sábado, 20 de novembro de 2021

Um conto

 Olímpiadas 2.052: O Último Atleta Atlético.


Notícia do Jornal Paraíso do Universo Novo, edição vespertina: A Humanidade Livrou-se da Última Quimera.

Realizou-se, hoje, às oito da manhã, no estádio A..., a mais aguardada prova do atletismo global, a dos cem metros rasos, da qual participaram três atletas de beleza mesmerizante e um exemplar de uma era que exala os seus últimos suspiros, de uma era que, para a felicidade dos humanos, está nos estertores da morte. Neste memorável dia, em todos os cantos do mundo, bilhões de pessoas assistiram a tão desejado espetáculo esportivo, evento grandioso que, além de apresentar ao mundo três esportistas excepcionais, os maiores que a civilização humana jamais conheceu, exibiu uma anomalia da natureza, um ser bizarro, comum na era incivil e bárbara, bruta e estúpida, que se esvai rapidamente, e está próxima a sua extinção, Tlob Niasu, um homem dotado da nefasta masculinidade tóxica. É Tlob Niasu um ser monstruoso, disforme. Tem um metro e oitenta e cinco centímetros de altura, e pesa oitenta e oito quilos; seu corpo, horrivelmente ossudo; sua figura, hedionda, de provocar asco em todas as pessoas. É ele uma criatura horripilante, de braços e pernas recortadas de músculos monstruosamente definidos, músculos a constituírem uma grotesca estátua de carne, e de um tronco desprovido da flacidez das belas e formosas pessoas do nosso tempo. É Tlob Niasu um espécime de tipos humanos de uma era que os humanos desejamos esquecer; é ele de uma era fadada à extinção - para a felicidade e a harmonia universais. É ele o último exemplar do tempo de irracionais bípides implumes. Os outros três competidores são atletas notáveis, donos de invejáveis talentos atléticos e intelectuais, e psicológicos e espirituais. São eles 0/21/32-3, 6/33-3 e 0-0/6-30/8. São os três modelos perfeitos de beleza física. Tem 0/21/32-3 um metro e sessenta e cinco centímetros de altura; seu corpo é composto de uma espessa camada de gordura de uma beleza ímpar a formar dobras excepcionalmente belas; tão forte, tão poderoso, de uma força descomunal, carrega os duzentos e quarenta e seis quilos de seu corpo com a destreza do deus da velocidade; nas suas coxas poderosas, as camadas sobrepostas de rica gordura sob pele de textura macia cobrem suavemente os joelhos. 6/33-3, homem de corpo esférico, desprovido de pescoço, é de uma robustez e poder titânicos de embasbacar todo ser mortal; os seus duzentos e sete quilos compactados num corpo de um metro e cinquenta e quatro centímetros de altura dão-lhe uma consistência invejável. E o terceiro dos formosos atletas, 0-0/6-30/8, dos três o mais atraente, carrega um corpanzil extraordinariamente gracioso e bem torneado, de um metro e sessenta centímetros de altura e duzentos e sessenta quilos, adornado com um ventre bojudo, extraordinariamente saliente, belamente arredondado, como que esculpido pelo mais talentoso dos escultores. A beleza destes três maravilhosos e belos atletas contrastam com a feiúra apolínea de Tlob Niasu, um tipo repugnante, tipo que, felizmente, é o último espécime de uma era bárbara, a de nossos mais próximos ancestrais, seres inferiores, que muitos defeitos nos legaram, defeitos dos quais estamos a nos livrar, para o bem da humanidade.


Na pista de corrida, os três formosos e elegantes atletas e o bárbaro desgracioso, que exalava a sua monstruosa masculinidade tóxica da era patriarcal, que desconhecia a verdadeira essência da humanidade. Na arquibancada, multidão alvoroçada a ovacionar os três atletas e a apupar o bizarro bípede que insistia em exibir seu corpo seminu, desgracioso, repulsivo, de causar engulhos aos humanos. Exercitavam-se os quatro competidores, Tlob Niasu a erguer acima da cabeça os braços esquálidos e defeituosos, e a entrelaçar os dedos da mão direita com os da mão esquerda, e a mover o corpo esguio, desgracioso, de um lado para o outro, exibindo a flexibilidade corporal desavergonhada, e a estender as pernas, ora a direita, ora a esquerda, inclinando-se para a frente, e a segurar a ponta do tênis com as duas mãos, numa grotesca, asquerosa exibição de movimentos corporais, que lhe destacavam os músculos disformes do corpo esquálido. E 0/21/32-3 massageava, lentamente, com gestos suaves e elegantes, suas bochechas rechonchudas e rosadas e emitia, com sua bela voz de tenor, argentina, um canto melífluo; e 6/33-3, deitado, girava-se de um lado para o outro, compenetrado em bater, com a palma da mão direita a costa da mão esquerda, e com a palma da mão esquerda a costa da mão direita; e 0-0/6-30/8 careteava maravilhosamente e massageava, com movimentos circulares das mãos, as duas em sentido ora horário, ora anti-horário, ora cada uma seguindo um sentido, alternadamente, seu ventre formoso.

O árbitro da partida pediu aos quatro corredores que se aproximassem da linha de início, e Tlob Niasu, celeremente, numa postura deselegante, condenável, recompôs-se, correu até o ponto que lhe estava reservado, e, enquanto esperava os três atletas ajeitarem-se cada qual ao seu local de direito, saltitava, grosseiramente, a balançar, repulsivamente, seus músculos repugnantes. Vaiou-o a multidão presente. E ele, espécime bizarro de uma era bárbara, não se constrangeu; arrogante, persistiu em exibir sua grosseira agilidade e sua flexibilidade corporal desgraciosa. E os quatro competidores posicionaram-se cada qual no lugar que lhe estava reservado. E o árbitro da corrida disse-lhes que se praparassem para o início da prova, que se daria assim que o lenço branco, que ele segurava com a mão direita - e que ele soltaria - atingisse o chão. E o estúpido Tlob Niasu uma vez mais revelou-se um tipo desprezível, o que não surpreendeu ninguém; curvou-se para a frente, estendeu os braços, e pousou os dedos, as mãos abertas, os dedos distantes uns dos outros, no chão, sem no chão encostar as palmas das mãos, e estendeu a perna esquerda e dobrou a direita, preparando-se para correr. E o árbitro soltou o lenço; e o lenço atingiu o chão. E em menos de dez segundos, Tlob Niasu cobriu os cem metros, e rompeu a faixa vermelha que indicava a linha de chegada. Apuparam-lo todos os humanos presentes no estádio. Ridícula, patética, a atitude do bárbaro pretensioso. Ele ergueu os braços e sorriu, feliz, a cantar vitória, imerecida vitória. Os três atletas, numa postura digna e louvável, soltaram-se, elegantemente, no chão, e serenamente esbravejaram e esgoelaram-se, num misto de raiva e indignação, e liberaram de seus olhos belos lágrimas cristalinas, que reluziram ao sol. Dos organizadores da prova o público exigiu regras justas. Os organizadores da prova num erro imperdoável ao estabelecer regras que favoreciam, criminosamente, o monstruoso, disforme Tlob Niasu. Ao confabularem durante cinco minutos, reconheceram que outra corrida os quatro corredores teriam de realizar, agora sob regras justas, e desculparam-se com o público, num tom de voz que deles transparecia constrangimento. Ponderaram: 0/21/32-3 correra cinco metros e sessenta centímetros, e 6/33-3 cinco metros e setenta centímetros, e 0-0/6-30/8 cinco metros e sessenta e oito centímetros, no mesmo tempo que o desprezível portador de masculinidade tóxica, Tlob Niasu, cobrira os cem metros; a prova nova, portanto, atendendo aos princípios elementares da justiça, contaria com regras que não favoreceriam Tlob Niasu: assim que o árbitro soltasse o lenço, e o lenço atingisse o chão, os três exímios e talentosos atletas, 0/21/32-3, 6/33-3 e 0-0/6-30/8 correriam com toda a velocidade que suas poderosas e formosas pernas lhes permitiriam, e assim que atingisse, o primeiro deles, os noventa e cinco metros, o árbitro daria sinal para Tlob Niasu correr. E assim foi feito. E o bárbaro, desprezível Tlob Niasu, numa exibição asquerosa de sua masculinidade tóxica, ultrapassou os três heróicos atletas, e rompeu, antes deles, a faixa vermelha que indicava os cem metros. E os três atletas, com a elegância de movimentos que lhes fizeram a fama, soltaram-se, no chão, indignados, enfurecidos, e justamente indignados e enfurecidos, e gesticularam bravamente, os olhos marejados de lágrimas de descontentamente com a injustiça que os vitimou, e clamaram, heroicamente, por condições competitivas mais justas. E o público vaiou Tlob Niasu, que comemorava a vitória imerecida, vitória que obtivera sob regras injustas. A sua alegria não durou muito tempo; logo foi ele obrigado a suprimir do rosto o repulsivo, deselegante sorriso. Reuniram-se os organizadores da prova uma vez mais para deliberarem novas regras competitivas. Ao encerramento da palestra, ele anunciaram as novas regras, estabelecidas após reconhecerem que não haviam, ao definirem as regras da segunda corrida, um detalhe, que não consideraram na equação: os três ágeis atletas se esgotariam durante o esforço de correrem os noventa e cinco metros, perderiam fôlego, desacelerariam o avanço rumo à vitória, e não correriam os cinco últimos metros da prova em tempo que lhes permitisse sobrepujar, em condições de equivalência competitiva, o adversário horrível e inescrupuloso, Tlob Niasu, resquício horripilante de uma era bárbara, incivil.


