiu-o Joãozinho. - Ticaticá é a tartaruga de dentes de alumínio.

O pai de Joãozinho riu consigo, e decidiu não explicar ao seu filho o que é onomatopéia.

- O que aconteceu em seguida? - perguntou o pai de Joãozinho para Joãozinho. E Joãozinho contou-lhe:

- Os mosqueteiros se detiveram ao ver duas jabuticabeiras e cinco laranjeiras. Comeram várias jabuticabas e muitas laranjas. Saci Pererê e Curupira, os mais gulosos e esfomeados, comeram uma tonelada de jabuticabas e chuparam muitas, muitas laranjas. Lamberam os beiços, satisfeitos,deliciados, todos os Mosqueteiros da Tábua Quadrada. Afastavam-se das jabuticabeiras e das laranjeiras quando uma pedra atingiu a cabeça de Sansão. "Ei.", exclamou Sansão, que levou as mãos à cabeça e se agachou, para se proteger. Todos os mosqueteiros procuraram pela origem do arremesso da pedra, e o Homem-Pássaro voou, e desceu, perto dos mosqueteiros, e disse-lhes: "Um macaco barbudo arremessou a pedra. Ele está escondido no topo daquela árvore.", e apontou a árvore. Nenhum mosqueteiro conseguia ver o macaco barbudo, que estava muito bem escondido. "Ele quer brincar de pega-pega conosco.", disse Saci Pererê. "Macaco barbudo, apareça. Quem fala, aqui, sou eu, o Homem dos Macacos, o rei dos macacos." E o Homem dos Macacos imitou a voz de macaco. O macaco barbudo desceu da árvore, foi até Homem dos Macacos, e, respeitosamente, saudou-o, falou-lhe qualquer coisa, que o Homem dos Macacos, e apenas ele, entendeu. Nem o Homem dos Lobos, nem o Curupira, que também viviam na floresta, entendeu o que o macaco barbudo disse para o Homem dos Macacos. "Macaco barbudo, leve-nos até a caverna onde vive o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda." O macaco barbudo não pensou duas vezes: obedeceu ao Homem dos Macacos, e conduziu os mosqueteiros até a caverna onde o mago morava. A caverna ficava a dois dias de caminhada de onde os mosqueteiros se encontravam, naquele momento. Não perderam tempo os mosqueteiros. Não dormiram durante a expedição pela Montanha dos Macacos Barbudos. Chegaram à boca da caverna dentro da qual o mago vivia; despediram-se os mosqueteiros do macaco que os levara até lá, e ouviram um ronco de fazer tremer o planeta. E Curupira comentou: "Eu disse, não disse!? O mago é dorminhoco, muito dorminhoco. Que horas são? Duas da tarde. E dorme, o dorminhoco." "Entrarei na caverna.", avisou Cavaleiro do Reino das Águas. "Esperem-me aqui fora.", pediu Cavaleiro do Reino das Águas, que entrou na caverna. Os outros mosqueteiros o esperaram, impacientes. O ronco do mago perturbava-os; parecia rugido de leões e tigres. "Por que o mago é dorminhoco?", perguntou Arqueiro Dourado. "Você não conhece a história dele?", indagou-o Curupira, que, antes de ele lhe responder à pergunta, contou para todo os mosqueteiros: "Vocês conhecem a história do Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda? Não?! A história que ensina como ele se tornou dorminhoco?! Não?! Então, muita atenção. Vou contá-la para vocês. É a história engraçada. Uma vez, há muito, muito tempo, o Feiticeiro do Vulcão das Águias Gigantes surpreendeu o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, e prendeu-o em uma rocha, e roubou-lhe várias, muitas, poções mágicas e as usou para atacar o Reino das Girafas Fantásticas, o Reino do Cavaleiro do Cavalo de Ouro e o Reino da Rainha de Cabelos Dourados, e roubou-lhes todo tesouro, o que fez com que os povos dos três reinos se empobrecessem. A Rainha dos Cabelos Dourados, o Cavaleiro do Cavalo de Ouro e o Rei do Reino das Girafas Fantásticas foram até onde vivia o mago, disseram-lhe que os assaltaram o Feiticeiro do Vulcão das Águias Gigantes, e solicitaram-lhe ajuda. O mago, humilde, falou-lhes que sabia quais magias o Feiticeiro usara contra eles: magias que o feiticeiro havia lhe roubado. A rainha, o rei e o cavaleiro surpreenderam-se com a revelação. O mago, então, contou-lhes o que tinha acontecido e disse-lhes que ao feiticeiro prepararia uma armadilha. Prometeu-lhes que o capturaria. O rei, a rainha e o cavaleiro foram-se embora cada um para o seu reino, contentes, porque, sabiam, o mago encontraria o feiticeiro, o venceria numa luta de magias e feitiços, e o prenderia em uma outra dimensão, e recuperaria os tesouros que ele lhes roubara. O Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda sabia que o Feiticeiro do Vulcão das Águias Gigantes gostava de abacaxi. Plantou, perto, mas não muito perto, do vulcão onde o feiticeiro vivia, sementes de abacaxi, mágicas, de abacaxi que fazia todas as pessoas que o comiam dormirem, e dormirem profundamente. E lançou sobre as sementes uma poção mágica que as fez crescer rapidamente. Em cinco minutos, nos pés de abacaxi havia abacaxis grandes e suculentos e deliciosos. O mago, usando magia, escondeu-se dentro de uma árvore, e esperou o feiticeiro sentir o perfume dos abacaxis e ir até onde os abacaxis estavam. O feiticeiro saiu do vulcão, para um passeio, tranquilo, e sentiu o cheiro dos abacaxis, e foi até eles. Desconfiado, olhou de um lado para o outro. Não viu ninguém, nem uma alma viva. Lambendo os beiços, sem se conter, lançou-se sobre os abacaxis, e comeu dois deles. E dormiu num sono profundo. O mago, vendo-o roncar igual trovão, retirou-se da árvore dentro da qual se escondera, foi até o feiticeiro, envolveu-o com uma rede mágica, abriu um portal, e carregou-o até outra dimensão, onde o aprisionou num poço fundo, muito fundo, e regressou à nossa dimensão, e foi ao vulcão, e com uma outra magia, carregou todo o tesouro que o Feiticeiro do Vulcão das Águias Gigantes havia roubado ao Reino do Cavaleiro de Ouro, ao Reino das Girafas Fantásticas e ao Reino da Rainha de Cabelos Dourados, e entregou-lhos. À noite, ao voltar, cansado, para a sua casa, passou, antes de nela chegar, por onde plantara as sementes de abacaxi, sentiu o perfume dos abacaxis, foi até eles, e sem se lembrar que eram os abacaxis mágicos, apanhou um deles, levou-o para a sua casa, e o comeu. E dormiu durante uma semana. E tornou-se o mais dorminhoco dos magos. E desde então as pessoas passaram a chamarem-lo Mago Dorminhoco. Esta é a história do Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, o Mago Dorminhoco. Gostaram dela? Ela é divertida e engraçada, não é?" Todos os mosqueteiros, menos o Cavaleiro do Reino das Águas, que estava dentro da caverna, gargalharam e disseram que era a história muito, muito engraçada, a história mais engraçada que alguém já lhes havia contado.

- O Cavaleiro do Reino das Águas acordou o Mago da Floresta de Esmeralda?

- Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- O cavaleiro o acordou?

- Mais, ou menos.

- Mais, ou menos?! Mas o Mago da Floresta das Árvores de Esmeralda...

- Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- Tanto faz, Joãozinho, falar Mago da Floresta de Esmeralda, ou Mago das Floresta das Árvores de Esmeralda, ou Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- Tanto faz, não, papai - comentou Joãozinho, num tom reprovador. - Existia a Floresta de Esmeralda, a Floresta das Árvores de Esmeralda e a Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda. O mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda era o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, o Mago Dorminhoco. O mago da Floresta das Árvores de Esmeralda era o Mago da Floresta das Árvores de Esmeralda, o Mago de Olhos Arregalados. O mago da Floresta de Esmeralda era o Mago da Floresta de Esmeralda, o Mago Dentuço. Dos três magos o que aprisionou, em outra dimensão, num poço, o Feiticeiro do Vulcão das Águias Gigantes foi o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, e não os outros dois.

- Entendi. E o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda ajudou, ou não, os mosqueteiros?

- Ajudou-os, papai, ele os ajudou. Dentro da caverna, a magia do mago não ameaçava o Cavaleiro do Reino das Águas, que era amigo do Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda. O mago lhe havia borrifado, muitos anos antes, quando o cavaleiro ainda era um bebê, uma poção mágica que o fazia livre de todas as magias daquele mago. Dentro da caverna, havia muitas armadilhas mágicas, mas, como tais magias não afetavam o Cavaleiro do Reino das Águas, ele pôde ir até onde o mago dormia, e dormia profundamente, igual uma pedra. "Mago, ei, mago.", chamou o Cavaleiro do Reino das Águas o mago, tocando-o no ombro direito, e sacudindo-o. O mago não acordou. O cavaleiro viu uma caneca de pedra esculpida cheia de água, pegou-a, e despejou a água sobre o rosto do mago, que despertou, assustado: "Quem está aí?! Responda, ou cale-se. Transforme-se numa barata tonta, invasor.", e disparou uma extraordinária magia contra o cavaleiro, que não se transformou em uma barata tonta porque nenhuma das magias do mago exercia efeitos sobre ele. "Mago, sou eu, o Cavaleiro do Reino das Águas." "Ah! É você, cavaleiro!? Perdoe-me. Eu estava dormindo. O que você quer?" "A sua ajuda, mago. A Feiticeira do Castelo Assombrado aprisionou a Princesa Maravilhosa Encantada na Torre Fedida. Tentamos resgatá-la, mas não conseguimos porque a feiticeira criou uma redoma indestrutível, que protege a Torre Fedida." "Ela usou um feitiço muito poderoso." "Você pode, mago, descriar a redoma indestrutível?" "Posso, cavaleiro, posso. Conheço uma incrível magia que pode desfazê-la, mas preciso, para preparar a magia, de uma flor, a Flor do Brejo da Morte." "Onde ela está?" "Em um lugar distante, muito distante, e você não poderá ir, lá, sozinho." "Não irei sozinho, mago. Irei com os Mosqueteiros da Tábua Quadrada. Todos eles." "Ótimo. Ótimo. Boa notícia. Vocês enfrentarão monstros e gigantes e o Dragão Cuspidor de Gelo.

- Dragão Cuspidor de Gelo? - perguntou o pai de Joãozinho, surpreso. - Joãozinho, dragões cospem fogo.

