sexta-feira, 19 de março de 2021

Um diálogo e um conto

 - E aí, bolsominion! O seu mito, o Bozonazi genocida está destruindo o Brasil. Você viu os índices de desemprego? Nunca se viu tanta gente desempregada no Brasil. E subiu o preço do combustível, e os dos alimentos. Você sabe qual é o preço de um quilo de carne? Nem com todo o ouro do mundo se pode comprar um grama de alcatra. Aumentou pacas! E o do quilo de arroz você sabe qual é? O povão tem de gastar meio salário para comprar um pacote de cinco quilo de arroz. E um litro de gasolina custa os olhos da cara. O que você tem a dizer, gado?!

- Ô, coronalover, desde há um ano você bosteja "O importante é a vida; a economia a gente vê depois." dando a entender que, enquanto durar a pandemia temos de nos preocupar com a vida das pessoas, e não com a condição econômica nacional, e com o das pessoas tampouco; segundo você, tais questões são secundárias, irrelevantes, mesmo, frente à questão maior, a vida das pessoas. Ora, o aumento do desemprego e a elevação dos preços dos alimentos e dos combustível são questões econômicas; portanto, não se preocupe; ocupe-se com a vida, a sua e a de todos; a economia a gente vê depois, afinal ainda estamos numa pandemia; e no seu momento mais crítico, é o que dizem.

- Deixe de lero-lero, bozominion. Desempregadas, as pessoas se desesperam; e com o aumento do preço dos alimentos e dos combustíveis, todos perdemos poder aquisitivo. Os preços aumentaram; os salários, não. E a vida piorou, né, gado!? Você sabia disso?

- Coronalover, você reconhece, então, o elo umbilical entre a vida e a economia. E desde quando? Desde sempre você vê os efeitos negativos das restrições às atividades comerciais, ou só agora porque agora você está sentindo o impacto deles no seu bolso? Se você sabia desde o início da fraudemia, há um ano, e fez pouco caso porque tinha a garantia de seu emprego e não sentia seu poder aquisitivo se reduzir, e reprovou quem alertou a todos para a questão, então você é um patife; se você, com a sua excelsa inteligência, não via a conexão entre vida e economia, então você é burro. Nos dois casos, seja qual for o seu, você foi egoísta, insensível, indiferente ao destino alheio. E não era você que dizia que quem perdeu o emprego não tinha com o que se preocupar, e do que reclamar, pois, estando vivo, poderia conseguir um novo emprego após o fim da fraudemia, que você chama pandemia?! Então, pandemaricas, o que mudou desde então? Você, hoje, com o aumento do preço do combustível e dos alimentos, vê o seu rico dinheirinho escoar, fora de seu controle, por entre os seus dedos? E agora você teme perder seu emprego? A perspectiva não é das melhores, não é, mesmo, coronalover? Você tem olhos para o seu umbigo, unicamente. Aperte o cinto, reduza a sua ração diária, e não se preocupe. "Importante é a vida; a economia a gente vê depois."

*
Meu irmão morreu - Uma história do tempo do coronavírus

Encontraram-se, às onze horas da manhã de hoje, nas proximidades da igreja Nossa Senhora de Fátima, no entroncamento das avenidas José Bonifácio e Joaquim Nabuco, na calçada à frente de uma loja de cosméticos, João Carlos e Roberto Carlos, colegas de trabalho que há alguns dias não se viam. João Carlos gozava, havia dez dias, de férias. Retirara-se havia um minuto da igreja Nossa Senhora de Fátima, e caminhava, lentamente, cabisbaixo. Roberto Carlos saíra do escritório minutos antes, e rumava para um restaurante, distante uns cem metros de onde ele e João Carlos encontravam-se. Saudaram-se. E Roberto Carlos não precisou de mais de um segundo para notar a tristeza estampada nos olhos do seu colega.
- O que se passa contigo, João?! - perguntou-lhe. - As férias não te fazem bem?! Por que a cara tristonha?! O que houve?! Que bicho te mordeu, homem?!
João Carlos não lhe respondeu de imediato; tremeram-lhe os lábios. Fitou Roberto Carlos, que estava ciente de que dele não ouviria boa notícia. E respondeu-lhe:
- Saímos da igreja há pouco meus pais, minha irmã e eu. Eles foram para a casa deles. Eu lhes disse que eu iria caminhar um pouco. Assistimos à missa de sétimo dia da morte de meu irmão.
- Meu Deus! - exclamou Roberto Carlos, sinceramente condoído. - Aceite meus pêsames, João. Seu irmão é mais uma vítima do covid, este maldito vírus.
- Covid!? Não. Meu irmão não morreu de covid.
- Não!? De que mais ele poderia morrer?! - perguntou Roberto Carlos, visivelmente surpreso. As suas palavras incomodaram João Carlos, que tratou de lhe responder.
- Ele não morreu de covid. Ele foi assassinado. Dois ladrões invadiram-lhe a casa. Renderam-lo. Amarraram-lo. Espancaram-lo. Cortaram-lhe, à faca, as mãos e os pés, e a língua, e as orelhas; e esmigalharam-lhe, à marreta, os joelhos, e a cabeça. Mataram-lo.
- Assassinado!? Ele foi assassinado!? Ufa! Que alívio! Alegro-me saber que ele não morreu de covid.


Nenhum comentário:

Postar um comentário