sábado, 19 de agosto de 2023

Notas e Notas

 Piruás e farelos - volume 4.


O mão-de-vaca e a escova de dentes; e Javier Milei, o Bolsonaro argentino, o Trump argentino, destruirá a Argentina; e outros farelos e piruás.


O mão-de-vaca e a escova de dentes.


Chamam-me mão-de-vaca, muquirana, mão-fechada, avarento, somítico, pão-duro, sovina, unha-de-fome; dizem-me que não abro a mão nem para dar tchau; que sou pior do que o Tio Patinhas e o senhor Scrooge. Se eu fosse tão rico quanto a criatura do Barks, não reclamaria. Não sou, infelizmente. Infelizmente, porque, não tendo muito dinheiro no bolso, e menos ainda num banco, que seja em uma caixa-forte, menos posso economizar. Mão-de-vaca não sou, e nem muquirana, mão-fechada, avarento, somítico, pão-duro, sovina, unha-de-fome. Dão-me alcunhas pejorativas aquelas pessoas que querem me difamar. Sou parcimonioso. Não desperdiço sequer um centavo. Sou econômico. Meus hábitos, simples. Minha alimentação, frugal. Meu calcanhar-de-aquiles, doce de leite. Sei que não resisto a uma colherada do néctar que é o doce de leite, daí eu evitar comprar que seja um pote deste alimento dos deuses da Grécia. Se não resisto à tentação, compro um, pequeno, e me lambuzo com a guloseima, espécie de ambrósia, viciante, e não deixo de lambar o pote. Não sou de jogar fora o que quer que seja. Toda coisa tem a sua utilidade. E toda coisa que me chega às mãos eu a uso até quando der. Chinelo, por exemplo. Arrebentou-se-me uma tira do chinelo?! Ajeito-a com um prego. Prego enferrujado, torto; jamais com um prego novo. Rasgou-se-me os fundilhos da calça?! Remendo-a. Resta de um lápis o toco, só o toco, minúsculo, que não dá para se segurar?! Conecto no toco do lápis um pedaço de cano fino, curto, ou um de mangueira, também curto, e com ele escrevo até desaparecer o último grão de grafite. Dos pães, mando para o bucho todas as migalhas; e tenho o salutar, para os xarope coisa de gente mal educada, hábito de lamber pratos para não desperdiçar que seja um grão de arroz, uma gota de azeite de oliva, uma gota de vinagre, um grão de sal, um pedacinho minúsculo de orégano. E enrolo e pressiono e amasso o tubo de pasta de dentes até arrancar-lhe a última gota. E não desperdiço escovas de dentes. E foi, ontem, uma escova de dentes a causa de uma desavença minha com a minha mulher, que me viu com a minha escova, e berrou-me ao ouvido que eu a jogasse fora, enfurecendo-me. E por que fez a danada da mãe de meus três filhos, que de mim herdaram, para a felicidade da raça humana, a beleza, a inteligência e a parcimônia, tempestade em copo d'água?! Ora, só porque a escova de dentes, que é minha, tinha um, e só um, pêlo! E chamou-me mão-de-vaca a patroa! E eu não me vexei de lhe responder, alterado, na lata: "Mulher dos infernos, este único pêlo da escova tem-me utilidade: passo-o por entre os dentes, limpando-os assim." E a danada da filha da minha sogra, antes que eu pudesse dizer que a vaca foi pro brejo, tirou-me das mãos a escova e dela arrancou o pê-lo restante. Maldita mulher! Fez-me gastar uma nota preta com outra escova de dentes! Aquele pêlo da escova tinha vida para mais dois meses!


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Javier Milei, o Bolsonaro argentino, o Trump argentino, destruirá a Argentina.


Mal o garboso Javier Milei deu as caras nas primárias da eleição argentina, a todos os profetas surpreendendo, ele, o Bolsonaro argentino, dizem os brasileiros, ele, o Trump argentino, dizem os americanos, a ir de encontro aos esquerdistas, a arrostar as criaturas do pântano, a, sem papas na língua, mostrar para o que veio, e os mal-amados espíritos-de-porco trataram, de imediato, de defecar a cantilena revolucionária: Javier Milei, da extrema-direita nazifascista neoliberal, ultra-radical, preconceituosa, racista e machista... - e dá-lhe pancada no lombo. E pasmem! os indignados autonomeados antifascistas, no uso de seus dons proféticos, antevêem futuro tenebroso para os argentinos se o senhor Milei sentar-se na cadeira da Casa Rosada: ele destruirá a Argentina, afinal é ele, o Bolsonaro argentino, ele, o Trump argentino, da extrema-direita fundamentalista hiperautoritária, megaditatorial.