- O Dragão Cuspidor de Gelo, não. - disse Joãozinho. - Ele é um animal criado pelo Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode, que misturou, numa panela de ferro, deneá de dragão e de pinguim, e, lendo, em voz alta, um feitiço de um livro de feitiçaria, fez nascer o dragão com o poder de cuspir gelo.

- Mas, por que o Bruxo das Pernas de Bode...

- Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode.

- Por que o Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode criou um dragão cuspidor de gelo?

- Porque o bruxo queria destruir o Reino da Rainha dos Olhos de Cristal.

- Ele não podia destruir o reino dela com um dragão que cospe fogo?

- Não, papai. A Rainha dos Olhos de Cristal tinha dois dragões que cospem fogo, que lhe protegem o reino sempre que o Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode o ataca.

- Ele destruiu o Reino da Rainha de Cristal?

- Rainha dos Olhos de Cristal.

- Ele o destruiu?

- Não.

- O Mago da Floresta de Esmeralda...

- Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- O Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda ajudou a Rainha dos Olhos de Cristal?

- Não. Ele não. Outro mago a ajudou: o Mago do Rio das Águas Cristalinas e dos Peixes de Rubi.

- E o que...

- Papai, tenho de contar a minha história, para o senhor escrevê-la. Se o senhor, toda hora, me interrompe, não a terminarei nunca - disse Joãozinho, ligeiramente irritado, visivelmente incomodado com as perguntas que seu pai insistia em lhe fazer.

- Desculpe-me, Joãozinho, desculpe-me. O que aconteceu depois?

- "Onde eu, mago, encontrarei a Flor do Brejo da Morte?", perguntou o Cavaleiro do Reino das Águas para o mago. E o mago respondeu-lhe: "No Brejo da Morte, né, tonto!?", bocejando, querendo dormir, mas não dormiu. O cavaleiro segurou-o pelos ombros, sacudiu-o, e perguntou-lhe: "Onde se situa o Brejo da Morte, mago?" "Na Ilha do Desespero.", respondeu-lhe o mago, sonolento. O mago estalou os dedos, e apareceram, próximos do Cavaleiro do Reino das Águas, uma flecha e um arco, uma bola, e uma espada, e um escudo. E o mago disse para o cavaleiro: "Preste muita atenção. O arco e a flecha são mágicos. Na flecha há veneno para matar o Dragão Cuspidor de Gelo, e só com o arco mágico pode-se dispará-la. O Arqueiro Dourado, de todos os reinos o melhor de todos os arqueiros, terá de disparar a flecha contra o olho esquerdo do dragão. Não poderá errar o arremesso. Não há outra flecha. Só há essa que está ao seu lado. Não se esqueça: o Arqueiro Dourado tem de cravar a flecha no olho esquerdo do Dragão Cuspidor de Gelo. No esquerdo. Não se esqueça: no olho esquerdo. A bola, que também é mágica, o Sansão, o mais forte dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada, a arremessará dentro do Vulcão Que Nunca Descansa. E o Espadachim Escarlate irá enfiar a espada no peito do Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode. Primeiro, vocês mosqueteiros terão de passar pelo vulcão, que dispara bolas de fogo contra todas as pessoas que põe os pés na Ilha do Desespero." "E o escudo, mago?", perguntou-lhe o Cavaleiro do Reino das Águas, sacudindo-o, impedindo-o de dormir. "Não durma. Não durma. Acorde, mago. Acorde. E o escudo?" "O escudo... Ah! Sim. O escudo, que também é mágico... Entregue-o para o Homem-Pássaro. Ele, voando por sobre o Brejo da Morte, com o escudo se protegerá dos raios da morte que o brejo dispara contra os invasores." "Mas o Aladin, que também voa, não poderá..." "Não! Não!", interrompeu-o o mago. "O Aladin é muito tonto. Sejam rápidos. Após o Sansão jogar a bola mágica dentro do Vulcão Que Nunca Descansa, vocês terão uma hora para o Arqueiro Dourado matar o Dragão Cuspidor de Gelo, o Espadachim Escarlate matar o Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode, e o Homem-Pássaro retirar do Brejo da Morte a Flor do Brejo da Morte, e todos vocês saírem da Ilha do Desespero. Se demorarem muito, o Vulcão Que Nunca Descansa volta à ativa, a disparar bolas de fogo. O efeito da bola mágica só dura uma hora. E vocês terão três dias, apenas três dias, para me trazerem a Flor do Brejo da Morte após retirá-la do Brejo da Morte, ou ela murchará, definhará, pois murcha ela de nada serve para uma poção magia contra a feitiçaria da Feiticeira do Castelo Assombrado. Vá. Vá, Cavaleiro do Reino das Águas. Vá. Quero dormir mais um pouco. Estou com muito, muito sono." E o mago dormiu. O Cavaleiro do Reino das Águas pegou o arco e a flecha mágicos, e a bola mágica, e a espada mágica, e o escudo mágico, e retirou-se da caverna. À porta da caverna, esperavam-lo, ansiosos, os outros mosqueteiros. O Cavaleiro do Reino das Águas falou-lhes o que o mago lhe contara. E deram tratos à bola. Após um breve intervalo a pensarem o que aconteceria com eles, Sansão disse-lhes: "Mosqueteiros, o destino da Princesa Maravilhosa Encantada está em nossas mãos. Enfrentaremos perigos inomináveis. A nossa viagem, longa, até a Ilha do Desespero, de nós exigirá extraordinária força de vontade e coragem que os heróis, e apenas os heróis, possuem. Arqueiro Dourado, receba das mãos do Cavaleiro do Reino das Águas o arco e a flecha mágicos. Você está pronto para atirar a flecha no olho esquerdo do Dragão Cuspidor de Gelo?" "Sim, Sansão. Estou.", respondeu Arqueiro Dourado. "Espadachim Escarlate, receba das mãos do Cavaleiro do Reino das Águas a espada mágica. Você está pronto para cravar a espada no peito do Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode?" "Sansão, estou pronto. Preparei-me durante toda a minha vida para este dia. O bruxo não me escapará.", respondeu o Espadachim Escarlate. "Homem-Pássaro, receba das mãos do Cavaleiro do Reino das Águas o escudo mágico. Você está pronto para arrancar do Brejo da Morte a Flor do Brejo da Morte?" "Sim, Sansão. Arrancarei do brejo a flor. E salvaremos a princesa.", respondeu o Homem-Pássaro. E Sansão arrematou: "Cavaleiro do Reino das Águas, recebo de você a bola mágica. Estou pronto para arremessá-la dentro do Vulcão Que Nunca Descansa. Mosqueteiros, derrotaremos todos os inimigos que se puserem em nosso caminho. Superaremos todos os obstáculos com os quais nos depararemos. E regressaremos com a Flor do Brejo da Morte, e a entregaremos ao Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, que produzirá a poção mágica, tão poderosa! que irá desfazer a redoma que envolve, e protege, o castelo da Feiticeira do Castelo Assombrado e a Torre Fedida. Libertaremos a nossa querida e amada Princesa Maravilhosa Encantada, que não se casará com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra. Alabidasatadinividú!" E os outros mosqueteiros repetiram, ao mesmo tempo, bem alto: "Alabidasatadinividú!" E iniciaram os mosqueteiros a jornada até a Ilha do Desespero. Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada retiraram-se da Montanha dos Macacos Barbudos, e da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- Joãozinho, os mosqueteiros sabiam onde era a Ilha do Desespero? O Mago das Árvores de Esmeralda...

- Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- O mago não disse para o Cavaleiro do Reino das Águas onde fica a ilha.

- Não precisava, papai, dizer-lhe o mago onde está a ilha. No quartel-general dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada havia um mapa-mundi. Os mosqueteiros o conheciam de cor e salteado. Sabiam onde estão todas as ilhas. Além disso, eles já haviam ido, lá, duas vezes.

- Duas vezes?! - perguntou o pai de Joãozinho, abismado.

- Sim, papai - respondeu, de peito empinado, Joãozinho, que, num tom de voz de autoridade, que muito divertiu seu pai, anunciou: - Duas vezes. Uma vez, para enfrentar o Ciclope, monstro gigante de um olho só, monstro tão monstruoso, que devorava os homens. E a rainha dos ciclopes transformava os homens em porcos. Tinha ela vinte prisioneiros, que eram da Grécia. Os mosqueteiros tinham de salvá-los. E os salvaram. Na outra vez, eles mataram um dragão de sete cabeças, um lobo gigante de três cabeças, e libertaram um rei que estava acorrentado num obelisco de ferro.

- São duas aventuras interessantes. Você quer que eu as escreva?

- Em outro dia, papai. Em outro dia. Agora, vamos continuar a história dos mosqueteiros, história que conta como eles salvaram a Princesa Maravilhosa Encantada. Os mosqueteiros, depois de saírem da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, entraram no Reino dos Lobos. Os lobos avançaram contra os mosqueteiros, que não se preocuparam porque o Homem dos Lobos, rei dos lobos, estava com eles, mosqueteiros. "Lobos, não nos ataquem. Obedeçam-me.", disse o Homem dos Lobos. E eles o obedeceram. Depois de saírem do Reino dos Lobos...

- O Homem dos Lobos é o rei do Reino dos Lobos?

