sábado, 16 de julho de 2022

Três

 

Ignorância e Ignorância

Muitas vezes, sem o desejar, em se tratando a pessoa gente de boa índole, dá-se ares de superioridade intelectual e moral, e no confronto com outra pessoa, numa postura arrogante, e intransigente, assume-se o papel de autoridade e autoriza-se a menosprá-la, a destratá-la, a desancá-la, de preferência  publicamente, a regozijar-se com o fel que destila, em nenhum momento dando provas de superioridade moral e intelectual da qual se considera investida. E destaco, repetindo palavras acima escritas, que estou a tratar da atitude de pessoas de boa índole. Já as pessoas de espírito-de-porco nada de bom, aproveitável, se pode esperar - mas elas ensinam o quão ordinário o ser humano pode ser.
Presumo que toda pessoa honesta, ao assumir ares de superioridade, já desrespeitou alguém, o que é compreensível, mas não justificável, afinal somos os humanos falhos, imperfeitos.
A vida ensina-nos a observá-la, a atentar para outras pessoas, e cada um de nós para si mesmo. E pede que aprendamos a voltarmos cada um de nós  a atenção para si mesmo, avaliar-se, a aquilatar-se, conhecendo-se a si mesmo - exortação, esta, que os sábios helênicos de há dois mil anos já haviam apreendido e aos pósteros ensinado. Assim agindo, a pessoa, se dotada de bom-senso, e de boa-vontade, e abandonando suas veleidades, altera sua postura e, ao invés de atentar para a ignorância alheia, e ridicularizá-la, olha para dentro de si, identifica os seus demônios, e enfrenta-os, e inteira-se de sua ignorância, e desdobra-se para, se não eliminá-la - e eliminá-la de todo, ouso dizer, é impossível -, reduzí-la consideravelmente, vindo a ser, mesmo que fracasse em seu propósito, uma pessoa compreensível, paciente e cautelosa, a negar-se a dimensionar a ignorância alheia, pois ocupa-se na árdua tarefa de conhecer a própria.

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De para-quedas.

- Aconselho-te, meu amigo, a saltar, tendo às costas, acoplado, um para-quedas, pelo menos uma vez na vida, de um avião a boiar no céu a cinco mil metros de altura. É uma aventura emocionante. A adrenalina vai a mil! O coração, à boca. Os cabelos fogem à cabeça. Quanto a isto, nada com o que se preocupar. Os cabelos renascem, e crescem.
- Mas eu tenho medo, Sergio. Vai que o para-quedas, com defeito, não abra.
- Não há razões para pânico, amigão. A experiência já me ensinou que a queda não é, nem pode ser, eterna. Ninguém, ao pular de um avião, cai eternamente. Uma hora a queda acaba. Encontra seu fim no chão, do qual nenhum cristão, em queda, passa. Você nunca tropeçou, e deu com o focinho no chão!? Já. Então, meu amigo, siga o meu conselho. A diversão é garantida. Em Sua infinita sabedoria, Deus inventou o chão. Não perca tempo. Pule de para-quedas.

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O Trabalho Envelhece

- Eu nunca trabalhei. E jamais irei trabalhar. Quer você me chamar de vagabundo, chame. Não me incomodo. O trabalho envelhece. Veja o meu pai...
- O seu pai é um homem trabalhador. Conheço-o há quarenta anos. E ele trabalha desde os doze. Por ele você não puxou.
- Meu pai é trabalhador?! É. Reconheço. Sou o primeiro a reconhecer a dedicação dele ao trabalho. Veja você: meu pai começou a trabalhar, aos doze anos, no bazar do doutor Custódio; depois, até se aposentar, há seis meses, à idade de sessenta e dois anos, trabalhou na firma do Mascarenhas, e na do Engenheiro Enéias; e de pedreiro, e de marceneiro, e de mecânico de automóveis, e de engraxate, e de pizzaiolo. Está, hoje, envelhecido em cinquenta anos, com sessenta e dois anos. Após cinquenta anos de trabalho, veja bem, ele envelheceu cinquenta anos. O trabalho o envelheceu. E você não pode se opor à tal evidência.
- Você só quer saber de sombra e água fresca, mesmo. Que va...
- Quer você me chamar de vagabundo?! Chame. Não ligo. 'to nem aí! Que o trabalho envelhece, envelhece. Por A mais B, e tirando a prova dos nove, provei correta a minha teoria. E nem você, e nem ninguém, pode refutá-la.


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