Blablateram os esquerdistas. Javier Milei destruirá a Argentina, pergunta-se toda pessoa que tenha no mínimo lambido com a testa a capa de um livro de história recente do universo. Quem ao ver a figura do senhor Milei declara que ele destruirá a Argentina aterrissou, hoje, na Terra, sem ao menos se informar acerca de alguns capítulos da história recente da civilização humana?! Sabemos que é a Argentina um país periférico, mas, convenhamos, há certas coisas que ninguém pode ignorar, e da Argentina qualquer pessoa, inclusive as criaturas que hoje desceram em terras terrestres, tem de saber de Menem, e dos Kirchner, Néstor e Cristina, um casal adorável, e do Fernández, todos os quatro seres heróicos que fizeram da Argentina um paraíso edênico.

Os tipos que hoje, com a certeza dos seres omnissapientes, prevêem tempos difíceis para os argentinos se Javier Milei arrumar as suas tralhas e mudar-se para a Casa Rosada, são aqueles que anteviram para os americanos, se Donald Trump arrumasse suas trouxas e se transferisse para a Casa Branca, tempos dificílimos, e, para todos os povos, a catástrofe nuclear, e para os brasileiros, se Jair Messias Bolsonaro carregasse consigo seus trens para o Palácio do Planalto, o inferno na Terra. Parece-nos que a bola de cristal dos esquerdistas está quebrada - ou é defeituosa desde a sua invenção.

E que o que seja o Bolsonaro argentino ou o Trump argentino, mesmo que nas urnas seja derrotado, faça das suas e ponha nas fuças das criaturas do pântano verdades das quais eles fogem com a mesma desenvoltura satânica do diabo ao fugir da cruz.


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O Apagão e os seres oniscientes.


Hoje pela manhã, um pouco antes das nove horas, desligaram-se todos os aparelhos de minha casa, e nenhuma lâmpada eu pude acender. Mistério. O que se sucedeu, eu não sabia.

Assim que se restabeleceu o fornecimento de energia elétrica, religou-se a geladeira, e o forno microondas, e a televisão, e o roteador, e os outros aparelhos da casa. E apertei os interruptores da sala, do quarto, da cozinha e dos outros cômodos a verificar se se reviveram da casa todas as lâmpadas. E fizeram-se as luzes. Feliz da vida, contente à beça, fui trabalhar. E não precisei, assim que cheguei ao trabalho, esperar sequer um minuto para ouvir seres oniscientes declarando, vividamente, certos do que diziam, e do que diziam diziam que era certo, saber a causa do que vim a saber do que se tratava, ciente, agora, de que a interrupção de energia elétrica não foi um fenômeno aleatório que se deu exclusivamente no meu lar, doce lar: um apagão, e apagão generalizado, que deixou no escuro, embora o Sol já houvesse acordado de muito, doze estados da federação brasileira. Um apagão! Quem diria?! E em doze estados brasileiros!

E os sábios de plantão, antes mesmo de qualquer investigação, apresentaram cada qual a sua certeza acerca da origem, que apontaram, do desgracioso e indesejado fenômeno que a todos por ele afetado surpreendeu: a privatização, disse um, que explicou: "Na época em que a empresa de energia era estatal não havia apagões."; o neoliberalismo, afirmou não sei quem; a política, de extrema-direita, do Bolsonaro, cuspiu alguém, que insistiu: "É o blecaute parte do esquema nazifascista ultraliberal que tentou, em oito de Janeiro, dar o golpe, e está associado ao roubo, pela Micheque, de jóias árabes."; o Lula, disse um fulano qualquer, que mandou ver: "O Luladrão quer venezuelizar o Brasil, e para tanto deu cabo da rede elétrica do Amazonas e desviou a energia para a Venezuela."; um raio, que atingiu a estação de distribuição de energia, disse alguém; maritacas, afirmou um sábio, que seguiu: "As maritacas são bichos peçonhentos, piores que bodes e gansos. Comeram, as diabas! os fios das linhas de transmissão." E etecétera, e etecétera, e tal. Todas as pessoas que se dedicaram a expôr o seu parecer têcnico acerca do caso, fê-lo com a certeza de que está certo o que disse e errados são todos os outros, que nada entendem do assunto.

Se toda pessoa pode dizer o que bem entendem do que nada entendem, então eu, que sou uma pessoa, e de carne e osso, uma pessoa sapiens, posso dizer o que bem entender do que nada entendo, e o fazer dando a entender que entendo do que digo, e declarar que está errado, redondamente errado, quem diz coisa diferente do que digo - e ai! de quem ousar me dizer que estou errado. Sendo assim, digo: Seres oriundos de uma galáxia distante, Andrômeda, provavelmente, evoluídos, de uma civilização do tipo dois na escala de Kardashev, a bordo de uma espaçonave movida por energia extraída de uma estrela presa em uma gaiola de Dyson, aterrissaram - melhor, alunissaram - no lado oculto da Lua, e lançaram um feixe (feixe, e não peixe - leia com atenção, leitor) eletromagnético contra um distribuidor de energia elétrica, assim deixando no escuro todas as regiões que dependiam daquele distribuidor afetado pela arma alienígena. Este é o meu parecer técnico acerca da origem do apagão. E cá entre nós, leitor, de todos os apresentados - dê mãos à palmatória - é o único plausível.