- Não, papai. O Homem dos Lobos é o filho do rei do Reino dos Lobos. Saídos do Reino dos Lobos, os mosqueteiros escalaram a Montanha de Pedra, e desceram da Montanha de Pedra; e escalaram outra montanha, a Montanha Cabeça de Porco, e desceram da Montanha Cabeça de Porco; e escalaram a Montanha Chifre de Elefante, e desceram da Montanha Chifre de Elefante; e atravessaram o Rio da Água Preta; e escalaram outra montanha, a Montanha das Formigas Voadoras, e desceram da Montanha das Formigas Voadoras; e chegaram numa praia, a Praia dos Papagaios Narigudos, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. Entraram no navio espanhol. E o Xerife da Cidade Iluminada, que era um excelente piloto de navios, comandou o navio pelo mar. Uma tempestade violenta afundou o navio. Os mosqueteiros nadaram até uma ilha, a Ilha das Pirâmides Abandonadas; e escalaram a Montanha das Galinhas dos Ovos de Ouro, e desceram da Montanha das Galinhas dos Ovos de Ouro; e chegaram na Praia dos Caranguejos Invisíveis, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. Entraram no navio. O Xerife da Cidade Iluminada pilotou o navio. E um monstro marinho atacou o navio. O Caçador de Monstros lutou contra o monstro marinho. Durante a luta, o navio afundou, o monstro marinho, muito machucado, foi embora, e os mosqueteiros nadaram até a Ilha dos Coqueiros Assobiadores, onde encontraram, na Praia das Conchas Saltadoras, um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. E entraram no navio. Um gigante agarrou o navio, e o arremessou, com toda a sua força, que era muita, e o gigante era mais forte do que o Sansão, longe, bem longe; e o navio caiu na Ilha das Árvores Flutuantes. Os mosqueteiros não se machucaram porque estavam, quase todos eles, com Aladin, sobre o tapete mágico, e porque o Homem-Pássaro carregava os mosqueteiros que não puderam ficar no tapete: Cavaleiro da Armadura Prateada, Saci Pererê, Príncipe da Branca de Neve, e Arqueiro Dourado. Desceram os mosqueteiros na Ilha das Árvores de Folhas Cantoras, onde escalaram a Montanha Cabeça de Cachorro, e desceram da Montanha Cabeça de Cachorro; e escalaram outra montanha, a Montanha das Minhocas Peludas, e desceram da Montanha das Minhocas Peludas; e atravessaram um rio, o Rio da Água Parada; e atravessaram outro rio, o Rio dos Peixes Que Fazem Cócegas, e quase que os mosqueteiros morreram de tanto rir; e escalaram a Montanha Cabeça de Urso, e desceram da Montanha Cabeça de Urso; e chegaram na Praia das Estrelas-de-oito-pontas, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. Os mosqueteiros estavam a dez metros do navio quando o navio afundou e desapareceu misteriosamente. E os mosqueteiros andaram até outra praia, a Praia das Ondas de Luz, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro, navio que, misteriosamente, subiu para o céu, e desapareceu. E os mosqueteiros andaram até a Praia dos Pinguins de Bico de Prata, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. E os...

- Joãozinho, na sua história há muitos navios espanhóis abandonados cheios de tesouro - observou o pai do Joãozinho.

- É lógico, né, papai - replicou Joãozinho, num tom que dele transparecia um certo desdém e a presunção de possuir o segredo dos mistérios do universo. - No mundo há muitas praias.

- Por que na sua história não há navios ingleses abandonados?

- Porque nos navios ingleses só há chá e charutos.

- Você pode dizer que os mosqueteiros encontraram, abandonado, um navio português.

- Não posso, não. Nos navios portugueses só há café, cana, pão e vinho do Porto.

- Por que você não diz que os mosqueteiros encontraram um navio francês?

- Nos navios franceses só há perucas e perfumes.

- Por que na sua história os mosqueteiros só encontram, abandonados, navios espanhóis?

- Porque nos navios espanhóis abandonados há tesouros.

- É só nos navios espanhóis abandonados que há tesouros?

- Sim.

- Está bem. O que aconteceu na Praia dos Pinguins de Bico de Prata? O navio espanhol abandonado desapareceu misteriosamente?

- Não, papai. O navio ligou-se misteriosamente, e abaixou a rampa para os mosqueteiros nele subirem. E os mosqueteiros nele subiram. E foi o navio até a Ilha do Desespero. Distantes dez quilômetros da Ilha do Desespero, os mosqueteiros viram as bolas de fogo que o Vulcão Que Nunca Descansa arremessava para o céu. Aproximaram-se os mosqueteiros um pouco mais da Ilha do Desespero. Assim que dela ficaram a dois quilômetros de distância, o vulcão disparou, agora com mais intensidade, bolas de fogo contra o navio. Uma bola de fogo subiu ao céu, e foi até a sua altura máxima, e desceu. Atingiria o navio em que iam os mosqueteiros, se o Homem Que Controla Água não erguesse uma barreira gigantesca de água entre ela e o navio, apagando-lhe o fogo. "Sansão, seja rápido.", disse-lhe Príncipe da Branca de Neve. "O vulcão está disparando muitas bolas de fogo contra o navio. Não poderei criar barreiras de água para interceptar todas as bolas de fogo.", disse Homem Que Controla Água, enquanto erguia uma redoma de água para proteger todos os mosqueteiros. E Homem Que Controla Água avisou: "A redoma de água não suportará um bombardeio de bolas de fogo. Sansão, arremesse a bola mágica à boca do Vulcão Que Nunca Descansa. Rápido. Não terei forças para sustentar a redoma de água que nos protege. Go ahead! Go! Go!" "O vulcão arremessa contra o navio, por segundo, duas bolas de fogo.", anunciou Xerife da Cidade Iluminada. Sansão pegou a bola mágica, e preparou-se para arremessá-la à boca do Vulcão Que Nunca Descansa. "Sansão, assim que eu abrir um buraco na redoma de água, lance a bola mágica. Você terá apenas um segundo para arremessá-la, pois terei de fechar a redoma.", disse Homem Que Controla Água. "Não erre o arremesso, Sansão.", pediu-lhe Saci Pererê, agitado, pulando sobre uma perna só, não se sabe se com a direita, se com a esquerda, de um lado para o outro do navio.

- O Saci Pererê, Joãozinho, tem a perna direita, ou a esquerda? - perguntou-lhe o pai de Joãozinho.

- Ninguém sabe. - respondeu Joãozinho. - O Lobato não disse qual perna o Saci Pererê tem.

- Entendi. O que aconteceu a seguir?

- Assim que na redoma de água abriu-se um buraco, pequeno, Sansão arremessou a bola mágica, que viajou, veloz, pelos céu da Ilha do Desespero. Todos os Mosqueteiros da Tábua Quadrada, na expectativa, ansiosos, viram a bola mágica passar pelo buraco que o Homem Que Controla Água abrira na redoma, a redoma fechar-se, e uma bola de fogo bater na água um pouco após fechada a redoma. Se demorasse o Homem Que Controla Água para fechar o buraco na redoma de água, a bola de fogo pelo buraco passaria e atingiria o navio. "A bola mágica atingiu a boca do vulcão?", perguntaram-se, em silêncio, os mosqueteiros. Logo saberiam se a bola mágica que Sansão arremessara havia atingido o alvo.

- Joãozinho, não entendi por que o Sansão, e não o Homem-Pássaro, e nem o Aladin, arremessou a bola mágica. Aladin poderia ir, com o tapete, e o Homem-Pássaro voando, até o Vulcão Que Nunca Descansa.

- Não podiam, não, papai - respondeu Joãozinho. - O Vulcão Que Nunca Descansa tem um radar dentro dele, um radar mágico, criado pelo Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode. Sempre que algum navio, ou alguma criatura, do oceano, ou dos céus, aproxima-se da Ilha do Desespero, o vulcão, o radar a guiá-lo, cospe bolas e bolas e bolas e bolas de fogo, milhares de bolas de fogo, contra o navio, ou a pessoa, ou uma criatura qualquer.

- Mas, Joãozinho, o Aladin e o Homem-Pássaro se desviariam das bolas de fogo.

- As bolas de fogo que o Vulcão Que Nunca Descansa arremessa são mágicas; perseguiriam o Homem-Pássaro e o Aladin, que não conseguiriam se esquivar de todas elas. Seriam muitas as bolas de fogo que o vulcão arremessaria contra eles, dezenas de centenas de milhares de milhões de bilhões de trilhões de bolas de fogo.

- Mas as bolas de fogo não interceptaram a bola mágica que o... o... Qual é, mesmo, o nome do feiticeiro que deu a bola mágica para o Sansão?

- Não foi um feiticeiro quem deu a bola mágica para o Cavaleiro do Reino das Águas. Foi um mago, o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda. Ele a deu para o Cavaleiro do Reino das Águas, e não para o Sansão, e disse para o cavaleiro dá-la para o Sansão, o mais forte dos mosqueteiros, que teria de arremessá-la para dentro do vulcão.

- Eu não...

- Papai, o senhor está prestando atenção na história que estou contando? O senhor esquece, toda hora, os nomes dos personagens.

- São muitos os personagens, Joãozinho. Esqueço-me dos nomes deles. Joãozinho... As bolas de fogo não interceptaram a bola mágica?

- Não, porque a bola mágica é mágica.

- As bolas de fogo também são mágicas, Joãozinho.

- Eu sei, papai. Fui eu quem inventou a história - disse Joãozinho, visivelmente impaciente. - O Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, muito, muito tempo antes da aventura dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada na Ilha do Desespero, inventou uma poção mágica que anulava a magia das bolas de fogo, e ele a usou na bola, que, antes, era apenas uma bola, mas que, agora, banhada com a poção mágica, era uma bola mágica, que, sendo mágica, era, para o Vulcão Que Nunca Descansa, invisível. O vulcão não a detectava.

- Por que o mago não banhou os mosqueteiros na poção mágica, para que eles se tornassem invisíveis aos olhos do vulcão?

- O Vulcão Que Nunca Descansa tem radar, e não olhos. O radar dele, mágico, detectaria os mosqueteiros, que são homens. A bola mágica ele não a detectava porque ela é uma bola, do mesmo modo que as bolas de fogo são bolas.

- A bola mágica caiu dentro do vulcão?