Agora, estabelecia-se a regra justa: 0/21/32-3, 6/33-3 e 0-0/6-30/8 principiariam a corrida, após o lenço que o árbitro soltaria, atingir o chão, na linha que indicava noventa e nove metros da pista, um metro antes da linha de chegada, enquanto o desprezível Tlob Niasu principiaria a sua jornada rumo à humilhação pública no ponto inicial. O público vibrou de emoção, eufórico. Assobiaram, felizes, alegres, contentes, as pessoas presentes na arquibancada. Elas reconheceram a justeza das regras. Aplaudiram, estrondosamente, os organizadores da prova, homens que, enfim, dever cívico incontornável a iluminar-lhes a mente, elaboraram regras justas, humanitárias. E deu-se a largada. E os três fenomenais, excepcionais atletas sobrepujaram, com incrível, impressionante facilidade, o desgracioso Tlob Niasu, homem desprezível, dele exibindo para todo o mundo a ausência de talento para o exercício de esporte tão nobre.

Foi premiado com a medalha de ouro 0-0/6-30/8, com a de prata 0/21/32-3 e com a de bronze 6/33-3. Ovacionou-o o público alvoroçado, eufórico. E Tlob Niasu, de cabeça baixa, semblante entristecido, de um homem inferior, de um tipo desprezível, retirou-se do estádio, sob vaias tempestuosas da multidão, que aplaudia os três heróis do atletismo global.

Minutos após o encerramento do grandioso espetáculo esportivo, Tlob Niasu reapareceu em público, exibiu sua carcaça putrefata, de homem incivil, horrível e repulsiva, de uma esqualidez cadavérica, repugnante, pálida, de olhos fundos, sem vida, e anunciou a sua aposentadoria. Disse, num tom de indisfarçado orgulho ferido, ególatra que é, que se recolheria à sua casa, e dela jamais se retiraria, e o fez num tom que dava a entender que os humanos, e não ele, perderíamos com tal decisão. E recolheu-se o ilustre ser das trevas aos bastidores. Oxalá ele jamais se exiba ao público! Os humanos não desejamos ter diante dos olhos a figura dele, figura disforme, anômala, que nos fere em nossa sensibilidade superior. O mundo estará melhor sem ele, e sem ele poderá progredir até atingir a perfeição à qual está predestinada.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Um

 Paçoca de Amendoim e Pamonha de Milho


Confesso que não sei se o que eu envio para dentro de meu estômago voraz - glutão é meu estômago, e não eu - é o que eu acredito que seja. Não sou de acreditar na veracidade das informações inscritas nos rótulos dos produtos alimentares dos quais retiro substâncias, que não sei quais são, que me servem de energia para manter o corpo a funcionar a pleno vapor; aliás, eu sequer leio os rótulos; dos poucos que eu li, conclui que as informações que trazem coisa nenhuma me esclarecem, e de nada me servem; lendo-os, não venho a saber se são os produtos amargos, azedos, agridoces, se atendem ao gosto do meu paladar; sei, apenas, que são os produtos compostos de coisas, que eu não tenho a mínima idéia do que sejam, de nomes impronunciáveis umas, outras de nomes copiados dos de personagens de desenhos animados.

Há um mês comprei paçoca, e, assim que cheguei em casa, comi, dela (da paçoca, e não da minha casa), um bom bocado - estou a me perguntar desde então se os ingredientes dela eram amendoim, sal e açúcar, ou serragem, pó de carvão e fumaça de pedregulho. De amendoim sequer o cheiro eu senti. Que havia sal naquele pó, havia, acredito, mas não estou certo se era sal, mesmo, ou minúsculos cacos de vidro, do tamanho de grãos de areia. E se a pamonha que eu comi não sei há quantos dias era de milho, não sei. Pareceu-me aquela massa massa de modelar amarela - dessas com as quais as crianças do jardim-de-infância brincam - banhada em chá de inhame e batata, e os pedaços de queijo que a recheavam, poucos, giz encharcado. Esquecia-me: a mais famosa pamonha é a de Piracicaba. E o pão de leite que eu comi dia destes não continha leite, nem um pingo sequer, acredito. Eram os seus ingredientes, suspeito, cal, terra, pó de grafite e folhas de sulfite brancas desfeitas em água. E há não muitos dias comi um pedaço de rapadura, que era, assim penso, lama prensada, que se me tornou digerível após eu lhe adicionar uma boa quantidade de açúcar de cana, cana-de-açúcar, uma das riquezas brasileiras. E hoje mandei para dentro de meu estômago uma goiabada cujos ingredientes eram, presumo, chuchu - ou é com "x"? - berinjela - com "j" ou com "g", não sei -, casca de banana nanica, espiga de milho e fígado de boi (ou de vaca, sei lá).

Com o propósito de documentar para a posteridade aspectos da saudável culinária dos tempos modernos, registro, com a seriedade que me é habitual, as palavras que o leitor leu, com a atenção que o assunto pede, nas linhas acima desta. É este meu texto um documento de valor histórico, valioso, inestimável. E não posso encerrá-lo sem dizer o seguinte: Aquela coxinha de frango que na semana passada eu comi tinha jeito de ser uma perna de sapo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Quatro comentários

 Os seguidores da Ciência seguem qualquer coisa, menos a ciência. Histeria coletiva. Palavras e mais palavras. Aristófanes e os homens da lei. Notas breves.


Um bom punhado de pessoas, assim que, no distante ano de 2.020, ouviram falar sapienciais médicos e cientistas renomados, evoluíram, de homo sapiens para homo seguidoris cientificus - que me perdoe o leitor o péssimo latim, que é dos latinos, e não meu -, Seguidores da Ciência, em vernáculo. A imprensa elevou, estamos cientes, aos píncaros da notoriedade certos médicos e cientistas, uns quatro, ou cinco, e atribuiu-lhes dons supremos, infalibilidade. E de tanto ouvirem tais sumidades descarregarem, usando de um vocabulário pra lá de estrambótico, que ninguém entendeu, mas todos fingiram que entenderam - todos, aqui, são os homo sapiens que ambicionaram a evolução que viriam a sofrer -, tempestuosamente platitudes sem fim, ou coisa que o valha, os homo sapiens que passavam por um ligeiro processo evolutivo introjetaram, conscientemente, suponho, os conhecimentos superiores que delas ouviram, aprenderam a rejeitar negacionismos, dando mostras inegáveis de que estavam predestinados a superarem a sua natural condição homosapiensnica - que neologismo escalafobético - e a enfiarem o dedo acusador no nariz dos seres humanos inferiores fadados a viverem eternamente - enquanto vivos, é óbvio - sob o domínio de sua homosapiensticidade (Hoje eu 'tô demais; é este o segundo neologismo que invento em menos de cinco minutos). Na prática, recusaram-se a dedicar um pouco, um pouco que fosse, de sua atenção às vozes dissonantes e a ponderarem a respeito das objeções que eles aventaram. Excitados pelos pronunciamentos das celestiais autoridades midiáticas, médicos e cientistas eleitos pelos donos do poder, que impuseram uma visão única do fenômeno epidêmico - real, ou não, não vem, aqui, ao caso -, arvoraram-se defensores legítimos do debate democrático, livre, franco, aberto, e declararam-se dispostos à controvérsia. Verdade seja dita, primeiro eles rotularam de nazistas, fascistas e genocidas os que não assinaram embaixo dos documentos chancelados pelos sábios de plantão e recusaram-lhes acesso aos canais de comunicação, e assim, eliminando-os do debate público, fizeram valer a verdade homoseguidoriscientificusênica (e aqui vai o meu terceiro neologismo). E clamam aos quatro ventos que venceram o debate público. Qual debate público? O que nunca existiu.

