quinta-feira, 30 de março de 2023

Um filme e quatro desenhos animados

 Dois filmes: Quantum Voyage (The Black Hole); e, Interstellar Wars.


Não sou íntimo do idioma de Shakespeare, e tampouco do de Mark Twain.

Com a intenção de aprender um pouco do idioma do qual pouco, melhor, quase nada, entendo, decidi, para saber ouvir o que dizem os falantes conterrâneos de Melville, e os de Dickens, e os de Walter Scott, e os de Joyce, e os de outras nações anglófonas, e associar as palavras por eles ditas com as respectivas palavras convertidas em alfabeto, assistir a filmes, no original falados em inglês, com as legendas também em inglês, e assim aprender, é o meu propósito, a associar estas àquelas - e unindo o útil ao agradável, assisti a filmes de ficção-científica (ou space-ópera, se assim o desejarem), gênero que muito aprecio, embora eu o tenha negligenciado ultimamente. E assim fiz. Os dois filmes, que estão no título desta resenha, que não sei se é apropriado chamar-se resenha, Quantum Voyage (The Black Hole) e Interstellar Wars - deixo no original os títulos porque aos filmes assisti em inglês -, são, ambos, antecipo a informação, desprovidos de atrativos, o segundo, inexplicavelmente menos atraente do que o primeiro.

É sofrível, tenho de reconhecer, o meu conhecimento da língua inglesa; a minha ignorância, todavia, não me impediu de compreender as falas dos personagens. E umas cinquenta palavras anotei numa folha de rascunhos, e os seus respectivos significados disse-me quais são mister Michaelis, o father of donkeys. E algumas expressões idiomáticas, poucas, presumo, se me escaparam ao entendimento. Tenho a obrigação de informar: o mister Michaelis não soube me dizer o significado de algumas palavras, o que me obrigou a recorrer a sites de traduções.

Deixando de lado o blablabla, e de Quantum Voyage (The Black Hole) digo: é um filme sem atrativos, que trata da viagem, os viajantes espaciais-temporais-dimensionais a dobrarem o tecido do cosmos, entre as dimensões, em sua infinitesimal estrutura quântica, desordenada porque sob a inescapável influência de sentimentos poderosos de dois deles, as amigas Mattie Carver (Izzie Steele) e Jess Silvy (Natalie Distler), esta, hospitalizada, a odiar aquela após um acidente de carro que aquela, ao volante, negligente, provocara. A viagem quântica a empreendem, sem que a queiram, sem que a entendam, as duas personagens e alguns coadjuvantes, poucos, sempre que se ouve o vibrar do som de um violino, o instrumento que provoca a ruptura entre os tempos, as dimensões, amedrontando as personagens, que não compreendem os inusitados, singulares, inéditos fenômenos que se passam com elas.

Já Interstellar Wars conta a aventura de uma espécie extra-terrestre que, a bordo de uma espaçonave, após atravessar um portal espaço-temporal-dimensional localizado no lado oculto da Lua, um buraco de minhoca, chega à Terra, e dispara contra os humanos raios de uma certa frequência, que ativa, nos humanos que abduzira há décadas, vírus inativos que neles, sem que eles soubessem, inoculara, tranformando-os em zumbis. 

É o filme pobre de recursos, desprovido de atrativos, um filme, eu diria, B, melhor, Z. Um trash. Um lixo cinematográfico trash.

Quantum Voyage (The Black Hole) conta com uma produção razoável; Interstellar Wars, não. Este é um bem acabado filme mal feito. Mas tem a sua graça. E ajudou-me, tal qual o outro, a enriquecer o meu vocabulário e a aprender a ouvir os falantes da língua do Tio Sam.


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Bicudo - o Lobisomen - O Desastre (Fangface - The Film Fiasco of Director Disastro) - desenho animado