- Sim, papai. Caiu. Sansão arremessara-a, com a força apropriada, na direção correta, com a ajuda do Homem Que Controla Água, que havia aberto, na redoma de água que erguera, um buraco no lugar certo. A bola mágica caiu na boca do Vulcão Que Nunca Descansa, que engasgou, e cessou os arremessos de bolas de fogo. "Sansão conseguiu!", exclamou Caçador de Monstros. "Temos uma hora, apenas uma hora, para pegarmos, no Brejo da Morte, a Flor do Brejo da Morte, e nos retirarmos da Ilha do Desespero.", avisou Guerreiro do Martelo de Aço." "Antes, terá o Arqueiro Dourado de enfiar a flecha mágica no olho esquerdo do Dragão Cuspidor de Gelo, e o Espadachim Escarlate matar o Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode.", disse Xerife da Cidade Iluminada. "Alabidasatadinividú!", exclamou Sansão. E os outros mosqueteiros, em alto brado: "Alabidasatadinividú!" O Homem Que Controla Água desfez a redoma de água. Logo os mosqueteiros desembarcaram na Ilha do Desespero. Da praia, foram à floresta de árvores gigantescas. Pulavam por sobre um rio estreito quando sentiram tremores de terra e viram árvores se congelando. O Dragão Cuspidor de Gelo aproximava-se dos mosqueteiros, que se detiveram. Iniciariam uma batalha, que seria épica, documentada nos livros de história universal e nos poemas heróicos. Os mosqueteiros, sob as ordens de Sansão, dispersaram-se, para confundir o dragão, que se lhes apresentou com toda a sua gigantesca monstruosidade. "Vixe! Ele é mais feio do que o Cururpira!", exclamou Saci Pererê, ao vê-lo por entre as folhas de uma árvore atrás de cujo tronco escondera-se do monstro. "O dragão é uma criatura forjada, nas labaredas do inferno, pelo capeta chifrudo.", disse, sussurrando, Curupira, sentado em um galho de uma árvore de folhas triangulares. Arco e flecha nas mãos, Arqueiro Dourado procurava o melhor momento para atirar a flecha mágica no olho esquerdo do Dragão Cuspidor de Gelo. "Sansão, temos de distrair o dragão...", dizia tais palavras o Homem-Pássaro quando o dragão cuspiu gelo na direção do Xerife da Cidade Iluminada, que não morreu congelado porque o Homem dos Macacos, balançando-se com um cipó, foi até ele, agarrou-o pela cintura, e levou-o à outra árvore, salvando-o. O Dragão Cuspidor de Gelo seguiu-os com o olhar, e preparou-se para jorrar gelo sobre eles; impediram-lo o Homem dos Lobos, que lhe mordeu a perna direita, e o Guerreiro do Martelo de Aço, que lhe acertou a cabeça com o martelo, e o Caçador de Monstros, que lhe pulou sobre as costas e nas costas fincou-lhe o machado, arrancando-lhe ensurdecedor urro de dor, e Sansão, que o puxou pela cauda. O dragão agitou-se para se livrar dos quatro mosqueteiros. Moveu, com violência, a perna direita, e jogou o Homem dos Lobos a mais de cem metros de altura. Aladin, mais rápido do que um raio, manobrou o tapete mágico, e voou até o Homem dos Lobos, e salvou-o. Se caísse no chão, o Homem dos Lobos morreria. O dragão esforçou-se para se livrar de Sansão, que, muito forte, seguiu firme segurando-lhe a cauda. Agitou-se o monstro, para se livrar do Caçador de Monstros agarrado ao machado que lhe fincara nas costas. "Matarei você, criatura das profundezas do outro mundo. Cortarei sua cabeça, que será o meu troféu. Mais um troféu para a minha coleção!", exclamou Caçador de Monstros, que lhe desfincou das costas o machado e correu, sobre o pescoço do dragão, em direção à cabeça dele, e pulou, as duas mãos segurando, firmemente, o cabo do machado, pronto para, assim que lhe pousasse na cabeça, cravar-lhe, nela, o machado. "Caçador de Monstros, você não pode matar o dragão. O Arqueiro Dourado tem de matá-lo com a flecha. O dragão morre se alguém lhe acertar o olho esquerdo com a flecha mágica.", lembrou-o Sansão. O Caçador de Monstros, empolgado, não lhe deu ouvidos. Neste momento, a flecha mágica riscou os ares, a partir do arco mágico, que o Arqueiro Dourado vergara, e atingiu o olho esquerdo do Dragão Cuspidor de Gelo. Disparo certeiro. O dragão tombou, morto. O Caçador de Monstros caiu, desajeitadamente, numa poça de lama, sujou-se todo, e levantou-se, resmungando. "Excelente disparo, Arqueiro.", elogiou-o Sansão. "É você, Arqueiro, o melhor arqueiro do mundo.", louvou-o o Príncipe da Branca de Neve, maravilhado, que acompanhara a viagem da flecha mágica,do arco mágico até o olho esquerdo do Dragão Cuspidor de Gelo. "Nem Robin Hood, nem Guilherme Tell, se igualam a você, mosqueteiro.", enalteceu-o o Cavaleiro da Armadura Prateada, batendo-lhe, amigavelmente, no ombro, a mão direita. "Não temos tempo a perder, mosqueteiros. Agora, vamos à casa do Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode.", anunciou Sansão. Sem perderem sequer um segundo,os mosqueteiros foram à casa do bruxo, que estava, naquele momento, na varanda, sentado numa cadeira-de-balanço, descansando, os olhos fechados, assobiando uma canção de bruxo. O Espadachim Escarlate foi, em silêncio, até ele, e penetrou-lhe, na barriga, a espada mágica.

- Joãozinho, o Bruxo das Pernas de Bode...

- Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode.

- O Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode não viu os mosqueteiros aproximando-se dele?

- Não, papai, porque a armadura prateada do Cavaleiro da Armadura Prateada deixava os mosqueteiros invisíveis aos olhos do bruxo.

- O bruxo não podia ouvi-los?

- Não. Porque ele fica cego e surdo perto de qualquer coisa feita de prata.

- Quando chegavam à Ilha do Desespero e quando lutavam contra o Dragão Cuspidor de Gelo, os mosqueteiros estavam longe do Bruxo das Perna de Bode e da Capa Preta...

- Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode,papai.

- O bruxo, não sabia, então, que os mosqueteiros estavam na ilha?

- A armadura de prata do Cavaleiro da Armadura Prateada impedia que o bruxo detectasse os mosqueteiros. O Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode tinha espiões na ilha, urubus e árvores mágicas, mas eles não viam os mosqueteiros porque era de prata a armadura do Cavaleiro da Arnadura Prateada.

- Então, então... Joãozinho, a armadura do Cavaleiro Prateado...

- Cavaleiro da Armadura Prateada.

- A armadura dele bloqueava as bruxarias do Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Cabra...

- Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode.

- As bruxarias do bruxo eram inúteis contra os mosqueteiros?

- Sim, papai, porque um deles, o Cavaleiro da Armadura Prateada, tinha uma coisa de prata, a armadura.

- Os mosqueteiros sabiam que o bruxo não detectava coisas de prata?

- Sabiam. Ao enfrentarem outros bruxos, descobriram que as bruxarias deles não os afetavam.

- Por que, então, Joãozinho, os mosqueteiros não atravessaram a abóbada de proteção que envolvia o castelo assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado e a Torre Fedida, e não resgataram a Princesa Maravilhosa Encantada?

- A Feiticeira do Castelo Assombrado faz feitiços, e não bruxarias - respondeu Joãozinho, visivelmente incomodado com as perguntas que seu pai insistentemente lhe fazia; em sua fisionomia transparecia seus pensamentos, que eram: "Papai não sabe coisa nenhuma de histórias de rainhas, reis, príncipes, princesas, bruxos, feiticeiros, magos, cavaleiros, arqueiros, xerifes, mosqueteiros, espadachins, guerreiros, arqueiros, monstros, gigantes e reinos encantados. Meu Deus do Céu! O que ele aprendeu na escola?"

Ao notar o olhar inamistoso de seu filho, o pai de Joãozinho pediu, num tom de voz tímido, com um olhar acanhado, e um tanto quanto constrangido, a Joãozinho que lhe contasse o restante da história dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada. E Joãozinho tratou de narrar-lhe:

- Morto o Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode, os mosqueteiros, sem perda de tempo, correram até o Brejo da Morte, e detiveram-se. "Agora, Homem-Pássaro, voe até a Flor do Brejo da Morte, apanhe-a, e regresse. Rápido, mosqueteiro.", disse-lhe Sansão, imperioso. O Homem-Pássaro, a protegê-lo o escudo mágico, voou até a Flor do Brejo da Morte, arrancou-a do chão, e logo reuniu-se com os outros mosqueteiros, que o aguardavam, ansiosos. Os raios da morte que o Brejo da Morte disparara contra o Homem-Pássaro o escudo mágico os bloqueara. Assim, o Homem-Pássaro regressou são e salvo até onde os outros mosqueteiros estavam."

Joãozinho interrompeu a narrativa, e anunciou:

- Papai, estou com fome. Posso comer bolachas de chocolate com recheio de morango?

- Pode.

- Posso comer quatro bolachas?

- Pode, Joãozinho.

- O senhor, papai, quer bolachas, também?

- Não, Joãozinho, não. Não quero. Você irá beber o quê?

- Um pouco de água. O senhor quer um pouco de água?

- Não. Obrigado. Beba água e coma bolachas, e volte, para contar-me o restante da história dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada.

- Está bem. Já voltarei.

Enquanto Joãozinho ia à cozinha, comia bolachas e bebia água, o pai de Joãozinho mexeu nas mais de dez folhas de sulfite nas quais escrevera o que seu filho lhe narrara, leu alguns trechos, corrigiu a ortografia de algumas palavras, e detectou o que lhe pareceram inconsistências do relato. Assim que Joãozinho regressasse da cozinha, falar-lhe-ia a respeito.

De volta à biblioteca, lambendo os beiços, sentou-se Joãozinho, todo pimpão, à mesa, ao lado de seu pai, e disse-lhe:

- Papai, comi três bolachas de nata e duas bolachas de chocolate com recheio de limão.

- Você comeu quantas bolachas de chocolate com recheio de morango? Você disse que iria comer quatro delas.

- Mudei, papai, de idéia, assim que vi as bolachas de nata e as de chocolate com recheio de limão. E bebi água e um pouco de laranjada. Os mosqueteiros...

- Espere um minuto, Joãozinho. Você disse que as bruxarias do Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode a armadura de prata do Cavaleiro da Armadura Prateada as anula, mas por que a armadura dele não anulou o Dragão Cuspidor de Gelo?

- O Bruxo da Capa Preta e das Pernas de Bode, para criar o Dragão Cuspidor de Gelo, misturando o deneá de dragão com o de pinguim, usou um feitiço, e não uma bruxaria.

- Ah! Certo. O Homem-Pássaro regressou até onde estavam os outros mosqueteiros, e...


*


Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada - Uma História do Joãozinho. - parte 3 de 4.


- Reuniram-se os mosqueteiros, que tinham, agora, poucos minutos para se retirarem da Ilha do Desespero. Logo, logo, assim que a magia da bola mágica que Sansão arremessara para dentro do Vulcão Que Nunca Descansa acabasse, o vulcão arremessaria, raivoso, bolas de fogo contra os mosqueteiros. "Come back!", exclamou Sansão.

- "Come back!"?! Mas ele não tinha de falar iaba... alabividi... abali...

- Alabidasatadinidivú!

- É. Ele não tinha de falar isso?

- Não, papai. Os mosqueteiros falavam alabidasatadinividú quando estavam para iniciar uma aventura. Agora, eles iriam regressar até a Montanha dos Macacos Barbudos, na Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, para entregar a Flor do Brejo da Morte ao Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, que iria, com a Flor do Brejo da Morte, preparar uma poção mágica, que desfaria o feitiço da Feiticeira do Castelo Assombrado, que prendera, na Torre Fedida, a Princesa Maravilhosa Encantada, e salvariam a princesa.