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Ainda persiste a histeria coletiva que a imprensa e a internet criaram nestes meses de domínio do protagonismo do coronavírus no cenário midiático e político global. Impressiona a facilidade com que as pessoas abandonaram - as que a possuíam - a razão para adotar, mecanicamente, o discurso predominante, que foi sendo alterado numa sucessão de narrativas sem pé nem cabeça. No início, dizia-se que era o vírus velocíssimo, a mover-se numa velocidade hipersônica, e de baixa letalidade; daí a necessidade de se impôr uma política de quinze dias de quarentena para se desacelerar a transmissão do vírus entre os humanos e dar tempo para os órgãos públicos de saúde prepararem hospitais para acolherem a enxurrada de doentes infectados pelo vírus. E depois destes quinze dias, era o que se dizia então, o vírus seguiria o seu curso natural, e as pessoas saudáveis infectar-se-iam, até se atingir a imunidade de rebanho, natural. As pessoas assumiram o compromisso de praticarem certas atividades, apropriadas, que contribuiriam para a contenção da transmissão do vírus. E fim. The end. E todos viveriam felizes para sempre. Mas de repente, mais que de repente, alterou-se a narrativa. Tinham, agora, todas as pessoas de se conservarem indefinidamente trancafiadas em suas casas até que se produzisse a vacina, pois a imunidade natural inexiste, ou é, existindo, inútil. E aceitou-se tal narrativa, o novo consenso científico entre médicos e cientistas, quatro, ou cinco, escolhidos a dedo, que apresentaram ao admirável público, tão receptivo, tão sugestionável, a boa nova. E menciono outro ingrediente da narrativa: nenhum remédio, pois remédios provocam efeitos colaterais, podia ser administrado aos humanos já infectados pelo vírus. E poucos foram os que se perguntaram quanto tempo teríamos de esperar pela vacina milagrosa, e o que aconteceria com as pessoas que subsistem de venda de balas-de-goma, paçoca, bugigangas, nas praças, e cuja renda lhes dá meios para a aquisição da refeição de um dia, apenas para a da de um dia, e se apenas os remédios indicados para uso contra o vírus ao qual se atribui todos os males que nos afligem provocam efeitos colaterais nas pessoas que deles fazem uso. O terror psicológico, de assustar. Muitas pessoas viram o vírus em todo lugar, e o viram porque não o podiam ver. A imaginação, em estado de histeria, fê-las vê-lo, e vê-lo com a figura de uma criatura monstruosa, escatológica.

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Com a ressignificação das palavras enfia-se novas idéias na cabeça de todos, idéias que não correspondem ao objetivo real dos que ressignificam as palavras e o qual o público rejeitaria se apresentado com as palavras conservados os seus significados correntes; é o objetivo alegado dos ressignificadores de palavras benéfico, sempre; e o verdadeiro, inconfessado, oculto, maléfico. Ao se dizer "controle de natalidade" e "aborto de feto" está-se a dizer, ensina o discurso oficial, que se faz urgente uma política social, pública, para se evitar o esgotamento dos recursos naturais, e, consequentemente, o colapso da civilização, e, o mais preocupante, a aniquilação dos seres vivos e a destruição da Terra; mas o que se esconde com tal palavreado do público desavisado é a política, a real, de assassinato de crianças, de dessensibilização dos humanos, de promoção da cultura da morte, do hedonismo, de uma cultura anárquica, suicida. Ao se dizer "amor intergeracional", defende-se - é o discurso oficial - o sentimento amoroso (entenda-se, relações sexuais) entre adultos e crianças, sentimento que se deve compreender e respeitar; mas está a se promover a violência, o abuso, a exploração sexual de jovens e de crianças. São belas as palavras de tolerância, de respeito, de luta contra os preconceitos e os tabus. Vende-se gato por lebre. Em nome do combate ao machismo promove-se o ódio ao homem  - daí o discurso contra a "cultura do estupro" e a afirmação "todo homem é um estuprador em potencial" e a condenação da "masculinidade tóxica" (daí afirmarem que todo homem é violento, selvagem, incivil, uma ameaça à civilização). Na luta contra o racismo, sustenta-se o ódio mortal pelo homem branco. Em defesa das mulheres, com palavras melífluas, além de justificarem o ódio aos homens, enobrecem o mal que se faz às mulheres. Ressignificando-se as palavras são atos anti-democráticos as manifestações pacíficas de bolsonaristas; e manifestações pela democracia, livres e espontâneas, populares, revoltas e sublevações violentas que jogam policiais feridos, nos hospitais, às portas da morte, e deixam casas a arderem em chamas e, destruídos, prédios públicos e privados. E é aliança pela democracia e contra o fascismo a associação de criminosos contra o povo honesto e trabalhador.

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Aristófanes, dramaturgo que viveu, há dois mil e quatrocentos anos, na Grécia, não tinha em alta conta os homens das leis. Em As Vespas ele exibe o seu desprezo por tal gente. Sem papas na língua, ferina, corrosiva, rididulariza juízes, que atuam, segundo ele, não em benefício da Justiça, mas de si mesmos, a salvaguardarem os seus privilégios e os dos poderosos que os sustentam. E as exceções confirmam a regra. Ontem e hoje.

sábado, 13 de novembro de 2021

Três textos

 Bolsonaro, o iconoclasta. Bolsonaro, o herege. Desmascarados. Notas breves.


E o Bolsonaro, hein!? Ele se recusa a idolatrar os novos sacerdotes, cuja indumentária resume-se a jaleco branco, sapatos brancos, meias brancas; roupas brancas, enfim. E ele não se dispõe a entrar, e humildemente, de cabeça baixa, nos novos templos sagrados, os laboratórios farmacêuticos, e prosternar-se diante da Santa Vacina. Herege! Ímpio! Iconoclasta incivil! Impio! Ele rejeita o decálogo cientificista desumanizador.

*

E na Europa Bolsonaro, o herege confesso, não-vacinado, num tetê-a-tetê com ninguém mais, ninguém menos, que Tedros Adhanom. Ambos sem máscara. E acompanhados de outros personagens, todos sem máscara.

Nas últimas reuniões de líderes mundiais o que mais se viu foram homens poderosos, todos sem máscara, em ambientes fechados, a abraçarem-se, a confabularem sem respeitar o distanciamento social, a divertirem-se, e a zombarem da cara de todas as pessoas que se sacrificam pelo bem comum - assim pensam os abnegados cidadãos responsáveis que neste tempo dramático arvoraram-se autoridades morais.


*


Descer para baixo e subir para cima.


- Eu, então, desci para baixo...

- Desceu para baixo!? Mas é para baixo mesmo que se desce.

- Nem sempre.

- Que!? Desce-se para cima!? Não me diga que, além de se descer para cima, sobe-se para baixo.

- Digo.

- Então diga.

- Eu, ontem, desci para baixo...

- Não precisa dizer que desceu para baixo, pois sempre que se desce desce-se para baixo.

- Ontem, deixe-me falar e preste atenção, besta, após subir, para cima, pela escada, da laje, desci, para baixo, pela escada, para o chão. Portanto, subi para cima e desci para baixo.

- Ô, João, você não...

- Cale a boca. Eu ainda não terminei. Ao subir, para cima, pela escada, da laje, eu subi, portanto, para cima, e me pus, então, embaixo do telhado. Eu, portanto, subi, pela escada, do chão, para baixo do telhado. Posso, então, dizer que subi para baixo, neste caso, de cima do chão para baixo do telhado. Entendeu? Eu, depois, ao descer, pela escada, para baixo, da laje para o chão, me pus em cima do chão. Eu, portanto, desci, pela escada, de cima da laje (ou de debaixo do telhado, tanto faz) para cima do chão. Posso, então, dizer que desci para cima, neste caso, de cima da laje (ou de debaixo do telhado) para cima do chão.

- Mas, João, você não entendeu...

- Nem mas, nem meio mais. Vá estudar Língua Portuguesa e lógica básica, e não me torre mais a paciência.


*

Aula de interpretação de texto


Na sala-de-aula.

O professor:

- Vamos analisar, garotada, esta frase que escrevi na lousa. Vejam. Interpretação de texto. Leiam a frase. Aqui está assim "Na Igreja, casaram-se João e Maria." O que se quer dizer com tal frase? Quem sabe?

- Que o João casou com a Maria - disse Carlinho.

- Errado - disse o professor.

- Que a Maria casou com o João - disse Marcinha.

- Errado - disse o professor.

- Que o João ama a Maria e que a Maria ama o João - disse Robertinho.

- Errado - disse o professor. - Vamos, gente. Quem sabe? O que se quer dizer com esta frase "Na Igreja, casaram-se João e Maria."?

- Que na Igreja há um padre - disse Lucinha.

- Errado - disse o professor.

- Que tem bolo de chocolate na festa - disse Paulinho.

- Errado - disse o professor.

- Que o João e a Maria querem ter filhos - disse Vicentinho.

- Errado - disse o professor. - Vamos lá, gente. É aula de interpretação de texto.

- Que João e Maria viverão felizes para sempre - disse Andreiazinha.

