domingo, 7 de novembro de 2021

Três

 Ração boa pra cachorro


Dirigiu-se Antonio Roberto, às dez horas da manhã, à loja de vendas de artigos para animais; assim que lá chegou, atendeu-o uma funcionária, moça de uns vinte anos, baixa, de, se muito, um metro e sessenta de altura, esbelta, que então ajeitava, com uma maria-chiquinha, os cabelos pretos, lisos, volumosos. Sorridente, ela saudou-o, exibindo-lhe sua fileira de dentes brancos: "Bom dia, senhor. O que o senhor deseja?" E Antonio Roberto respondeu: "Ração para um cachorro velho, de dentes bem fracos." "Cachorro pequeno, ou grande?" "Médio. Um vira-lata. Ele tem, acho, uns quinze quilos." "Temos estas duas rações." - e mostrou-lhe os dois pacotes. "São boas para cachorros velhos de dentes fracos?", perguntou-lhe Antonio Roberto. "Sim, senhor. São macios. Veja." - e apertou a moça dois pacotes, um de cada tipo de ração que indicara a Antonio Roberto, sentindo a ração entre os dedos. E Antonio Roberto repetiu-lhe o gesto. "É verdade. São macios, bem macios. Vendem à granel?" "Sim, senhor. De quanto o senhor precisa?" "Das duas rações, meio quilo de cada. Darei das duas para o meu velho amigo, e verei qual delas ele come, qual não." "É melhor, né? Assim não desperdiça ração." E a moça pesou meio quilo de cada uma das duas rações escolhidas, e entregou a Antonio Roberto um pequeno pedaço de papel com o logotipo da empresa, no qual escrevera o preço a pagar pelas rações, e disse-lhe que pagasse no caixa e retirasse a compra no balcão. E ele seguiu-lhe as orientações. Aproximava-se Antonio Roberto do balcão, quando a moça que o atendera afastou-se para falar com outra funcionária; e chegou-se ao balcão um funcionário, que, vendo a sacola com as rações empacotadas, perguntou para Antonio Roberto: "Esta ração é para o senhor?", e ele lhe respondeu: "Para mim, não; é para o meu cachorro." O funcionário riu, a moça riu e pegou a sacola e entregou-a a Antonio Roberto, e agradeceu-lhe a visita à loja no mesmo instante em que ele, rindo, dizia: "Esta ração é boa pra cachorro."


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Dois vídeos de Rodrigo Gurgel, crítico literário. Semana de 22 e os medalhões da Literatura.


Assisti, ontem, 04/08/2021, no Youtube, a dois vídeos, ambos de um pouco mais de três minutos de duração, do professor de Literatura e crítico literário, Rodrigo Gurgel. São os dois vídeos, um publicado no dia 17/03/2020, e o outro no dia 29/02/2020, respectivamente, "A Desnecessária Semana de 22" e "Devemos Dissecar a Literatura Sem Ter Receio dos Medalhões". Ambos os dois vídeos completam-se. No segundo aqui mencionado, diz o professor que não é papel do crítico literário demolir a reputação dos escritores, reduzir à pó as suas obras, mas dialogar com eles, e avaliá-las em seus aspectos positivos e negativos. Menciona o poeta brasileiro Manuel Bandeira, e diz que ele, prosador e poeta de recursos literários inesgotáveis, um escritor de mão cheia, fora de série, escreveu, para honrar seus compromissos, sob encomenda, peças constrangedoramente medíocres, que, é óbvio, não incorrem em diminuição do valor de sua obra, e tampouco lhe desmerece o talento. E aqui tece críticas aos modernistas da Semana de 22, citando-a por alto. E a literatura da Semana de 22 é o tema central do primeiro vídeo mencionado linhas acima. Neste vídeo, dedica atenção a Menotti del Picchia, e usa-o para ilustrar a sua tese. Dez anos após a Semana de Arte Moderna, de 1922, escreve Menotti del Picchia livro de qualidade superior aos que ele escreveu sob influência dos modernistas: Kummunká, obra de cunho filosófico e social. E além de Menotti del Picchia, outros autores modernistas, à margem do movimento modernista, escreveram obras valiosas, que em muito superam as que escreveram submissos, num ímpeto revolucionário, iconoclasta, elitista, sob os ditames da escola modernista. E entende o crítico literário desnecessária a Semana de 22 porque tinha o Brasil, então, uma literatura que emulava à dos europeus, literatura que contava, entre seus principais expoentes, com Machado de Assis, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato - e estes dois últimos experimentaram estilos retóricos mais fiéis ao ambiente cultural brasileiro. E dois importantes escritores regionalistas, Graciliano Ramos e Rachel de Queirós torciam o nariz para os modernistas.

Diz o professor Rodrigo Gurgel que têm os brasileiros de entabularem palestra amigável com os escritores brasileiros, e com os medalhões, sem temê-los, e tê-los como interlocutores; e dentre tais medalhões estão os escritores modernistas, que, muitos entendem, têm de ser pelo povo reverenciados, cultuados, e não estudados, avaliados. Lição proveitosa dá aos brasileiros o professor de Literatura e crítico literário Rodrigo Gurgel.


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Ragnarok (Ragnarok - 2013) - direção: Mikkel Brænne Sandemoso


O arqueólogo Sigurd Svendsen (Pål Sverre Hagen), nostálgico de uma era que ele não viveu, a de remotos antepassados vikings, após decifrar uma antiga inscrição, em pedra, nórdica, que seu amigo Allan (Nicolai Cleve Broch) encontrara e entregara-lhe, segue, o amigo Allan a secundá-lo, e acompanhado do filho Brage (Julian Podolski) e da filha Ragnhild (Maria Annette Tanderø Berglyd), e de Elisabeth (Sofia Margareta Götschenhjelm Helin) e de Leif (Bjørn Sundquist), até o Olho de Odin, uma ilha isolada, no norte da Noruega, numa região distante da civilização. Descobrem os aventureiros que na Segunda Guerra Mundial os soviéticos haviam chegado àquela ilha e às suas vizinhanças, regiões inóspitas, praticamente inacessíveis, que havia muito tempo não via humanos. Desde que se embrenharam pela densa floresta, surpreenderam-los fenômenos misteriosos. São muitos os veículos soviéticos abandonados, corroídos pelo tempo e pelas intempéries. E encontraram Sigurd e os que o acompanhavam um bunker abandonado às aranhas. A presença de tal prédio suscitou-lhes a curiosidade, que foi-lhes estimulada pela presença, numa caverna, que eles adentraram, de esqueletos humanos e armaduras antigas, de mil anos antes, dos vikings. Qual havia sido a causa da morte das pessoas cujos esqueletos eles encotraram? Qual criatura se manifesta durante o Ragnarok? E ao depararem-se com uma criatura colossal, lendária, sentiram-se obrigados a abandonarem a ilha e irem-se embora, e imediatamente.

É Ragnarok uma aventura despretensiosa, com ingredientes comuns em número sem conta de filmes do gênero. Há mistério, que não é muito misterioso, tensão, que não é tensa, não excita os nervos, obrigando o expectador a suspender a respiração, e personagens que se encontram em onze de cada dez filmes do gênero: o pai viúvo; a filha adolescente rebelde; o amigo traiçoeiro; o ajudante inescrupuloso; a mulher que se apaixona pelo herói, que por ela se apaixona; o monstro; o filho do monstro. E a aventura se passa numa região distante da civilização, misteriosa, a guardar segredos milenares. Tem o filme algumas mortes e um pouco de emoção. E só. É Ragnarok um passatempo apenas.

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