- Entendi. Como se deu a viagem de regresso dos mosqueteiros à caverna onde morava o mago?

- Foi assim: Os mosqueteiros iam pela floresta, cautelosos, olhos bem abertos e ouvidos atentos quando brotou da terra dois monstros, um deles de um olho e quatro braços, duas barrigas e quatro joelhos, dois joelhos em cada perna, e o outro, de quatro cabeças, em cada cabeça quatro olhos e duas bocas e três orelhas e duas testas, e em cada boca quatro dentes que pareciam machados. Os mosqueteiros, surpreendidos por aquelas criaturas, assustaram-se, e estacaram. "Macacos me mordam!", exclamou Homem dos Macacos. "Saguis me mordam!", exclamou Saci Pererê. "Agora o bicho vai pegar!", exclamou Curupira. "Pelo espírito dos lobos!", exclamou Homem dos Lobos. "Poseidon!", exclamou Homem Que Controla Água. "Mosqueteiros, ataquem os monstros.", comandou-os Sansão. "Alabidasatadinividú!". E os outros mosqueteiros repetiram: "Alabidasatadinividú!" Os mosqueteiros avançaram contra os dois monstros, aparentemente sem ordem. Sansão, com um pulo, pousou à frente do monstro de quatro cabeças, e deu-lhe um soco tão forte que as quatro cabeça do monstro curvaram-se para trás. Enquanto isso, o Espadachim Escarlate, manejando com destreza, que nenhum outro espadachim possuía, a sua espada, cortava do monstro as pernas, e o Arqueiro Dourado disparava-lhe flechas nos olhos, cegando-o. O Caçador de Monstros correu até o monstro de um olho só, e moeu-o de pancadas enquanto o Guerreiro do Martelo de Aço martelava-lhe os joelhos, derrubando-o, e o Cavaleiro do Reino das Águas o desviscerava. Logo os mosqueteiros livraram-se dos dois monstros, que escabujaram, desviscerados, moídos, esmagados, triturados, e, esvaindo-se em sangue, morreram. Nem bem haviam os monstros morrido, a terra tremeu, e à frente dos mosqueteiros apareceu um gigante, um gigante colossal, gigantesco, imensamente grande. "Macacos me mordam!", exclamou Homem dos Macacos. "Saguis me mordam!", exclamou Saci Pererê. "Agora o bicho vai pegar!", exclamou Curupira. "Pelo espírito dos lobos!", exclamou Homem dos Lobos. "Poseidon!", exclamou Homem Que Controla Água. "Mosqueteiros, ataquem o gigante! Alabidasatadinividú!", comandou-os Sansão. E todos os mosqueteiros repetiram: "Alabidasatadinividú!" E lançaram-se os mosqueteiros contra o colossal e gigantesco gigante. Sansão arrancou do chão uma árvore, arremessou-a contra a cabeça do gigante, estonteando-o, e o Arqueiro Dourado disparou-lhe flechas contra os olhos, cegando-o, e o Guerreiro do Martelo de Aço arremessou-lhe o martelo contra a barriga, provocando-lhe gigantesca dor de barriga, e o Homem dos Macacos, o Homem dos Lobos, Saci Pererê e Curupira das árvores arrancaram cipós, e escalaram o gigante, e com os cipós envolveram-lhe, o Homem dos Macacos e o Homem dos Lobos, o pescoço, e Saci Pererê e Curupira as pernas, na altura dos joelhos, e apertaram os laços, e o Príncipe da Branca de Neve, o Cavaleiro da Armadura Prateada, o Xerife da Cidade Iluminada, o Cavaleiro do Reino das Águas e o Espadachim Escarlate cortaram-lhe os calcanhares de Aquiles, que eram do gigante, e não do Aquiles, que vivia na Grécia, e o Homem-Pássaro e Aladin, voando, golpearam-lhe a cabeça, e o Homem Que Controla Água sugou água da terra e das árvores e lançou-lha à boca. O Gigante tombou, morto. "Pôxa vida! Eu, que sou um caçador de monstros, não dei nem um soco no gigante!",  exclamou, contrariado, o Caçador de Monstros. "Palerma!", zombou dele Saci Pererê, rindo e dando-lhe, no ombro, um tapa. "Você é um caçador de monstros, e não de gigantes.", disse Homem dos Lobos para o Caçador de Monstros. "O gigante também ê um monstro.", retrucou Caçador de Monstros. "Não é, não. Monstro é monstro; gigante é gigante.", replicou Curupira. "Gigantes também são monstros. Há monstros gigantes e gigantes monstruosos.", resmungou Caçador de Monstros. "Retiremo-nos, imediatamente, desta ilha, antes que o Vulcão Que Nunca Descansa comece a cuspir bolas de fogo!", comandou Sansão. "Temos pouco tempo, menos de cinco minutos, para sairmos desta maldita ilha.", anunciou Xerife da Cidade Iluminada. Os mosqueteiros, sem perderem tempo, rumaram ao navio espanhol que os levara à Ilha do Desespero. Durante a jornada Caçador de Monstros, Curupira e Saci Pererê discutiram se gigantes são, ou não são, monstros. Nenhum outro mosqueteiro quis se envolver em tal discussão. Chegaram os mosqueteiros à praia, e subiram ao navio. O navio mal havia zarpado, o Vulcão Que Nunca Descansa disparou uma bola de fogo, que riscou o céu, e foi cair próximo do navio espanhol comandado pelo Xerife da Cidade Iluminada, um dos melhores pilotos de navio espanhol de todos os tempos. O Homem Que Controla Água ergueu um gigantesco muro de água, e, depois, uma redoma, também de água, para proteger o navio, impedindo que as bolas de fogo que o Vulcão Que Nunca Descansa disparava, mirando-o, atingisse-o. "Temos três dias para chegarmos à Montanha dos Macacos Barbudos, e entregarmos a Flor do Brejo da Morte ao Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.", anunciou Sansão. "Estejamos atentos. Até agora, cumprimos apenas a metade da nossa jornada. Ainda não cumprimos a nossa missão.", disse Sansão. Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada principiaram a viagem de regresso, felizes, e conscientes de que poderiam vir a enfrentar desafios inéditos e depararem-se com monstros, gigantes e criaturas do inferno. Os mosqueteiros rumaram à Ilha do Vulcão Que Cospe Ovos de Ouro Açúcarado das Galinhas Gigantes, em cujo litoral o navio afundou, misteriosamente, e procuraram por outro navio, e andaram pela Praia das Areias de Diamante. O Príncipe da Branca de Neve, admirado com as reluzentes partículas de areia de diamante, vislumbrou riqueza fabulosa, e agachou-se para pegar diamantes e conservá-los consigo no bolso da calça. Valeriam milhões e milhões e milhões de dólares em seu reino. Seus olhos brilharam de felicidade, e desbrilharam assim que o Cavaleiro do Reino das Águas lhe disse: "Deixe os diamantes aqui, Príncipe. Fora desta ilha, eles se transformam em areia, areia comum." O Príncipe da Branca de Neve abandonou o seu sonho de com os diamantes que pegara comprar terras para aumentar o reino de seu pai e construir castelos fortificados maiores e mais luxuosos do que os que possuía. E os mosqueteiros escalaram a Montanha Nariz de Tamanduá, e desceram da Montanha Nariz de Tamanduá; e escalaram a Montanha Cabeça de Boi, e desceram da Montanha Cabeça de Boi, e chegaram à Praia dos Coqueiros Fantasmas, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. E zarparam. Atacou-os um monstro marinho de quatro cabeças e seis pés e oito olhos e doze orelhas. Os mosqueteiros não se amedrontaram. O Caçador de Monstros, sobre o tapete do Aladin, foi até o monstro marinho, e saltou-lhe sobre uma cabeça, enquanto o Homem Que Controla Água criou monstros de água, que o atacaram. Foi uma batalha histórica. O monstro afundou o navio. Os outros mosqueteiros, menos o Homem-Pássaro e o Aladin, nadaram até a Ilha dos Cangurus de Quatro Olhos e Asas de Papagaio, que não estava longe deles. Algumas braçadas bem fortes, e chegaram na ilha, enquanto Caçador de Monstros e Homem Que Controla Água lutavam contra o monstro marinho. Sansão pediu para Homem-Pássaro levá-lo até o monstro. O Homem-Pássaro levou-o até ele. E Aladin carregou até o monstro Espadachim Escarlate, Arqueiro Dourado e Guerreiro do Martelo de Aço para eles ajudarem Homem Que Controla Água e Caçador de Monstros. O Guerreiro do Martelo de Aço arremessou o martelo, que acertou uma cabeça do monstro marinho; o Espadachim Escarlate pulou-lhe no pescoço, e no pescoço fincou-lhe a espada; e Arqueiro Dourado disparou contra ele oito flechas, furando-lhe os olhos. Golpeado de todos os lados, o monstro marinho mergulhou, e foi-se embora. Homem-Pássaro, Sansão, Aladin, Caçador de Monstros, Homem Que Controla Água, Arqueiro Dourado, Espadachim Escarlate e Guerreiro do Martelo de Aço foram até a Ilha dos Cangurus de Quatro Olhos e Asas de Papagaio, onde os outros mosqueteiros os esperavam. Todos os mosqueteiros, reunidos, escalaram a Montanha Cabeça de Camelo, e desceram da Montanha Cabeça de Camelo, e atravessaram o Rio de Água Azul dos Peixes Voadores de Três Cabeças, e chegaram à Praia das Conchas Cantoras, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. E chegaram na Ilha dos Gansos Verdes de Bico de Grafite, onde caçaram animais e colheram frutos, verduras e legumes. Um polvo gigante, de quarenta tentáculos, agarrou o navio, e o destruiu, e foi ao fundo do mar. Estavam no navio Homem-Pássaro, Aladin, Saci Pererê e o Cavaleiro da Armadura Prateada, que, escapando dos tentáculos do polvo, nadaram até a ilha. Os mosqueteiros, após comerem carne dos animais que haviam caçado e matado, crua, e batatas, tomates, alface e chicória, e bananas, abacates e jabuticabas, entraram na Floresta do Unicórnio de Fogo, e dela saíram, e atravessaram o Rio do Crocodilo de Doze Pés, e escalaram a Montanha Cabeça de Vaca, e desceram da Montanha Cabeça de Vaca, e chegaram à Praia da Chuva de Chumbo, onde encontraram um navio espanhol abandonado cheio de tesouro. E passaram pela Ilha dos Tigres-de-dentes-de-sabre, pela Ilha dos Cachorros de Cabeça de Gato, pela Ilha das Raízes de Árvores Sem Árvores e pela Ilha do Vulcão Dorminhoco. E chegaram ao fim da jornada, na Montanha dos Macacos Barbudos. Foram até o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda. O mago estava dormindo, para surpresa de nenhum mosqueteiro.