- Errado - disse o professor.

- Que o João e a Maria eram solteiros antes de se casarem - disse Marquinhos.

- Não. Não. Não. E não. - disse o professor, meio desanimado.

- Que o padre é homem - disse Martinha.

- Na na ni na não - disse o professor. - Hoje vocês estão muito fraquinhos. Vou explicar o que se quer dizer com tal frase. Atenção. Vivemos... Prestem atenção. Vivemos numa social opressora, e nesta sociedade, que é patriarcal, os homens oprimem as mulheres. Sociedade patriarcal que dizer que a sociedade tem um patriarca, que é homem. Os homens oprimem as mulheres. João, então, oprime a Maria, porque o João é homem e a Maria é mulher. Temos que mudar isso, temos de acabar com o patriarcalismo, que é o governo dos patriarcas, que são homens, que são opressores, que oprimem os oprimidos, e os oprimidos pelos homens são as mulheres. E para acabar com o patriarcado temos acabar com a Igreja, que sustenta o governo patriarcal, que é opressor.

- Nada disso 'tá escrito na frase "Na Igreja, casaram-se João e Maria." - observou Beatrizinha.

- Eu sei - disse o professor. - Não 'tá escrito, mas 'tá implícito. Daí a importância da interpretação de texto. É importante saber interpretar texto.

- Mas o João casou com a Maria porque ele a ama e a Maria casou com ele porque ela o ama - disse Renatinho.

- Errado - disse o professor.

- É assim que eu interpreto o texto - disse Renatinho.

- Interpretação errada - disse o professor. - Você está ideologizado. Você está oprimido pelo seu pai, que oprime sua mãe, e ambos oprimem você, que é de uma família patriarcal. E seu pai e sua mãe casaram-se numa igreja, que sustenta o patriarcalismo.

- Meu pai e minha mãe casaram-se na Igreja. E meu pai ama minha mãe, que ama meu pai. E eu tenho três irmãos. Sou o caçula. Meu pai e minha mãe estão casados há vinte e seis anos. Já têm bodas de prata - disse Ricardinho.

- Eles não se amam - corrigiu-o o professor.

- Amam-se, sim - retrucou Ricardinho. - Eles me dizem...

- Eles não se amam - replicou o professor, perdendo a compostura. - Eles fingem que se amam. São de uma família tradicional. Eu, que sou professor, tenho preparo para entender o que se passa na sua família; você, não. E eu sei interpretar texto.

- Professor, você disse, na outra aula, que cada pessoa pode interpretar o texto de um jeito e que não existe a interpretação certa, e agora... - comentou Lurdinha.

- Eu sou o professor - interrompeu-a o professor. - Eu sei qual interpretação é a correta: a minha. Eu tenho preparo. Quantos anos eu fui à faculdade estudar o assunto? Muitos. E vocês? Nenhum.

- Mas... - disse Ricardinho.

- Não me questione. Aceitem o que eu disse. Agora, atenção, outra frase. Prestem atenção. Interpretação de texto. Numa empresa, à parede, uma folha de cartolina com a frase "Contratam-se funcionários." O que se quer dizer com tal frase?


- Que a empresa está contrando funcionários - disse Marquinhos.

- Errado - disse o professor.

- Que a empresa precisa de funcionários - disse Vicentinho.

- Errado - disse o professor.

- Que a empresa quer vender as coisas que tem, mas tem poucos funcionários para vendê-las - disse Renatinho.

- Errado - disse o professor. - Vamos, gente. Interpretação de texto.

- Que a empresa quer vender bolo de chocolate - disse Paulinho.

- Errado - disse o professor.

- Que a empresa vai pagar salário para as pessoas que ela contratar - disse Vanessinha.

- Errado - disse o professor. - Errado. Errado. Nada do que vocês disseram está certo. Vocês têm de aprender a interpretar textos. A interpretação correta da frase é: a empresa, uma instituição capitalista, é opressora, oprime os trabalhadores, que são pelos capitalistas oprimidos...


quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Três

 Bozonaro, o malvadão. O vírus tem inteligência artificial. Notas breves.



Em 2020 e 2021 um vírus super-mega-hiper mortal ataca a Terra, e mata milhões de pessoas, em todos os países, menos no Brasil, onde as mortes atribuídas ao vírus foram causadas pelo presidente Bozonaro. E não contente com a mortandade, destruiu o vírus a economia de todos os países, menos a do Brasil, que foi destruída pelo Bozonaro.

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O vírus, que defende agenda política de esquerda, livrou a cara dos heróis dos esquerdistas, Macron, Fernandez, Trudeau e Merkel. Na França, na Argentina, no Canadá e na Alemanha, ele faz e acontece, e assume as responsabilidades pelos seus atos inconsequentes; já no Brasil - e nos Estados Unidos durante o governo Trump -, ele se faz de joão-sem-braço.

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O vírus hiper mortal está nas ruas, matando muita gente. Para impedi-lo de matar gente à beça devem as pessoas que executam atividades ditas não-essenciais viverem – se puderem - trancadas em suas casas até a chegada da vacina, poção mágica que dará fim ao vírus. Enquanto isso, as pessoas que executam atividades ditas essenciais podem executá-las livremente, respeitando, obviamente, protocolos sanitários. Ora, se o vírus está nas ruas, então as pessoas que executam atividades ditas essenciais, saídas à rua, foram irresponsáveis, pois, expondo-se ao vírus, arriscaram-se a serem por ele infectadas, e muitas o foram, de fato, e muitas das infectadas, assintomáticas, não vindo a saber que carregavam consigo o vírus, o transmitiram (caso proceda o discurso que ensina que as pessoas assintomáticas transmitem o vírus) para outras pessoas. Podem tais pessoas alegarem que seguiram protocolos sanitários; ora, se seguindo os protocolos sanitários, puderam exercer atividades fora de suas casas, por que as pessoas que exercem as ditas atividades não-essenciais não puderam exercer as suas, desde que também respeitassem os protocolos sanitários, os mesmos que as pessoas que executam as ditas atividades essenciais respeitaram? Será que o vírus só ataca pessoas que executam atividades ditas não-essenciais?

Eu ouvi muita gente - não poucas profissionais das áreas ditas essenciais - condenar as pessoas que, de áreas profissionais ditas não-essenciais foram irresponsáveis ao se recusarem a respeitar a quarentena, retirarem-se de suas casas e irem às ruas. Ora, o vírus ataca as pessoas que, consideradas de profissões ditas não-essenciais, saem às ruas, mas não as que saíram à rua para o exercício de suas atividades ditas essenciais? O vírus sabe distinguir as duas categorias de pessoas, as profissionais de atividades ditas essenciais das profissionais de atividades ditas não-essenciais? Tem o vírus inteligência artificial, com certeza.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Um filme e um livro

 Ilya Muromets (1956) - direção: Alexander Ptushko


Baseia-se em um conto do folclore russo, de autoria dr M. Kochnev, a estória deste filme, que não tem muitos atrativos. É o seu herói Ilya Muromets (Boris Andreyev), homem de talentos sobre-humanos; a sua força é descomunal; sua valentia, irrivalizada. Está ele, em seu lar, na aldeia Karacharovo, quando guerreiros das estepes, sob o comando do tzar Kalin, (Shukur Burhonov) atacam-la, reduzem às cinzas muitas de suas habitações, e raptam Vassilisa (N. Myshkova). Na sequência, visitam a aldeia arruinada peregrinos que haviam recebido, do espírito do cavaleiro Svyatogor, herói lendário, mítico, uma espada, que eles deveriam entregar ao homem que estava destinado a salvar a mãe Rússia. E Ilya Muromets era tal herói. Ele nada pudera fazer para salvar Karacharovo da selvageria dos invasores porque não tinha os movimentos de seu corpo, os que recuperou assim que bebera um líquido, cujo principal ingrediente era certa erva de propriedades curativas, que os peregrinhos lhe haviam oferecido. Tão logo viram que Ilya Muromets reapropriara-se de sua força, entregaram-lhe os peregrinos a espada que em tempos imemoriais pertencia a Svyatogor. E o herói russo, destinado a salvar a sua pátria, após encontrar seus pais, e pedir-lhes a benção para ir a Kiev - que os guerreiros das estepes pretendiam conquistar -, e deles recebê-la, montou em Burushka, um potro, que o acompanharia em toda a longa viagem, durante cujo transcurso ele cresce, amadurece, encorpa-se, até assumir as formas de um robusto e formoso cavalo preto. E ao chegar Ilya Muromets em uma encruzilhada, corvos apresentam-lhe três caminhos: o que o levaria à riqueza; o que o conduziria ao seu casamento; e o que o condenaria à morte. E o herói decide seguir o que lhe daria um fim trágico. Era um herói Ilya Muromets. Para salvar Kiev, recusou a fortuna e as delícias do casamento. Estava decidido a sacrificar-se numa aventura que lhe exigiria coragem, sabedoria e força de vontade para enfrentar, e superar, todos os obstáculos que encontraria em seu caminho. E seguindo o herói seu curso, depara-se com o pequeno Rouxinol, o Ladrão, um ser disforme, repulsivo, cujo sopro provocava ventanias devastadoras. E o derrota. E segue rumo às terras do príncipe Vladimir (A. Abrikosov) e da princesa Apraksya (N. Medvedeva), onde conhece Dobrynia (G. Dyomin), um herói russo, e outras personagens lendárias. E resgata Vassilisa. E contratempos o fazem ser punido pelo príncipe Vladimir, que manda que o encarcerem num calabouço lúgubre, onde, aprisionado por anos, não morre de fome e sede porque uma toalha de mesa, mágica, que lhe tecera Vassilisa, dá-lhe o alimento e a água de que necessitou durante os anos de cárcerr. E revela-se Mishatychka (S. Martinson), súdito do príncipe Vladimir, traidor, a agir em favor do tsar Kalin. E encaminha a aventura para o seu fim. Ilya Muromets e seu filho digladiam-se, em Kiev, tsar Kalin e oe seus guerreiros a atacarem-la. É sangrenta a batalha. Ao final, aparece de entre as montanhas um dragão de três cabeças.