É o desenho animado, além de animado, bobo, direi. Melhor: bobinho. Bobinho, divertido, engraçado. Uns poucos minutos de entretenimento. Quem o assiste ocupa seu tempo com um desenho animado, animado e tosco, que oferece diversão, e humor disparatado. A diversão, garantida. É bobo, melhor, bobinho, o desenho animado? É. E não é primorosa a produção, que é, na falta de expressão melhor, tosca. O enredo - se assim se pode referir à trama deste episódio, O Desastre, é complexo, sofisticado, que embasbacaria os maiores escritores de romance e de ficção científica. Dúvidas de mim, querido leitor?! Então, leia o resumo, de minha autoria, de O Desastre, desenho animado de uns sete minutos estrelado pelos heróicos Bicudo (cujo nome de batismo é Sherman Fangswort), Bicudinho, Kim, Bill e Gordinho (Puggy, para os gringos): Bicudo, nascido numa família que a cada quatrocentos anos dá à luz um lobisomen, e seus amigos, enfrentam dois alienígenas - e o líder destes é Desastro - que, em uma nave espacial chegam à Terra para gravar cenas para um filme "O Dia em Que a Terra Explodiu." A bordo de um avião, Bicudo e Bicudinho, a salivarem de desejo de, com seu único dente triangular, ostensivo, saliente, fatiar Gordinho, e devorarem-lo, contendo-se ambos em seu irrefreável desejo, chegam a bom termo, e deixam Gordinho em paz, sem se esquecerem dele, no entanto, e dão fim à erupção de um vulcão - que, atingido por um raio que os alienígenas lhe haviam disparado, chorava magma e lava - ao arremessarem-lhe na boca, tampando-a, uma pedra gigantesca. Na sequência desta fantástica aventura, um périplo para figurar nos anais da história universal, Bicudo e Bicudinho e Gordinho correm de um ciclone (que os alienígenas criaram para destruir a maior cidade da Terra), que lhes vai no encalço, pelos subterrâneos da cidade, e do qual eles se livram ao tamparem o bueiro, no subterrâneo prendendo-o; e impedem que o meteoro que os alienígenas dispararam contra a Terra, para destruí-la, a atingisse - uma cena digna dos super-heróis, Bicudinho a desempenhar, nela, o papel principal, com desenvoltura superior à do último filho de Kryton se ele se visse em situação idêntica -; e prendem os alienígenas; e assistem, numa sala de cinema, ao filme que Bicudo, durante a ação no interior da nave alienígena, gravara com a maestria de Steven Spielberg: "O Dia em que os Lobisomens Salvaram a Terra. Fim. E todos viveram felizes para sempre - excetuados a dupla de alienígenas, claro.

Querido, leitor, se tu és fã, e dos de carteirinha, de histórias híbridas de literatura gótica e de de ficção científica - ou space-ópera, se és das antigas -, apreciador de Bram Stoker e Arthur Charles Clark, não perca este emocionante desenho animado, que é tosco, e, embora tosco, animado, bem animado. Tu dificilmente assistirás desenho animado tosco de equivalente teor hilário. Divirta-se, querido leitor. E não se vexe de confessar, e para ti mesmo, que tu amas desenhos animados toscos.

Antes de dar por encerrada esta resenha, que não é, assim a entendo, tosca, digo: neste desenho animado tu aprenderás, querido leitor, as leis da física as mais sofisticadas e complexas; para tanto, basta atentares para a sucessão de eventos que a aventura animada, e animadamente tosca, apresenta.


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Mosquito, Mosquete e Moscardo - Os Voluntários (Yippee, Yappee and Yahooey - The Volunteers) - desenho animado.


Numa era, a medieval, suponho, considerando, com o meu extraordinário conhecimento da história e da arquitetura européias, com o propósito de montar um exército de soldados exemplarmente bem treinados e preparados, de elite, para proteger o seu castelo, que conta com anacrônicos rádio e autofalante, o irascível e resmungão rei, a majestade plenipotente, diz à senhorita Godofreda, um nome bem medieval, que convocasse todos os soldados do reino ao castelo, para treinamento sob as ordens do sargento, e à ordem real atendem os três mosqueteiros - que, suponho, são os únicos soldados do reino (e precisaria de outros soldados, se podia o rei contar com tais heróis, bravos e destemidos e donos de sabedoria invejável e inigualável destreza no manejo das armas e desenvoltura corporal sem par?!) -, todos cães, um cor de laranja, um azul e um branco (e não sei qual deles é o Mosquito, qual é o Mosquete e qual é o Moscardo - e não tratei de saber, pois ri, o tempo todo, enquanto assistia ao desenho animado, tosco, mas animado, e ri tanto, que não atentei, mesmo que tenha me esforçado para atentar, em tais detalhes, e nem com todo meu perspicaz talento para a observação de tipos humanos, melhor, caninos, pude associar o nome à respectiva criatura -, e enquanto escrevo esta exemplarmente bem desenvolvida resenha estou a rir a bandeiras despregadas). E os três mosqueteiros revelam-se, sob as lições do sargento, soldados mais desclassificados do que os do Exército de Brancaleone: para derrubar uma porta de madeira maciça usam de aríete o sargento; ao disparar os mosquetes, espetam o sargento, na madeira, no alvo; ao treinar o resgate de mulher indefesa - o sargento a fazer-se de mulher - atrapalham-se, e pôem o sargento em penduricalhos; enfim, ao dispararem canhões, numa salva de vinte e um tiros, alvejam o rei, que, chamuscado, e de vestes reais em tiras, sai-lhes no encalço, e dispara-lhes um canhonaço, atingindo-os. Esta, a derradeira cena do episódio, fecha-o com chave-de-ouro.