- Joãozinho, não entendi porque os Mosqueteiros da Tábua Quadrada foram, da Ilha do Desespero até onde estava o Mago das Árvores de Esmeralda...

- Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- Por que os mosqueteiros seguiram, da Ilha do Desespero até a Montanha dos Macacos Barbudos, onde, numa caverna,dormia o mago, por um caminho diferente do que seguiram da Montanha dos Macacos Barbudos até a Ilha do Desespero?

- Por que, papai, agora os mosqueteiros regressaram, da Ilha do Desespero, até a Montanha dos Macacos Barbudos, e antes tinham ido, da Montanha dos Macacos Barbudos, até a Ilha do Desespero.

- Joãozinho, eu sei. Entendi. Mas veja: da Floresta das Árvores de Esmeralda...

- Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.

- Da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda até a Ilha do Desespero, os Mosqueteiros da Tábua Quadrada foram à Ilha das Pirâmides Abandonadas, à Ilha dos Coqueiros Voadores...

- Ilha dos Coqueiros Assobiadores.

- ... e à Ilha das Árvores Flutuantes. E na viagem de volta...

- O senhor esqueceu-se da Ilha das Árvores de Folhas Cantoras.

- Esqueci-me ...

- Sim, papai. O senhor esqueceu. E os mosqueteiros, papai, não foram à Ilha das Ávores Flutuantes.

- Não?!

- Não, papai. O gigante que atacou o navio, pegou-o, e o arremessou, com toda a força; e o navio caiu na Ilha das Árvores Flutuantes, onde os mosqueteiros não foram.

- Certo. Entendi. Na viagem de volta, os mosqueteiros não foram à nenhuma das ilhas pelas às quais eles foram quando empreenderam a viagem de ida. Eles foram, na jornada de regresso até a Montanha dos Macacos Barrigudos...

- Montanha dos Macacos Barbudos.

- Na viagem de regresso, após pegarem, no Brejo da Morte, na Ilha do Desespero, a Flor do Brejo da Morte, os mosqueteiros foram à Ilha do Vulcão Que Cospe Ovos de Ouro das Galinhas Gigantes...

- Ilha do Vulcão Que Cospe Ovos de Ouro Açucarado das Galinhas Gigantes.

- ... e à Ilha dos Cangurus de Asas de Periquito...

- Ilha dos Cangurus de Quatro Olhos e Asas de Papagaio.

- ... e à lha dos Gansos Verdes de Bico de Grafite, à Ilha dos Tigres-de-dentes-de-sabre, à Ilha dos Gatos de Cabeça de Cachorros...

- Ilha dos Cachorros de Cabeça de Gato.

- ... e à Ilha das Raízes de Árvores Sem Árvores, e à Ilha do Vulcão Dorminhoco, mas não foram às ilhas às quais foram na viagem de ida, da Montanha dos Macacos Barbudos, até a Ilha do Desespero. Não entendi, Joãozinho, não entendi. Por que os mosqueteiros não foram, na volta, às ilhas nas quais foram, na ida?

- Porque o caminho que seguiram, na ida, até a Ilha do Desespero, desde a Montanha dos Macacos Barbudos, era o mais curto que existia, mas era o mais curto na ida, e só na ida, e não na volta; na volta, e só na volta, o caminho mais curto que existia era o que seguiram.

- Não entendi.

- Também não entendi, papai. É um mistério. Ninguém, até hoje, entendeu o mistério. Mas é assim que é. E para sempre será o mistério um mistério.

- O Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda dormia a sono solto à chegada dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada à caverna onde ele vivia?

- Sono solto, não, papai; sono preso, preso dentro do corpo do mago. O Cavaleiro do Reino das Águas entrou na caverna onde o mago dormia e roncava, roncava igual urso hibernando. Enquanto o cavaleiro seguia caverna adentro, à boca da caverna os outros mosqueteiros recordavam a aventura à Ilha do Desespero, falavam dos momentos mais perigosos; do medo que sentiram ao verem o monstro marinho, e o Dragão Cuspidor de Gelo; do arremesso, por Sansão, da bola mágica, dentro do Vulcão Que Nunca Descansa; do Polvo Gigante de Quarenta Tentáculos. E narraram aventuras outras que haviam realizado muitos anos antes de criarem o Mosqueteiros da Tábua Quadrada. O Caçador de Monstros contou uma de suas aventuras fantásticas: "De todas as minhas aventuras, que foram muitas, e eu não sei quantas foram, e um dia, talvez, algum contador de histórias irá escrevê-las, quando eu estiver bem velhinho e tiver tempo para contá-las àqueles que tiverem interesse em ouvi-las, ou eu mesmo poderei escrevê-las, a que mais me exigiu força, velocidade, agilidade, atenção, inteligência, foi a que empreendi, na companhia de meu irmão, hoje Príncipe das Colinas da Terra Amarela, antes o melhor caçador de serpentes do universo, daí chamarem-lo Caçador de Serpentes, na terra do Rei dos Monstros das Montanhas Que Andam, lugar assustador, muito assustador, onde enfrentamos meu irmão e eu serpentes voadoras gigantescas de sete olhos, lagartos de vinte pés e três línguas, uma língua de fogo, uma de gelo e uma de pimenta, crocodilos de vinte e dois olhos, que disparavam raios vermelhos, azuis, amarelos, verdes, brancos, pretos e marrons, leões de três cabeças, tigres de cabeça de águia, aranhas voadoras gigantescas e outras, muitas, muitas outras, criaturas monstruosas, e o Rei dos Monstros. Tínhamos meu irmão e eu de ir até o Lago das Sombras Vivas, que fica dentro da caverna dos Dentes de Dragão, e pegar, no fundo do lago, o Rubi da Saúde, e levá-lo para o Mago das Portas do Universo, que do rubi tiraria um pedaço pequeno, bem pequeno, e o usaria numa poção mágica, um remédio, que ele daria à Rainha das Terras das Flores da Bondade; e a rainha a beberia e se restabeleceria de uma doença grave. Enfrentamos perigos sem igual em toda a história, e executamos a empresa. Pronta a poção mágica, a rainha a bebeu, e sarou. Meu irmão e eu regressamos, dias depois, ao Lago das Sombras Vivas e a ele devolvemos o Rubi da Saúde, que, renovando-se, reconstituiria o pedaço que o Mago das Portas do Universo arrancara-lhe, para que outras pessoas pudessem usá-lo em poções mágicas que as curariam de doenças graves." Enquanto o Caçador de Monstros e outros mosqueteiros narravam as suas aventuras, no interior da caverna o Cavaleiro do Reino das Águas tratava de acordar o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda e de mantê-lo acordado. Entregou-lhe o cavaleiro a Flor do Brejo da Morte, e auxiliou-o a preparar a poção mágica que iria desfazer o feitiço da Feiticeira do Castelo Assombrado, poção mágica que iria fazer desaparecer a abóbada que impedia os mosqueteiros de irem até a Torre Fedida resgatar a Princesa Maravilhosa Encantada, e levá-la, sã e salva, ao castelo do Reino Encantado. Se fracassassem, a princesa teria de se casar com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra, filho da Feiticeira do Castelo Assombrado, mulher feiosa, horripilante, de nariz de corvo e orelhas de tatu. Enquanto o mago misturava, num caldeirão mágico, de ferro, os ingredientes da poção mágica, o Cavaleiro do Reino das Águas cutucava-o, levemente, nas costas, com a espada embainhada, e dizia-lhe "Acorde, mago." sempre que ele cerrava as pálpebras e curvava-se, ligeiramente, para a frente, quase a dormir. Não foi fácil para o cavaleiro manter acordado o mago; não podia desviar a atenção, nem por um segundo, que ele começava a roncar. Enfim, o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, após despejar, no caldeirão, as pétalas da Flor do Brejo da Morte, preparou a poção mágica. Do caldeirão saiu nuvem colorida, verde, amarela, vermelha e azul. A poção borbulhou; e as bolhas explodiram iguais fogos de artifício, iluminando a caverna, à cuja boca os mosqueteiros surpreenderam-se com as luzes coloridas que da caverna saíam e com o barulho das explosões. Nenhum mosqueteiro, todavia, se atreveu a entrar na caverna. Sabiam eles que eram da poção mágica as luzes coloridas e as explosões. "O mago acertou na fórmula?", perguntou Curupira. "As explosões e as luzes me fazem lembrar de uma das minhas aventuras.", disse o Cavaleiro da Armadura Prateada, que começou a contar as suas façanhas na Terra dos Gorilas de Cabeça de Unicórnio, mas ele não põde concluir a sua história porque o Cavaleiro do Reino das Águas retirou-se da caverna, à mão um pequeno frasco com a poção mágica. "O mago preparou a poção, mosqueteiros; e tão logo a pôs neste frasco, dormiu.", anunciou o Cavaleiro do Reino das Águas. Curupira comentou: "Nenhuma novidade, cavaleiro. Nenhuma novidade. O Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda é o mais dorminhoco de todos os magos." "Ele é o mais dorminhoco de todos os magos, Curupira?", perguntou-lhe Saci Pererê, que prosseguiu: "Você se engana. O Mago da Cidade Submarina do Mar da Água Falante e dos Peixes Voadores de Bico de Águia do Reino do Rei dos Tubarões de Cabeça de Leão e da Rainha das Sereias de Cabelos de Bronze é mais dorminhoco do que ele." "Não é, não, Saci Pererê.", replicou Curupira. "É, sim, Curupira. É, sim.", retrucou Saci Pererê. "Não é. E as sereias dos cabelos de bronze vivem na Cidade Submarina do Mar da Água Cantora do Reino do Rei das Arraias e da Rainha das Baleias Voadoras e das Sereias de Cabelos de Bronze. E a Rainha do Reino do Rei dos Tubarões de Cabeça de Leão é a Rainha das Sereias de Cabelos de Prata." "Não diga bobagens, Curupira", retrucou Saci Pererê. Enquanto Curupira e Saci Pererê envolveram-se numa discussão que não teria fim, os outros mosqueteiros ouviram do Cavaleiro do Reino das Águas, que lhes exibia o frasco que o mago lhe entregara: "Mosqueteiros, eis a poção mágica que irá desenfeitiçar o feitiço da Feiticeira do Castelo Assombrado. Iremos ao Castelo Assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado e à Torre Fedida, e libertaremos a Princesa Maravilhosa Encantada, que não se casará com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra, e a levaremos, são e salva, ao Castelo do Rei Encantado." "Matarei o Tatu Demoníaco, aquele monstro dos infernos.", prometeu Caçador de Monstros. "Temos um dia, mosqueteiros, para derramarmos, na abóbada, a poção mágica. Um dia. Vinte e quatro horas. Depois, a poção mágica não nos servirá para desfazermos o feitiço da Feiticeira do Castelo Assombrado.", avisou o Cavaleiro do Reino das Águas. "Mãos à obra, mosqueteiros. Não percamos tempo. Alabidasatadinividú!", exclamou Sansão. E os outros mosqueteiros, inclusive Curupira e Saci Pererê, que encerraram, ao ouvirem a voz de Sansão, a discussão, repetiram: "Alabidasatadinividú!" E principiaram os mosqueteiros a incrível jornada até o Castelo Assombrado e à Torre Fedida.