É o filme aventura, musical, comédia, drama, épico, romance histórico. Contêm em sua fórmula ingredientes destes gêneros e de mais alguns outros. Um dos seus atrativos é a paisagem, vasta, exibida em cenas panorâmicas; outro, o humor, simples, ingênuo - em algumas cenas, involuntário. Tem o filme duas cenas engraçadas, que saltam aos olhos, a graça produzida por erros de produção. Uma se dá num campo, após uma batalha, cadáveres a cobri-lo: um dos cadáveres, supostamente morto, move o braço esquerdo, para, assim me pareceu, remover da testa alguma coisa que o incomodava. Cá entre nós, o cadáver não estava inteiramente morto; não era um autêntico defunto. A outra cena, também em um campo de batalha: um soldado russo a manejar a espada com tal displicência que fiquei com a impressão que o ator que o representava não tinha a mínima idéia do que estava fazendo.

Sei que é o filme antigo, velho de sessenta e cinco anos, e que os recursos cinematográficos do ano de sua produção - e os soviéticos não nadavam, ao contrário do que afirmava a propaganda comunista, em dinheiro - não chegavam aos pés dos atuais, mas os produtores bem que podiam ter caprichado um pouco mais na construção do dragão de três cabeças que dá o ar da sua graça nas cenas finais do filme; parece tal monstro um boneco gigante de carro alegórico de escola de samba brasileiro.

É Ilya Muromets, de Alexander Ptushko, apesar de todos os seus defeitos, que são muitos, e eu decidi mencionar apenas alguns deles, um bom entretenimento.


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A Mulher que Fugiu de Sodoma - de José Geraldo Vieira


Poucos livros agarraram-me pelo pescoço, e soltaram-me só depois de eu ler-lhe a última de suas palavras. A Mulher que Fugiu de Sodoma é um deles. Está vazado num estilo simultaneamente simples e sofisticado, de bom gosto literário. É uma narrativa cativante, o autor a retratar o seu herói com sensibilidade rara, incomum, dedicando-lhe amor e carinho paternais, severo e ao mesmo tempo meigo, a cuidar dele com desvelo, porque sabe - afinal, é-lhe o criador - que ele irá se perder, e sua onisciência fá-lo disposto a compreendê-lo, respeitá-lo, amá-lo.

Narra José Geraldo Vieira a queda do médico Mário Montemor, que se vê em apuros devido ao seu vício em jogos (de azar, para muitos; de sorte, para poucos, os escolhidos; de muita, muita sorte, para os donos da banca). Faltando à lealdade ao doutor Silva Soares, vem Mário Montemor a lhe dever uma soma impagável. Após inteirar sua esposa, Lúcia Montemor, da situação em que se pusera, ela, dedicada, sai em busca do dinheiro correspondente ao valor da dívida que ele contraíra, e teria de arrumá-lo até a data aprazada pelo credor. Recorre Lúcia Montemor à Natália Cordeiro, sua prestimosa e solícita amiga, e à sua tia Marta, que lhe dedica amor inexcedível, e, enfim, à Ana Maria, sua amiga, esposa de Nuno de Almada, empresário miliardário, magnata brasileiro, cuja riqueza se rivaliza com a dos potentados europeus. Bem-sucedida em sua empresa, livra seu marido do apuro em que ele se pusera, mas ele não se emenda. A morte do "Segundo Clichê", menino que vendia jornais, filho de Justiniano, foi, entende Lúcia Montemor, consequência do descaso, da irresponsabilidade de Mário, de quem ela se afasta. Lúcia Montemor recorre à tia Marta, que a acolhe. Ana Maria pede à Lúcia que ela lhe seja preceptora da filha, Leonor, e ela não se faz de rogada e transfere-se para a casa dos Almada. Neste meio tempo, Mário Montemor, após vender alguns de seus pertences, e com o dinheiro da venda saldar algumas dúvidas de jogo, recorre ao seu tio Zózimo, que o repreende, exorta-o a ir à Europa estudar medicina e se compromete a sustentá-lo durante os anos de estudos. Mário aceita-lhe a oferta, e embarca para a Europa, e instala-se em Paris. No início, ele se dedica aos estudos, aprimora os seus conhecimentos; e diverte-se com a modelo Pervanche, de quem se torna amante. Mas não persiste nos estudos; logo perde-se, o jogo o excita; aposta boa soma em corridas de cavalos; contrai dívidas. E morre-lhe o tio Zózimo, que lhe enviava, mensalmente, dinheiro para o sustento. Endividado, sem rumo, reduzido, devido o seu vício do jogo, à miséria, envolve-se com criminosos; encontra moradia na rua. Adoece. Amigos o acolhem, ajudam-lo, dele cuidam. E o que lhe sucede o leitor saberá ao ler o livro.

O leitor percebeu que eu falei de Mário Montemor, mais dele do que de qualquer outro personagem, e concluiu que é ele o herói do drama que nos conta José Geraldo Vieira, e pergunta-se porque é o título do livro A Mulher que Fugiu de Sodoma. É Lúcia Montemor, esposa de Mário Montemor, a personagem que, ausente da maioria dos episódios do romance, está presente em toda a obra, da primeira à última linha, em todos os episódios, pois é a figura dela que Mário Montemor tem em seus pensamentos; ela está nos sonhos dele, nos pensamentos dele; ele a tem consigo todo o tempo. É Lúcia Montemor a personagem central do romance, seu coração, sua alma. Mulher dedicada ao marido, de alma pura, ela recusa a Sodoma que o mundo lhe oferecia, oferta que lhe redundaria, se ela a aceitasse, na perdição da alma. A cena derradeira da sua aventura ilustra a sua rejeição à Sodoma.

É o livro de José Geraldo Vieira, A Mulher que Fugiu de Sodoma, uma obra magnífica, uma obra-prima da literatura brasileira. De leitura agradável. De estilo primoroso. Anima-a personagens cativantes. Em poucas horas de leitura, segui Mário Montemor em suas desventuras dramáticas, narradas com esmero, e simpatizei-me com ele.

Apenas os mestres da literatura conhecem a fórmula mágica da criação de personagens humanos, autenticamente humanos. E José Geraldo Vieira é um deles.




domingo, 7 de novembro de 2021

Três

 Ração boa pra cachorro


Dirigiu-se Antonio Roberto, às dez horas da manhã, à loja de vendas de artigos para animais; assim que lá chegou, atendeu-o uma funcionária, moça de uns vinte anos, baixa, de, se muito, um metro e sessenta de altura, esbelta, que então ajeitava, com uma maria-chiquinha, os cabelos pretos, lisos, volumosos. Sorridente, ela saudou-o, exibindo-lhe sua fileira de dentes brancos: "Bom dia, senhor. O que o senhor deseja?" E Antonio Roberto respondeu: "Ração para um cachorro velho, de dentes bem fracos." "Cachorro pequeno, ou grande?" "Médio. Um vira-lata. Ele tem, acho, uns quinze quilos." "Temos estas duas rações." - e mostrou-lhe os dois pacotes. "São boas para cachorros velhos de dentes fracos?", perguntou-lhe Antonio Roberto. "Sim, senhor. São macios. Veja." - e apertou a moça dois pacotes, um de cada tipo de ração que indicara a Antonio Roberto, sentindo a ração entre os dedos. E Antonio Roberto repetiu-lhe o gesto. "É verdade. São macios, bem macios. Vendem à granel?" "Sim, senhor. De quanto o senhor precisa?" "Das duas rações, meio quilo de cada. Darei das duas para o meu velho amigo, e verei qual delas ele come, qual não." "É melhor, né? Assim não desperdiça ração." E a moça pesou meio quilo de cada uma das duas rações escolhidas, e entregou a Antonio Roberto um pequeno pedaço de papel com o logotipo da empresa, no qual escrevera o preço a pagar pelas rações, e disse-lhe que pagasse no caixa e retirasse a compra no balcão. E ele seguiu-lhe as orientações. Aproximava-se Antonio Roberto do balcão, quando a moça que o atendera afastou-se para falar com outra funcionária; e chegou-se ao balcão um funcionário, que, vendo a sacola com as rações empacotadas, perguntou para Antonio Roberto: "Esta ração é para o senhor?", e ele lhe respondeu: "Para mim, não; é para o meu cachorro." O funcionário riu, a moça riu e pegou a sacola e entregou-a a Antonio Roberto, e agradeceu-lhe a visita à loja no mesmo instante em que ele, rindo, dizia: "Esta ração é boa pra cachorro."


