Os Fiquem em Casa, sejam eles funcionários públicos, sejam da iniciativa privada, desde há um ano, no início da fraudemia, sacrificando, corajosamente, seu lazer, dispuseram-se a conservarem-se em suas casas, onde usufruem de bens materiais, conforto e luxo que o capitalismo oferece. E estamos certos de que eles, seres abnegados, cuja empatia pelas pessoas que, agora desempregadas devido ao fechamento do comércio, recebendo, cada uma, todo mês, R$ 600,00, dispõem-se, com generosidade inspiradora, a entregar, de sua renda mensal, a parcela que exceda R$ 600,00 aos governadores e prefeitos, para que eles, administradores conscienciosos, a distribuam ao povo reduzido à miséria.
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Esta é a hora certa para os socialistas, esquerdistas, comunistas, anti-capitalistas, lídimos defensores da igualdade de renda, praticarem as suas valiosas teorias. Os que têm renda mensal superior a R$ 600,00 que reservem cada um para si mesmo, todo mês, R$ 600,00, e distribuam o restante às pessoas reduzidas à miséria. Que não percam tal oportunidade, que é imperdível, de provarem para todo o mundo, principalmente aos ímpios, que o belo ideal, o socialismo, que tão árdua, e apaixonadamente, defendem, produz, praticado no mundo real, a justiça social e a extinção das desigualdades apregoadas em seus nobres postulados.
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Os Fique em Casa sempre tiveram, para unir o útil ao agradável - impedir a disseminação do corongavírus e usufruírem, em suas casas, de todo o conforto material que o capitalismo oferece -, a opção de estocar comida enlatada e tambores de oxigênio que os sustentem durante dois anos, trancar, à chave todas as portas, e vedá-las, e vedar, também, as janelas, e arremessar as chaves na privada e apertar a descarga; todavia, irresponsáveis e imprevidentes, não providenciaram tais recursos, saíram de suas casas quando os calças apertadas e os calcinhas apertadinhas afrouxaram as restrições e permitiram a abertura do comércio, e foram às compras, ao shopping, ao clube, ao parque, passear ao ar livre, à academia; e fizeram mais, e pior!: efetuaram compras, via dispositivos móveis, de alimentos, produtos de primeira necessidade, bugigangas eletrônicas, e guloseimas, que não podem faltar nas prateleiras e geladeiras de seres tão destemidos, e os receberam, nas portas de suas casas, das mãos de motoboys e outros trabalhadores, pessoas de quem tanto dependeram e que tanto desprezam. Providenciassem as comidas enlatadas e os tambores de oxigênios e vedassem suas casas, hoje estariam tranquilos, despreocupados, aconchegados nos seus lares, humildes lares. Não gozam de paz e temem serem infectados pelo corongavírus porque foram insensatos. Portanto, se querem xingar alguém, que xinguem a si mesmos.
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No dia em que os motoboys e outros entregadores cruzarem os braços e declararem "Retomaremos o nosso trabalho quando todo o comércio estiver aberto.", os Fique em Casa, lockdownistas, se borrarão, de medo, nas calças, e suplicarão aos calças apertadas e aos calcinhas apertadinhas a imediata suspensão do lockdown.
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O sobrinho mais velho que o tio.
Estavam, na casa dos senhores Silva, Pedro e Maria, anciãos nonagenários, comemorando o aniversário natalício do patriarca, dezenas de familiares e amigos. O ambiente, animado, contagiante. Dentre os presentes, João, irmão de Pedro, idoso octogenário, de cabeça quase que inteiramente desprovida de cabelos, sendo brancos lácteos os poucos que lhe restavam, e Renato, filho de Pedro, de cinquenta e dois anos, dono de vasta cabeleira branca. Conversavam, na companhia de outros familiares, parentes e amigos, descontraidamente. Em um momento da conversa, Renato perguntou ao seu tio João: "Tio, o senhor tem oitenta e cinco anos, ou oitenta e seis?" E respondeu-lhe seu tio: "Oitenta e cinco." Renato, então, comentou, simulando constrangimento: "Oitenta e cinco. Puxa! Os homens da sua geração, tio, são mais bem conservados do que os da minha. Veja... Eu, por exemplo, sou vinte e três... trinta e três anos mais novo do que o senhor, e, agora, olhando para o senhor, sinto-me mais velho." Fez uma pausa; e um bom número de par de olhos o fitaram, na expectativa, esperando, dele, a conclusão do comentário. E assim que se deu por convencido de que criara o ambiente apropriado para arremetar seu discurso, disse Renato: "É verdade, tio. Sinto-me mais velho do que o senhor. Veja bem... Olhe para a minha cabeça: Eu tenho mais cabelos brancos do que o senhor." E todos caíram na gargalhada.
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