*


Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada - Uma História do Joãozinho. - parte 4 de 4.


- Joãozinho, por que os mosqueteiros exclamaram alabadida...

- Alabidasatadinividú!

- Eles regressavam ao Castelo Assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado, melhor, às proximidades do castelo. Você disse que os mosqueteiros só falam o grito de guerra...

- Não é grito de guerra, papai. Alabidasatadinividú é o iabadabadu dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada.

- Você disse que eles só o dizem ao irem para uma...

- Sim, papai. Ao irem da Ilha do Desespero para a caverna onde vivia o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, eles já haviam cumprido a missão: pegar, no Brejo da Morte, a Flor do Brejo da Morte. Esta era a missão. Agora, eles iriam completar a missão principal, a mais importante: resgatar a Princesa Maravilhosa Encantada, tirá-la das garras da Feiticeira do Castelo Assombrado.

- Entendi. Os mosqueteiros foram até o Castelo Assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado?

- No Rio dos Peixes de Cristal, os mosqueteiros beberam um pouco de água, e desceram a Montanha dos Macacos Barbudos. Saíram da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda, e foram, o mais rápido que puderam, até a abóbada que protegia o Castelo Assombrado da Feiticeira do Castelo Assombrado e a Torre Fedida. Foram ligeiros, ligeiríssimos. Mais rápido do que o mais rápido dos raios. Não tinham tempo a perder. Na abóbada chegando, Sansão disse para o Cavaleiro do Reino das Águas: "Cavaleiro, despeje a poção mágica na abóbada que a Feiticeira do Castelo Assombrado criou. Desenfeitice o feitiço, cavaleiro." O Cavaleiro do Reino das Águas destampou o frasco que o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda lhe dera, e despejou a poção mágica na abóbada, que logo se desfez. "Desfez-se o feitiço da Feiticeira do Castelo Assombrado, num passe de mágica.", comentou Saci Pererê. "Foi um passe de mágica, Saci.", disse-lhe o Caçador de Monstros. "Mosqueteiros, à Torre Fedida, para libertar a Princesa Maravilhosa Encantada. Alabidasatadinividú!", exclamou Sansão. E os outros Mosqueteiros da Tábua Quadrada repetiram: "Alabidasatadinividú!" E foram todos os mosqueteiros em direção à Torre Fedida, onde estava, aprisionada, a Princesa Maravilhosa Encantada. Ao chegarem a um rio raso, as pedras do rio,enfeitiçadas pela Feiticeira do Castelo Assombrado, moveram-se, flutuaram, e uniram-se umas às outras, até ganharem a forma de um dragão de sete cabeças, para surpresa dos mosqueteiros, que, da surpresa recuperando-se, o atacaram. O Caçador de Monstros pediu para Aladin carregá-lo até a cabeça do meio do dragão; esta era a cabeça principal; esmagando-a, matariam o monstro. Mas as outras cabeças a protegiam. "Cavaleiro, temos de desviar a atenção das seis cabeças do dragão de pedra, as secundárias, para que a cabeça do meio fique desprotegida, e o Caçador de Monstros possa matá-la.", disse Sansão. Em seguida, viu-se muita confusão. Uma das cabeças engoliu o Guerreiro fo Martelo de Aço. O Homem Que Controla Água criou uma bola de água com a qual envolveu uma outra cabeça do dragão, para afogá-la. O Homem-Pássaro, voando, carregou Saci Pererê e Curupira até outra cabeça, e eles as socaram, para esmagarem-la. O Espadachim Escarlate fincou a espada em um dos pescoços do dragão. O Homem dos Macacos de uma árvore arrancou cipós e escalou um pescoço do dragão, e com o cipó o enlaçou. Sansão arremessou pedras grandes e pesadas contra outra cabeça do dragão. O Arqueiro Dourado disparou várias flechas contra uma das cabeças do monstro. O Homem dos Lobos, o Príncipe da Branca de Neve, o Cavaleiro da Armadura Prateada, o Xerife da Cidade Iluminada e o Cavaleiro do Reino das Águas atacaram o dragão-de-pedra-de-sete-cabeças, de todos os lados, de todas as formas. O Guerreiro do Martelo de Aço, de tanto martelar, por dentro, a cabeça, que o engolira, do dragão, quebrou-a, fazendo-a em pedaços, e, livre, caiu no chão, quase vindo a cair em cima do Cavaleiro da Armadura Prateada. A cabeça de dragão que o Homem Que Controla Água envolvia com uma bola de água atacou o Homem Que Controla Água, que do ataque se esquivou, e ela, ao atingir o chão, desfez-se em dezenas de pedras minúsculas. Saci Pererê e Curupira quebraram uma cabeça do dragão, de tanto esmurrá-la. O Espadachim Escarlate cortou um dos sete pescoços do monstro de pedra. Sansão arremessou uma pedra de duas toneladas contra uma cabeça do dragão, pulverizando-a. Uma cabeça do dragão, cravejada de flechas que o Arqueiro Dourado lhe disparara, agitava-se loucamente. Do tapete mágico de Aladin, o Guerreiro do Martelo de Aço pulou sobre a cabeça do meio do dragão-de-pedra-de-sete-cabeças, e martelou-a, esmagando-a, reduzindo-a a pó. As pedras que estavam unidas, coladas umas às outras, formando a cabeça, desuniram-se, espirradas para todos os lados. Todas as pedras que, unidas, formavam o dragão-de-pedra-de-sete-cabeças, agora desunidas, regressaram ao rio, cada uma delas ao seu local original. E os Mosqueteiros da Tábua Quadrada, livres do monstro de pedra, reuniram-se, e atravessaram o rio, em silêncio, atentos, pois sabiam que a Feiticeira do Castelo Assombrado mandaria outro monstro atacá-los, mas não sabiam qual. À frente deles, os arbustos e as árvores tremeram-se, agitaram-se. Prepararam-se os mosqueteiros para o ataque de algum monstro. Detiveram-se. Olharam uns para os outros. Sinalizaram, em silêncio, uns para os outros, todos atentos e preocupados. De repente, do chão emergiu uma fabulosa minhoca gigante, que os engoliu a todos eles, e regressou, enfiando-se na terra, ao subterrâneo. Os mosqueteiros, dentro da minhoca gigante, rolaram-se uns por sobre os outros; e assim que se recuperaram, Espadachim Escarlate cravou a espada na língua dela, e com um arremesso do martelo o Guerreiro do Martelo de Aço quebrou-lhe um dente.

- Joãozinho, as minhocas têm dentes e língua?

- Papai, a minhoca gigante é um monstro criado por um feitiço da Feiticeira do Castelo Assombrado. Todo monstro é um bicho que não é natural. A Feiticeira do Castelo Assombrado enfeitiçou, uma vez, uma lagartixa, que, enfeitiçada, transformou-se em uma lagartixa gigante cuspidora de fogo, com quatro asas e quatro chifres; em um outro dia, ela enfeitiçou um pernilongo, transformando-o em um pernilongo gigante de três cabeças e de unhas e de língua mais comprida que língua de tamanduá. Os animais enfeitiçados têm coisas que os animais naturais não têm.

- Entendi. Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada escaparam da minhoca gigante?