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Dois vídeos de Rodrigo Gurgel, crítico literário. Semana de 22 e os medalhões da Literatura.


Assisti, ontem, 04/08/2021, no Youtube, a dois vídeos, ambos de um pouco mais de três minutos de duração, do professor de Literatura e crítico literário, Rodrigo Gurgel. São os dois vídeos, um publicado no dia 17/03/2020, e o outro no dia 29/02/2020, respectivamente, "A Desnecessária Semana de 22" e "Devemos Dissecar a Literatura Sem Ter Receio dos Medalhões". Ambos os dois vídeos completam-se. No segundo aqui mencionado, diz o professor que não é papel do crítico literário demolir a reputação dos escritores, reduzir à pó as suas obras, mas dialogar com eles, e avaliá-las em seus aspectos positivos e negativos. Menciona o poeta brasileiro Manuel Bandeira, e diz que ele, prosador e poeta de recursos literários inesgotáveis, um escritor de mão cheia, fora de série, escreveu, para honrar seus compromissos, sob encomenda, peças constrangedoramente medíocres, que, é óbvio, não incorrem em diminuição do valor de sua obra, e tampouco lhe desmerece o talento. E aqui tece críticas aos modernistas da Semana de 22, citando-a por alto. E a literatura da Semana de 22 é o tema central do primeiro vídeo mencionado linhas acima. Neste vídeo, dedica atenção a Menotti del Picchia, e usa-o para ilustrar a sua tese. Dez anos após a Semana de Arte Moderna, de 1922, escreve Menotti del Picchia livro de qualidade superior aos que ele escreveu sob influência dos modernistas: Kummunká, obra de cunho filosófico e social. E além de Menotti del Picchia, outros autores modernistas, à margem do movimento modernista, escreveram obras valiosas, que em muito superam as que escreveram submissos, num ímpeto revolucionário, iconoclasta, elitista, sob os ditames da escola modernista. E entende o crítico literário desnecessária a Semana de 22 porque tinha o Brasil, então, uma literatura que emulava à dos europeus, literatura que contava, entre seus principais expoentes, com Machado de Assis, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato - e estes dois últimos experimentaram estilos retóricos mais fiéis ao ambiente cultural brasileiro. E dois importantes escritores regionalistas, Graciliano Ramos e Rachel de Queirós torciam o nariz para os modernistas.

Diz o professor Rodrigo Gurgel que têm os brasileiros de entabularem palestra amigável com os escritores brasileiros, e com os medalhões, sem temê-los, e tê-los como interlocutores; e dentre tais medalhões estão os escritores modernistas, que, muitos entendem, têm de ser pelo povo reverenciados, cultuados, e não estudados, avaliados. Lição proveitosa dá aos brasileiros o professor de Literatura e crítico literário Rodrigo Gurgel.


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Ragnarok (Ragnarok - 2013) - direção: Mikkel Brænne Sandemoso


O arqueólogo Sigurd Svendsen (Pål Sverre Hagen), nostálgico de uma era que ele não viveu, a de remotos antepassados vikings, após decifrar uma antiga inscrição, em pedra, nórdica, que seu amigo Allan (Nicolai Cleve Broch) encontrara e entregara-lhe, segue, o amigo Allan a secundá-lo, e acompanhado do filho Brage (Julian Podolski) e da filha Ragnhild (Maria Annette Tanderø Berglyd), e de Elisabeth (Sofia Margareta Götschenhjelm Helin) e de Leif (Bjørn Sundquist), até o Olho de Odin, uma ilha isolada, no norte da Noruega, numa região distante da civilização. Descobrem os aventureiros que na Segunda Guerra Mundial os soviéticos haviam chegado àquela ilha e às suas vizinhanças, regiões inóspitas, praticamente inacessíveis, que havia muito tempo não via humanos. Desde que se embrenharam pela densa floresta, surpreenderam-los fenômenos misteriosos. São muitos os veículos soviéticos abandonados, corroídos pelo tempo e pelas intempéries. E encontraram Sigurd e os que o acompanhavam um bunker abandonado às aranhas. A presença de tal prédio suscitou-lhes a curiosidade, que foi-lhes estimulada pela presença, numa caverna, que eles adentraram, de esqueletos humanos e armaduras antigas, de mil anos antes, dos vikings. Qual havia sido a causa da morte das pessoas cujos esqueletos eles encotraram? Qual criatura se manifesta durante o Ragnarok? E ao depararem-se com uma criatura colossal, lendária, sentiram-se obrigados a abandonarem a ilha e irem-se embora, e imediatamente.

É Ragnarok uma aventura despretensiosa, com ingredientes comuns em número sem conta de filmes do gênero. Há mistério, que não é muito misterioso, tensão, que não é tensa, não excita os nervos, obrigando o expectador a suspender a respiração, e personagens que se encontram em onze de cada dez filmes do gênero: o pai viúvo; a filha adolescente rebelde; o amigo traiçoeiro; o ajudante inescrupuloso; a mulher que se apaixona pelo herói, que por ela se apaixona; o monstro; o filho do monstro. E a aventura se passa numa região distante da civilização, misteriosa, a guardar segredos milenares. Tem o filme algumas mortes e um pouco de emoção. E só. É Ragnarok um passatempo apenas.

sábado, 6 de novembro de 2021

Histeria

 Comedores de ossos. Covas e mais covas. Setecentos cadáveres. Pilhas de mortos. Histeria.


Publica-se uma foto de um homem recolhendo, não se sabe onde, ossos, acompanhada da informação "dezenove milhões de pessoas passam fome no Brasil", e tal imagem e a idéia nela e no texto embutida, a de que a fome é consequência das ações do presidente Jair Messias Bolsonaro, viralizam, como se diz em tempos de internet. E as pessoas vêem na foto dezenove milhões de esfomeados a chafurdarem-se em lixões e depósitos de lixo de açougues à procura de carne. Tal me faz lembrar três notícias, e a repercussão delas entre as pessoas caídas em histeria, do ano passado. Em uma delas, uma foto a mostrar um comboio militar na Itália acompanhada do texto "setecentos mortos em um dia". As pessoas além de na foto verem caminhões militares, carros e algumas pessoas à pé, viram, excitadas pela imaginação corrompida pela histeria, os setecentos cadáveres indicados no texto que acompanha a foto. Em outra notícia, exibia-se, do alto, bem alto, a partir de um helicóptero, imagens de um cemitério, localizado na cidade de São Paulo, milhares de covas abertas, imagens acompanhadas de uma informação: eram milhares os mortos por covid que a prefeitura tinha de abrir muitas covas para enterrar todos os cadáveres. E as pessoas, ao verem as covas abertas, vazias, abaladas pelo bombardeio de notícias dramáticas, trágicas, que anunciam o apocalipse, as viram habitadas cada uma delas - e elas eram milhares - por um defunto produzido pelo coronavírus. Na terceira notícia, uma foto com vários caixões empilhados acompanhada da informação de que eram tantas e tantas as vítimas do vírus que as empresas estavam produzindo caixões como jamais se viu. E as pessoas, ao olharem para a foto com as pilhas de caixões viram dentro deles as vítimas do covid.

E assim o mundo gira.

Nota: Não me recordo dos detalhes, que são irrelevantes neste texto, de tais notícias. 

Política

 Acabou a mamata. A velha e a nova política. Comparações históricas. E outras notas breves.