E vamos ao próximo apagão.

E que sejam muitos os apagões que estão por vir.


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Guerra na Ucrânia: novas notícias velhas.


Já estamos em Agosto, mês do desgosto, e só agora lembrei-me de escrever, uma vez mais, acerca do que se passa - ou supostamente se passa, pois tenho comigo, à leitura de qualquer notícia, uma pulga atrás da orelha - na terra do genial, e um tanto louco, criador do Tarass Bulba. E são as notícias, nesta era em que as notícias correm, conquanto novas, velhas. Além de algumas histórias que o passarinho me contou, do arco-da-velha, sabe-se que o Biden, presidente dos Estados Unidos - democraticamente eleito?! -, insiste em enviar tropas para o campo de batalha, que, dizem por aí, e por aqui também, converteu-se em um moedor de carne ucraniana, e o czar da Rússia, desgostoso com a ação do Zelensky, desconfiado de que ele tem feito mal uso do acordo, assinado entre as partes em conflito, para o escoamento de grãos cultivados e colhidos em terras ucranianas para o exterior, deu fim ao entendimento e impôs barreiras à navegação de embarcações nas proximidades da Criméia. E sem querer te assustar, leitor, parece que a coisa ainda há de feder, e muito, naquela região, podendo, com o recrudescimento da conflagração, vir culminar numa guerra apocalíptica.

E o que, afinal, contou-me o passarinho, talvez tu estejas, leitor, desejoso de me perguntar. Contou-me histórias que envolvem uma tal de Burisma, e um tal de Metabiota, e lavagem de dinheiro, e exploração sexual de crianças e mulheres, e armas biológicas, e pesquisas de aprimoramento de vírus, dentre eles o mocorongovírus, e suborno, e espionagem, e outras coisitas mas que estão na arena do Jason Bourne e do George Smiley e do James Bond e do Ethan Hunt, coisitas que são de arrepiar os cabelos da cabeça de Samuel Jackson e Ben Kingsley.

Deixo abaixo uma lista com dez reportagens que dão suporte às palavras, poucas, acima escritas.

1) Washington Examiner - "Biden signs order to call up 3,000 troops for Operation Atlantic Resolve in Europe." - de Mike Brest - 13 de Julho.

2) Fox - "Vance, Hawley propose bill to eliminate ‘accounting errors’ at Pentagon after $6B Ukraine blunder." - Brooke Singman - 12 de Julho.

3) White House - Briefing Room - Presidential Actions - "Ordering the Selected Reserve and Certain Members of the Individual Ready Reserve of the Armed Forces to Active Duty." - Joseph R. Biden Jr. - 13 de Julho.

4) Fox News - "Biden authorizes military to use up to 3,000 reserve troops to augment US forces in Europe." - de Bradford Betz - 13 de Julho.

5) The Gateway Pundit - "Russia: Ukraine’s “Counter-Offensive” Lost Over 26.000 Men, 1200 Tanks and APCs, 21 Planes and 5 Choppers Since June 4." - de Richard Abelson - 12 de Julho.

6) Daily Mail - "'World War III is approaching': Putin's ranting ally warns 'completely mad West' is boosting the prospect of all-out global conflict with its military assistance for Ukraine." - de Alexander Butler - 12 de Julho.

7) Zeroheard - "Russia Terminates Black Sea Grain Deal, Wheat Prices Spike, As Extent Of Crimea Bridge Terrorist Attack Revealed." - de Tyler Durden - 17 de Julho.

8) Reuters - "Commentary: Ukraine’s neo-Nazi problem." - de Josh Cohen - 19 de Março de 2.018.

9) Zero Hedge - "The Media And Ukraine War Coverage: Where Truth Takes A Holiday." - de Tyler Durden - 20 de Julho.

10) New York Post - "Biden $10M bribe file released: Burisma chief said he was ‘coerced’ to pay Joe, ‘stupid’ Hunter in bombshell allegations." - de Steven Nelson - 20 de Julho.


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O céu azul.


- Vê. O céu. Azul. Lindo, não?! Nenhuma nuvem. Nenhuma. Azul. Azul.

- Azul?! O céu está azul?!

- Está. Vê. Olha para cima. Azul. Azul.

- Quem te disse que o céu está azul?

- Quem me disse?! Ora, ninguém me disse. Olhei para cima, e vi o céu, que está azul. Vê. Nenhuma nuvem.