- A minhoca gigante não sentiu dor, nenhuma dor. Remexeu-se, e derrubou os mosqueteiros, que estavam, todos eles, desorientados. Sansão disse-lhes: "Mosqueteiros, esmurrem a minhoca gigante." Todos os mosqueteiros, obedecendo-o, puseram-se a esmurrá-la; e de nada adiantou. A minhoca gigante nem cócegas sentiu. Cansados devido ao esforço inútil, sentaram-se os mosqueteiros. Nenhum deles sabia o que fazer para obrigar a minhoca gigante a libertá-los. Nem o Caçador de Monstros, que era o mais experiente caçador de monstros que existia, sabia o que tinham de fazer para se livrarem do gigantesco monstro minhoquento. O Saci Pererê levantou-se, de supetão, e exclamou, alegre: "Eureka! Tenho uma idéia! Idéia brilhante! Brilhante idéia! Brilhante! Brilhante idéia brilhante! Cócegas! Cócegas! Sim. Ninguém resiste às cócegas. Vamos cocegar a minhoca gigante. Aqui, aqui deve ser a barriga dela. Cócegas! Cócegas!", e pôs-se cocegar a minhoca gigante. Os outros mosqueteiros acharam bem maluca a idéia do Saci Pererê, mas, como nenhum deles tinha uma idéia melhor, uniram-se ao Saci Pererê e puseram-se a cocegar a barriga da minhoca gigante. A minhoca gigante remexeu-se, e remexeu-se, e remexeu-se, e remexeu-se tanto, que cuspiu os Mosqueteiros da Tábua Quadrada, que caíram próximos da Torre Fedida, e se enterrou, rindo, gargalhando. "Brilhante a sua idéia, Saci Pererê.", elogiou-o Xerife da Cidade Iluminada. "Eu disse que a minha brilhante idéia era uma idéia brilhante.", sorriu Saci Pererê. "Vejam: a Torre Fedida!", exclamou Cavaleiro da Armadura Prateada, apontando para a prisão da Princesa Maravilhoa Encantada. "Alabidasatadinividú!", berraram todos os Mosqueteiros da Tábua Quadrada, que, sem pensar duas vezes, rumaram à Torre Fedida. Ao chegarem ao portão da torre mais fedida do universo, cobriram o nariz, pois o fedor era insuportável. Sansão derrubou o portão. O Homem-Pássaro carregou, voando, o Homem Que Controla Água e o Príncipe da Branca de Neve; e o Aladin carregou, no tapete mágico, o Curupira e o Guerreiro do Martelo de Aço. Os outros mosqueteiros entraram, na Torre Fedida,pelo portão. O Tatu Demoníaco os atacou, cuspiu-lhes catarros de fogo, e raios; e dos raios e dos catarros de fogo os mosqueteiros desviaram-se. No quarto,estavam a Princesa Maravilhosa Encantada, acorrentada, e a Feiticeira do Castelo Assombrado, que preparava, em um caldeirão, um feitiço. De repente, na parede abriu-se um buraco, e pedras espirraram-se para todos os lados; o Guerreiro do Martelo de Aço arremessara o martelo, quebrando-a. O Curupira saltou sobre o chão, e com os calcanhar direito acertou, no caldeirão, um pontapé, esparramando pelo chão a poção que a feiticeira preparava. A Princesa Maravilhosa Encantada sorriu, feliz, ao ver os heróicos mosqueteiros. Enquanto isso, em outro local da Torre Fedida, o Arqueiro Dourado disparou duas flechas contra o Tatu Demoníaco, uma delas atingiu-lhe o olho direito, e a outra o peito. O Tatu Demoníaco queimou-se em chamas; e o Espadachim Escarlate cortou-lhe o pescoço. A cabeça do Tatu Demoníaco pulou sobre o Cavaleiro do Reino das Águas, que, assustado, recuou. Neste momento, Saci Pererê girou em torno de si mesmo, criando um redemoinho, que engoliu a cabeça do Tatu Demoníaco, sufocando-a, até extinguirem-se dela as chamas. A cabeça do Tatu Demoníaco, agora sem fogo, o Saci Pererê a abandonou. Os mosqueteiros tinham diante deles o crânio do monstro, e ossos, e apenas ossos. No quarto em que estavam Homem-Pássaro, Aladin, Homem Que Controla Água, Príncipe da Branca de Neve, Guerreiro do Martelo de Aço e Curupira lutando contra a Feiticeira do Castelo Assombrado, e a Princesa Maravilhosa Encantada, acorrentada, chegou, subindo pela escadaria, e após Sansão, com um soco, derrubar a porta, o Espadachim Escarlate, que, manejando a espada, cortou as correntes que prendiam a Princesa Maravilhosa Encantada. "Princesa amada, vós estais livre. Desça. O Xerife e o Homem dos Lobos a acompanharão. Ide, querida princesa. Ide!", disse-lhe o Espadachim Escarlate. A Princesa Maravilhosa Encantada saiu do quarto, e, a protegê-la o Xerife da Cidade Iluminada, o Homem dos Lobos, o Cavaleiro da Armadura Prateada e o Homem dos Macacos, desceu as escadarias. A Feiticeira do Castelo Assombrado disse um feitiço, e no ar apareceu uma bola de luz, que brilhou tão intensamente que obrigou os mosqueteiros, menos um deles, o Aladin, que se protegera com o tapete, a cobrirem com as mãos os olhos. Aladin, assim que se apagou a luz, das mãos do Guerreiro do Martelo de Aço, que ainda coçava os olhos, mal conseguindo abri-los, tirou o martelo, e arremessou-o contra a feiticeira, que se preparava para falar outro feitiço, mas não conseguiu pronunciá-lo, pois o martelo atingiu-a no momento em que ela do feitiço principiava a falar a última palavra. Tonta, a Feiticeira do Castelo Assombrado olhou em volta de si, viu os mosqueteiros indo até ela, moveu os braços, disse uma palavra de feitiçaria, e desapareceu. E desapareceram a Torre Fedida e o castelo assombrado. O Tatu Demoníaco também desapareceu. Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada e a Princesa Maravilhosa Encantada caíram, todos eles, no chão. Assim que se recuperaram, perguntaram-se uns para os outros o que havia acontecido. "A feiticeira fez um feitiço e teletransportou-se, e ao Tatu Demoníaco, e ao castelo e à torre, para outro lugar.", disse o Xerife da Cidade Iluminada. "Não, Xerife. A feiticeira está aqui.", corrigiu-o Sansão. "O Quê!? É impossível!", exclamou o Cavaleiro do Reino das Águas. "Não é, cavaleiro. A Feiticeira do Castelo Assombrado foi para outra dimensão.", disse-lhe a Princesa Maravilhosa Encantada. "Isso é possível?", perguntou, incrédulo, o Homem dos Macacos. "Sim. É. Eu já fui para outra dimensão.", disse Saci Pererê." "A feiticeira está a nos obsevar, eu sei. Vamos nos retirar destas terras, que pertencem à Feiticeira do Castelo Assombrado.", prosseguiu Saci Pererê. A Princesa Maravilhosa Encantada subiu ao tapete de Aladin. E o tapete, voando, carregou ela e Aladin até o castelo do Reino Encantado. Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada correram para o castelo; quando lá chegaram, esbaforidos, e felizes, o povo do Reino Encantado acolheu-os com aplausos e alegria contagiante. Assim que entraram no castelo, o Rei Encantado e a Rainha Maravilhosa Encantada agredeceram os mosqueteiros e os O rei e a rainha parabenizaram. Premiaram-los com a Medalha Dourada dos Heróis do Reino Encantado e com o Troféu de Diamante dos Amigos do Reino Encantado. "Mosqueteiros da Tábua Quadrada, vocês salvaram minha filha, minha amada e querida filha, a Princesa Maravilhosa Encantada.", disse o Rei Encantado, emocionado. E o rei continuou: "A feiticeira queria casar minha filha, minha princesa, com o Aprendiz do Feiticeiro Língua de Cobra, aquele demônio em corpo de homem. Graças a Deus, vocês, mosqueteiros, heróis e amigos do Reino Encantado, salvaram a minha princesa, minha filha amada. A Rainha Maravilhosa Encantada, vossa rainha, e eu, o Rei Encantado, vosso rei, e a Princesa Maravilhosa Encantada, vossa princesa, entregamos a vocês, Mosqueteiros da Tábua Quadrada, a Chave do Reino Encantado. A partir de agora, vocês têm a honra de serem meus súditos. Heróis e amigos, recebam a Chave do Reino Encantado." Os mosqueteiros ajoelharam-se. Sansão, o líder dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada, à frente dos outros mosqueteiros, estendeu os braços, as mãos abertas, as palmas para cima, e recebeu, das mãos macias e suaves da Princesa Maravilhosa Encantada, a Chave do Reino Encantado. "Heróis e amigos do Reino Encantado, súditos do Rei Encantado, recebam de minhas mãos a Chave do Reino Encantado.", disse a Princesa Maravilhosa Encantada, que deixou a chave nas mãos de Sansão, que, emocionado, segurou-a. Todos os mosqueteiros, emocionados,levantaram-se, e, de cabeça erguida, mão direita ao peito, sobre o coração, exclamaram, todos juntos, numa só voz, forte: "Vida longa ao rei! Vida longa à rainha! Vida longa à princesa!" E curvaram-se, em respeito ao rei, à rainha e à princesa. A um sinal do Rei Encantado, retiraram-se do castelo. Nos três dias seguintes, o povo do Reino Encantado, numa festança jamais vista, da qual participaram o rei, a rainha e a princesa, comemorou a libertação da Princesa Maravilhosa Encantada. Depois, os Mosqueteiros da Tábua Quadrada, após despedirem-se do povo do Reino Encantado, e do seu rei, da sua rainha e da sua princesa, foram embora. No caminho, Saci Pererê disse para Curupira: "As sereias de cabelos de bronze vivem no Reino do Rei dos Tubarões de Cabeça de Leão e da Rainha das Sereias de Cabelos de Bronze. Neste reino, vive o mais dorminhoco dos magos, o Mago da Cidade Submarina do Mar da Água Falante e dos Peixes Voadores de Bico de Águia. Não é, nunca foi, e nunca será, o mais dorminhoco dos magos o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda. A fama de mago mais famoso do mundo, queira você, Curupira, reconhecer, é do Mago da Cidade Submarina do Mar da Água Falante e dos Peixes Voadores de Bico de Águia do Reino do Rei dos Tubarões de Cabeça de Leão e da Rainha das Sereias de Cabelos de Bronze. E digo mais, Curupira: no Reino do Rei das Arraias e da Rainha das Baleias Voadoras e das Sereias de Cabelos de Prata as sereias têm cabelos de prata." "Bobagens! Bobagens! Você está redondamente errado, Saci.", retrucou Curupira. "Não estou, não.", replicou Saci Pererê. "Está, sim, Pererê, está sim.", retrucou, uma vez mais, Curupira, que disse: "As sereias de cabelos de prata vivem no Reino do Rei dos Tubarões de Cabeça de Leão e da Rainha das Sereias de Cabelos de Prata." "E podem as sereias de cabelos de prata viverem no Reino do Rei dos Tubarões de Cabeça de Leão e da Rainha das Sereias de Cabelos de Bronze, se em tal reino tem a rainha das sereias cabelos de bronze, e não de prata?", resmungou Saci Pererê. "A rainha de cabelos de bronze é a do Reino do Rei das Arraias e da Rainha das Baleias Voadoras e das Sereias e Cabelos de Bronze, e não a do Reino dos Tubarões de Cabeça de Leão e da Rainha das Sereias de Cabelos de Prata.", retrucou Curupira. "Bobagens!", resmungou Saci Pererê. E Curupira prosseguiu: "E digo mais, senhor Saci: o mais dorminhoco dos magos é o Mago da Floresta das Árvores de Raízes de Esmeralda.", "Não é, não, excelentíssimo perna-torta.", esgoelou-se Saci Pererê. "É sim, perna-solitária.", esbravejou Curupira. Os outros mosqueteiros trataram de se afastarem de Curupira e Saci Pererê. Não desejavam se envolver na discussão deles. E todos viveram felizes para sempre. Fim.

- Ótima história, Joãozinho.

- Gostou, papai? - perguntou, sorridente, a felicidade em pessoa, Joãozinho para seu pai.

- Sim, Joãozinho. Gostei. E muito. É uma verdadeira história de mosqueteiros.

Joãozinho estreitou seu pai num forte abraço. E pediu-lhe as folhas de sulfite nos quais ele escrevera, e com caligrafia caprichada, a história Os Mosqueteiros da Tábua Quadrada; e seu pai lhas entregou, e Joãozinho levou-as consigo ao quarto, e guardou-as dentro de uma pasta; e olhou para a pasta, e disse para si mesmo, em voz alta:

- Vou contar a história dos Mosqueteiros da Tábua Quadrada para a mamãe, para a minha irmã, para o vovô, para a vovó, para o titio, para a titia... para todas as pessoas do mundo.

E viveram felizes para sempre.

Fim.

Fim?