Anti-bolsonaristas dão notícia - não vem ao caso, aqui, se procedem, ou não - de que membros do Governo Federal fizeram uso particular de recursos públicos e destacam, indignados: "Acabou a mamata?", querendo com tal interrogação dizer que o presidente Jair Messias Bolsonaro conserva os vícios, já lendários, folclóricos, de uma cultura milenar, dos homens públicos brasileiros. Ora, tais pessoas, tão indignadas com o descaso com o dinheiro público pelo atual chefe da nação, ao perguntarem se a mamata acabou, indicando com tal pergunta que é o uso do dinheiro público destinado para uso particular hábito antigo no Brasil, reconhecem que tal prática já existia antes de Jair Messias Bolsonaro assumir a presidência. Pergunto-me, então, porque não se indignavam com tal cultura política nacional dos antecessores do presidente e com a de outros políticos e porque elogiam muitos deles.


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Não há velha política, tampouco nova política. Há política. Mas para se diferenciarem da política, a velha, associada à corrupção, insistem alguns políticos em dizem que fazem uma política nova, que da velha se distingue. Aí eu leio e escuto gente declarando que o presidente Jair Messias Bolsonaro faz a nova política e é tal qual os políticos da velha política e defendendo políticos da velha política, sem perceber que estão defendendo a velha política.


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Após o dia 7 de Setembro de 2.021, alguns intelectuais da direita conservadora revolucionária que ambiciona pôr no chão o tal estamento burocrático, desiludidos, frustrados, ao verem que o presidente Jair Messias Bolsonaro não lhes realizou o sonho tão acalentado, numa postura à criatura de cabelos multicoloridos imitadora de foca, comparam-lo com Dom Pedro I e Winston Churchill e, usando de imaginação pobre, reescrevem a história, emprestando-lhe um ar ficcional, destes dois nobres personagens da História, substituindo-os, em momentos emblemáticos da História Universal, o primeiro, no Grito da Independência, o segundo, na ação contra Hitler, por Jair Messias Bolsonaro, este a prosternar-se, pusilânime, às margens do Ipiranga, diante da Coroa Portuguesa, e, de cabeça abaixada, acovardado, a exercer no cenário mundial, uma política de apaziguamento com o Terceiro Reich. Tais intelectuais usam de uma demão de cultura para ocultar do público a mentalidade mesquinha e a má-vontade que os movem.


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Há anti-petistas... corrijo-me: havia anti-petistas... Melhor: certas pessoas, que se diziam anti-petistas, por conveniência, ou por sentimento sincero, afirmavam, antes de Jair Messias Bolsonaro assumir a presidência do Brasil, no dia 1 de Janeiro de 2019, que o PT havia destruído a Educação no Brasil; que o PT havia feito da Cultura brasileira uma imundície; que os petistas eram corruptos, os seres mais corruptos da face da Terra; que os petistas eram vagabundos; que o PT estava destruíndo o Brasil; que o PT, enfim, era o que havia de pior no universo. Mas bastou Jair Messias Bolsonaro assumir a presidência, que no dia 2 de Janeiro de 2019, limparam a imagem do PT, agora modelo de partido democrático, que sabe dialogar com os seus antigos - agora ex - oponentes na arena política, o PSDB, e que foi o presidente Jair Messias Bolsonaro quem destruiu a Educação e a Cultura brasileiras; e que é ele o homem mais corrupto do universo, e coisa e tal.


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Recordo-me do dia em que o presidente Jair Messias Bolsonaro deu a público, em uma de suas contas de redes social, um vídeo que exibia dois marmanjos a performancizarem, é assim que dizem?, uma obra artística, o tal Golden Shower, que consiste em um dos marmanjos a mijar na cabeça do outro. De início os críticos do presidente descarregaram contra ele uma catadupa de impropérios, alcunhando-o estúpido e grosseiro por exibir coisa tão degradante, tão repulsiva, tão imoral, mas tão logo elevaram-se as vozes dos, como se diz?, vanguardistas, especialistas em arte moderna, passaram a condená-lo por exibir uma obra de arte indicando-a como se uma imundície fosse e o alcunharam estúpido e grosseiro porque ele nada entende de arte. Além dos anti-bolsonaristas que ocupam cadeiras nas empresas de comunicação fazerem papel tão vergonhoso; além da manifestação pública de estudiosos que entendem ser arte um... um... não sei o que; além da ousadia desavergonhada de pessoas que se exibem desinibidamente, a expôr, em locais públicos de grande aglomeração de pessoas, as suas, assim dizia-se em tempos imemoriais, vergonhas, houve aqueles, anti-bolsonaristas, que declaram, indignados, que o presidente Jair Messias Bolsonaro havia incorrido num ato, ao exibir o vídeo, inconsequente, irresponsável, que prejudicava a imagem do Brasil no exterior, mas nenhuma censura fizeram às pessoas que promoveram espetáculo tão grotesco, e não se perguntaram há quantos anos tal coisa se exibe no Brasil e por que as autoridades públicas jamais se manifestaram publicamente a respeito.

Além das palavras que vão expostas no primeiro parágrafo, tenho de registrar: se se considera arte o Golden Shower, então o Golden Shower, uma arte, pode ser ensinada, nas escolas, pelos professores de arte, nas aulas de arte; e se um pai de um aluno, ao saber que seu filho está exposto a tal arte, ir tirar satisfações com o professor, ele, o pai, será escrachado, ridicularizado, apodado ignorante e estúpido e condenado à prisão perpétua.

O presidente Jair Messias Bolsonaro, com a exibição de tal vídeo, fez um imenso bem aos brasileiros: expõe a podridão da intelectualidade e dos profissionais da imprensa, e da classe artística, e de uma parcela da sociedade brasileira, corrompida pela intelectualidade e pela imprensa.


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Os isentões são de uma parcialidade explícita, embora digam o contrário. Nas críticas ao presidente Jair Messias Bolsonaro eles as dedicam a ele, exclusivamente a ele, e nas críticas ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (ou ao PT) nelas incluem o presidente Jair Messias Bolsonaro e, salientam, dizem não serem a favor nem de um nem do outro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Notas breves

 Café, sim; Coca-Cola, não. Foi-se o Aquecimento Global. Pelé. Dinossauros e pernilongos. E outras notas breves.


Café, sim; Coca-Cola, não.

Um historiador brasileiro de primeira grandeza chama-nos a atenção para uma atitude, inusitada de tão grosseira e estúpida, do presidente do Brasil, o senhor Jair Messias Bolsonaro: o distinto chefe-de-estado nacional recusou a oferta que lhe fizeram de beber algumas doses de café, produto genuinamente nacional, e optou por beber um refrigerante genuinamente estadunidense, a Coca-Cola. Lastimável, a conduta desdenhosa do presidente da maior nação da América do Sul. Lastimável! É mais um exemplo da mentalidade nazista, fascista, genocida, machista, racista, supremacista branco do presidente Jair Messias Bolsonaro, um homem deplorável. Impítima! Que ele seja julgado, e condenado, por crimes contra a humanidade e a Terra, no Tribunal de Haia!


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Foi-se o aquecimento global. O monstro, agora, é outro.


Exterminaram os ambientalistas o Aquecimento Global. Ameaça-nos, agora, a Mudanças Climáticas; e para dar-lhe fim os ambientalistas querem reduzir a emissão do CO2, que lhe serve de alimento e fortalece, obrigatoriamente, o extino Aquecimento Global. Não entendi patavinas, nem bulhufas, do imbróglio. Afinal, exterminaram, ou não, o Aquecimento Global, anunciador do apocalipse?! Ou é a Mudanças Climáticas avatar feminino do Aquecimento Global?! ou o Aquecimento Global reencarnado numa entidade feminina?! Neste mundo de "cancelamentos" até os fenômenos naturais apocalípticos masculinos são assassinados para que assumam o protagonismo da história seus correspondentes femininos, sempre superiores, mais poderosos. Que mundo infernal!


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Reza a lenda que Pelé, o nosso querido Edson Arantes do Nascimento, é canhoto. Ora, se é verdade que é ele canhoto, então o jornalista cuja reportagem, publicada ontem, li hoje, mentiu ao dá-lo como um futebolista destro no manejo da bola. Afinal, é Pelé canhoto, ou destro? Ou ambidestro?


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... e um dinossauro caiu, no México - e tenha de ser no México!? Não podia ser na Argentina?! -, em uma era em que mexicanos e brasileiros ainda não haviam erguido um muro na fronteira entre México e Brasil, e dizimou os dinossauros. Que meteoro inconsequente! Por que ele não exterminou os pernilongos? À noite, eu, deitado na cama e os menestréis de pernas longas a atanazarem-me e a atazanarem-me com as suas melodiosas canções e trovas campestres. E eu, sem pregar o olho, a atravessar, em branco, ou em claro, tanto faz, a noite. Fossem os pernilongos varridos para outro plano existencial, e não os dinossauros, hoje admiraríamos estes monstrengos a perambularem modorrentamente pela vastidão dos continentes, e poderíamos dormir tranquilos e sonhar com os anjos.