- Qual é a tua profissão?

- Minha profissão?!

- Tua profissão qual é?

- Não entendi o porquê da pergunta. Tu sabes qual é a minha profissão.

- Tu és de qual classe social?

- Classe social?! Sei lá. Eu nunca parei para pensar em tal coisa.

- Tens curso universitário? Concluíste o colegial?

- Não entendo onde queres chegar. Tu sabes qual é a minha formação escolar.

- Por que disseste que o céu está azul?

- Porque está azul. Estivesse amarelo, eu diria que está amarelo.

- Tu não podes dizer que o céu está azul.

- Não?! Por quê?!

- Porque não sabes se está azul.

- Não sei?! Mas... Mas... Vê. Vê. Olha para cima.

- Não posso.

- Não podes?! Por quê?!

- Não consultei as minhas classes, a econômica, a laboral, a...

- De que raio estás a falar?!  Se queres saber a cor do céu, basta olhar para o céu.

- Seria tal ato de insanidade.

- O que tu puseste em tua cabeça?! O que te puseram na cabeça?!

- Explico-te: tu, um alienado, sofreste lavagem cerebral; tens a cabeça cheia de idéias que desrespeitam tua natureza de pessoa humana; tu tens de entender que és um ser social, coletivo, que herdaste de teus ancestrais conhecimentos, que estão acumulados no deneá das pessoas humanas, que, tais quais tu, os herdaram dos ancestrais delas; todos os conhecimentos que possuímos são herança de nossos antepassados, são o patrimônio da nossa espécie, estão reunidos no ser do nosso ser, no mais profundo de nosso ser, o ser social, coletivo; assim, herdeiros que somos do que os nossos tataravôs nos legaram, pertencemos à uma ordem de vida coletiva, que pensa coletivamente, e a nossa percepção das coisas do mundo depende da inteligência da coletividade, superior à inteligência individual, pobre, esta, rasteira, e incapaz de apreender as coisas do mundo.

- Estás a me dizer que o que vejo com os olhos que Deus me pôs na cara, o esquerdo à esquerda do nariz, que dobra a esquina cinco segundos antes de lá eu chegar, e o direito à sua direita, não é o que vejo e que deles não posso fazer uso apropriado?!

- Entende: para se perceber, e, mais do que perceber, entender, as coisas do mundo, tens de saber o que as pessoas humanas de teu grupo percebem e entendem.

- Mas... Se o céu está azul! Vê! Azul! Mais azul do que o próprio céu. Azul celeste. Azul.

- Tu erraste ao olhar, antes de consultar os de teu grupo, de tua classe, para o céu, e erraste segunda vez ao concluir que está o céu azul.

- Mas... Macacos me mordam! Pernilongos me piquem! Sucuris me embrulhem! Elefantes me pisoteiem! Morcegos me suguem o sangue! Se está azul o céu, raios! Vê! Azul! Não vê?! Vê! Azul! Ergue a cabeça, e olha o céu. Azul! Azul! Mais azul que o céu de minha boca! Azulsíssimo! Azulsérrimo! Azulstático! Azulíssimo! Azulejo! Azulástico! Ultra azul!

- Vou consultar as minhas classes.

- Quê?! Pra quê?!

- Para saber se posso olhar para o céu.

- E precisas de permissão para ergueres a cabeça e, de olhos abertos, olhares para o céu?!

- Sim. Tenho consciência social. Não sou um individualista egoista. Tenho humildade para, reconhecendo as minhas limitações intelectuais e cognitivas, consultar os sábios de minhas classes, a social, a econômica, a...

- O céu está mega-azul! Azulsissimamente azul. Celestial!

- Um minuto, por gentileza. Ao telefone, quem eu tenho de consultar.

Transcorreram-se longas duas horas.

- Pronto. Encerrada a consulta. Os intelectuais das minhas classes, seres que, todos de impecável formação intelectual, dispensaram-me do estafante, desgastante, trabalho de erguer a cabeça, olhar para o céu, apreender-lhe as características, separar das irrevelantes as relevantes, avaliando-as sob a luz dos conhecimentos científicos acumulados durante gerações de seres humanos, destacar as relevantes, estudá-las, compreendê-las, disseram-me que está o céu vermelho e salpicado de bolinhas amarelas e florezinhas rosas.

- É sério?!

- Sim. Os intelectuais das minhas classes são seres excepcionais, infalíveis. Sabem o que sabem. Jamais me dispenso da obrigação, eu, que tenho responsabilidade social, eu, que sou humilde, eu, que não tenho orgulho individualista, consultar os intelectuais das minhas classes, a econômica, a social, enfim, todas às quais pertenço.

- Legal. Interessante. Mas.. Que diabos! O céu se me apresenta azul.

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