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Os carinhas apoiaram, incondicionalmente, a política do Fique Em Casa e afirmaram ser tal política indispensável para se combater a disseminação do coronavírus. Depois de meses, a crise econômica batendo na porta, os preços de alimentos e combustíveis a elevarem-se consideravelmente, além de não verem uma relação de causa e efeito entre a política que defenderam com unhas e dentes e a crise econômica, culpam o presidente Jair Messias Bolsonaro pela crise econômica, sendo que ele não promoveu o Fique Em Casa, e esquecem-se que as medidas de restrições às atividades econômicas foram decretadas tendo-se em mente a redução dos casos de mortes, durante a epidemia, pelo vírus. Ora, para tais pessoas foram essenciais tais medidas, e a crise destas advinda foi por elas prevista, afinal, elas esgoelavam em tom autoritário "Fique Em Casa; a economia a gente vê depois.", cientes de que o impacto na economia da política insana (que elas consideravam sensata) que defenderam seria devastador; se não, por que o "a economia a gente vê depois."?

Mas entendo que a percepção que os anti-bolsonaristas tem da economia nacional está distante da realidade, talvez num universo paralelo. A economia brasileira enfrenta alguns percalços, é inegável, mas não vai de mal a pior, como dizem por aí os anti-bolsonaristas, que empreendem uma aventura política de terra arrasada e querem fazer as pessoas verem o que não existe. Se a economia nacional não vai de vento em popa, e não vai - e não podemos desconsiderar as adversidades que o mundo enfrentou nestes últimos vinte e quatro meses -, também não está indo à bancarrota; acredito, mesmo, que cresce, e agora alicerçada em bases mais sólidas.


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Intelectuais da direita conservadora querem que o presidente Jair Messias Bolsonaro jogue por terra o tal de estamento burocrático, este glutão paquidérmico, um primo distante do Gargântua, que está, há séculos, a devorar os brasileiros. De mentalidade revolucionária, românticos aguerridos, bravos e destemidos, heroicamente dispostos a sacrificarem sangue alheio, não dizem o que o presidente Jair Messias Bolsonaro teria de fazer após o desmantelamento do tal estamento burocrático, e tampouco o que os de tal estamento e seus aliados instalados aqui em terras brasileiras e os estabelecidos no exterior fariam se iriam reagir ao desmonte do edifício que lhes faz a fortuna, ou se se resignariam, prosternados, impotentes, diante do presidente Jair Messias Bolsonaro, que lhes tirara o osso da boca. Nesta hora, penso no Garrincha: "Combinaram com os russos?"

Com tais amigos, o presidente Jair Messias Bolsonaro não precisa de inimigos.

Dentre tais intelectuais, há os que declaram que de nada adianta o presidente Jair Messia Bolsonaro indicar fulano, ou beltrano, conservadores, para o STF, porque eles são produtos do estamento burocrático - ou sistema, ou mecanismo. E o que propõem tais criaturas? Que o presidente Jair Messias Bolsonaro destrua o estamento burocrático, e, depois, crie um novo STF, cujas onze cadeiras seriam ocupadas por ministros conservadores. Quanta sabedoria! E de onde sairiam tais ministros? Das escolas do novo estamento burocrático, agora conservador. E quando? Eis a questão. Quanto tempo é preciso para se erguer novo estamento burocrático, agora conservador? E até lá como fica a justiça no Brasil? Viverá os brasileiros sob um regime anárquico? Se é que se pode viver em tal regime. E os inimigos do Jair Messias Bolsonaro ficariam, de braços cruzados, a admirá-lo a reconstruir o Brasil como lhe desse na telha?


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Dois

 Patrulheiros em Alerta (The Midnight Patrol - 1933) - com O Gordo e o Magro


A piada está no título. Alertas os dois patrulheiros mais bobos, tolos, patetas de que se tem notícia? Está aí a piada. E ao saber do título, esboça-se um sorriso no rosto de quem o lê, e já se anteve a sucessão de disparates que Stan Laurel e Oliver Hardy irão empreender com as suas proverbiais sabedoria e perspicácia, tão admiráveis, e invejáveis, que causam em todos espanto.

Estão os dois patrulheiros no interior de uma viatura policial, quando ouvem um comunicado, via telefone, da polícia: ladrões roubam o estepe da viatura policial. Ao ouvir tais palavras, quem assiste ao filme recusa-se a acreditar que os dois patrulheiros não haviam presenciado a ação dos criminosos. Resolvida - e do modo que o foi - o caso, recebem os patrulheiros outro comunicado da delegacia de polícia: em andamento uma invasão à certa residência. Conquanto atilados patrulheiros, Stan e Laurel esquecem-se do endereço em que um criminoso estava a cometer o crime. E Stan dirige-se a uma loja onde se depara com um arrombador de cofres, e com ele dedica alguns minutos de sua suspicaz atenção, mantêm com ele um diálogo, apropriado, pode-se dizer, considerando-se as circunstâncias, e, um telefone à mão, disca para a delegacia de polícia, e solicita ao seu interlocutor do outro lado da linha o endereço em que um criminoso perpetrava um crime. E anota os dados que ele lhe dá em uma folha de papel. E ele surpreendentemente atrapalha-se e perde as informações anotadas. E Oliver tem de realizar ligação telefônica à delegacia. E agora, de posse do endereço da residência que um criminoso escolhera para roubar, rumam os dois patrulheiros, de viatura policial, ao local do crime. Lá chegando, deparam-se com o criminoso com a mão na massa. As cenas que se seguem no interior da residência, até a captura do meliante e a condução dele à delegacia de polícia revelam a vocação de ambos os patruleiros para o correto exercício de homens da lei.


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Mensagem de Barnabé Varejeira - Halloween. Black Friday. Palavrões.


Bão dia, Cérjim. O sór tá um pôco desanimado ôje. Parece inté que tá desacorçoado. Percisa de um pôco de café-da-manhã bem reforçado pa te força pa inluminá o dia. Tá fraquinho, que só veno. À noite, choveu, e choveu, e choveu sem pará. Parecia inté um dinlúvio. Pará a chuva parô, mas só por um tiquinho ansim de tempo. Choveu pá dedéu. A terra tá moiada, encharcada. E parece que o sór não tá com vontade de dá as cara ôje, não. Vâmo vê se até antes de eu encerrá esta mensage ele se anima e taca fogo no mundo. Vâmo vê. Se não, ele só vai parecê de noite. Este é o dia de ôje cedo, bem cedo, então, vâmo trabaiá, faça sór, ô faça chuva. Mas, antes de i trabaiá, vô terminá de concluí está mensage. O cê que é um óme da cidade já deve tê ovido as pessoa falá uns palavrão que vem do estrangero. Se o cê fala os palavrão, eu não sei, e nem quero sabê; eu nunca ovi palavrão saí da sua boca. Eu às vez pregunto pa pessoa que fala comigo, quano ela fala os palavrão, se elas sabe falá língua de gente, e elas ri achano graça, achano que tô contano piada, e há quem dentre elas que emburra, fecha a cara, óia torto, óia pa mim como se oiásse pô tinhoso, os óio a chispar fogo dos inferno. Mas que diabo! Perdão, Menino Jesus! Perdão! Não presta falá ansim. Meu Deus do céu! Parece que as pessoa perdêro a qualidade de falá; passáro por uma mentamorfose, e viráro bicho. Veja o cê, Cérjim, o que ovi, transondonteonte, aí, em Piamoangaba. Tava eu passano perto da fêra, e ovi um jóve falano pá ôtro jóve: "No bléquefraude o meu fáder vai comprá pa mim um rômetíte por trinta ófi, maibróde." E o amigo dele disse pá ele, ansim: "Da hora. E o que cê vai fazê no raloín?" E adespois faláro mais arguns palavrão, mais o menos ansim: "O tal - e falô um nome não sei de quem, se de um primo, o de um tio -, agora trabaia de róme alface. Lôco. Não sai de casa pa trabaiá. Óquei, máifrendi! Beleza! O bagúio é lôco!" Não entendi o que eles disséro. E mais adiante, ovi uma bela moça, muito bonita, diga-se de passage, falá que a irmã dela foi no féchauique, e rélpi! rélpi! e istópi, istópi, e taime, um taime, e uíquende, o uiquente, não sei, e chópi, e otros palavrão que Deus me livre! E o cê não sabe o que ovi das conversa dos óme lá na praça, falano de computador e firme: rarduér, sofituér, espaidermem, áiromem, e ôtros palavrão que não falo, nem escrevo. Se aquelas gente falasse um indioma, tudo bem, afinar seria coisa nossa, a quar nos deixô os índio. Que tem arguma coisa errada, Cérjim, neste mundo, tem. Tão pondo comida estragada no prato das pessoa, não é possíve! Parece, Cérjim, que o sór tá se animano. Parece. Já esquentô um poquinho. Agora, vâmo trabaiá. Fique com Deus Nosso Senhor Jesus Cristo. Inté mais, Cérjim.