Se tu estás, querido leitor, disposto a assistir a um desenho animado, que é curto, e animado, e tosco, perfeitamente tosco, e além de tosco, divertido, que assista, ao telefone esperto, sem perda de tempo, ao Os Voluntários, estrelado pelos heróicos Mosquito, Mosquete e Moscardo, três cães mosqueteiros, êmulos de Athos, Portos e Aramis, e do Dartagnan também, três mosqueteiros, que são quatro, humanos, e se possível durante o expediente de trabalho, quando o teu chefe estiver, furibundo, a te ralhar, a te soltar os cachorros em cima, despertando-lhe a curiosidade, para que ele, curioso, e querendo saber ao que tu assiste, ignorando-o, exija-te que lhe mostre o que te prende a atenção, e vindo a contigo assistir ao desenho animado, que, repito, é tosco, alegre-se, e ria, e gargalhe, e animado esqueça porque te admoestava furiosamente.


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Recruta Zero - Até tu, Otto (Mort Walker's Beetle Bailey - et tu otto) - desenho animado.


São o Recruta Zero e o Sargento Tainha popularíssimos, modelos bem acabados de militares em perfeito estado físico, preparados para toda obra. Neste episódio, após, seguindo ordem do capitão Durindana, dispensar os recrutas molengas (bando de recrutas de asilo feminino, diz o sargento Tainha) para que eles descansassem durante o final de semana, e à fuga de Otto, que vai ao encontro de uma charmosa fêmea de sua espécie, a canina, vendo-se solitário, só, enfim só, no Camp Swampy, o Sargento Tainha entristece-se, e para escapar à solidão em busca de conselhos, e bons conselhos, que lhe arrefeçam a angústia que o acomete, recorre ao capelão, e indaga-lhe por que não é ele, Sargento Tainha, amado por ninguém, e do capelão ouve sábias palavras: que ele, Sargento Tainha, abandone a sua cara de poucos amigos e se faça de amável aos recrutas, para com eles estabelecer uma relação fraternal. Que ele aprenda a sorrir. Que ele sorria. Prudente, decidiu seguir o conselho do capelão o sargento infortunado, desamado, que vai, cabisbaixo, de ombros caídos, mas animando-se, até os recrutas, já encerrados os dias de descanso, então a cavarem trincheiras, e fala-lhes com voz melíflua, encantadoramente simpático, a exibir-lhes, no seu inconfundível rosto, além de sorriso exuberante, seu único dente, que reluz ao Sol. Para a sua surpresa, todavia, contrariando-lhe as expectarivas, os recrutas, que lhe estranham o inédito comportamento, acreditam estar ele possuído de algum mal, e correm-lhe no encalço. E até Otto, com ele irritado, persegue-o.

Leitor querido, se tu és um militar, ou uma pessoa que se interessa pela arte bélica, assista este episódio de um dos mais populares desenhos animados de todos os tempos, e conheças a rotina de um posto militar avançado descrita à perfeição. E divirta-se, porque ninguém é de ferro.


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A Polícia Desmontada - Alberto, o Esperto (Posse Impossible - Roger the Dodger) - desenho animado.

Em algum ano do tempo das diligências, no Velho Oeste, de uma prisão escapa, acorrentado, pelos pés, a uma bola de ferro imensa, pesadíssima, o criminoso, o ladino Alberto, o Esperto, por antonomásia assim alcunhado, ao arremessar por sobre o muro, que é alto, que o conserva confinado ao perímetro da prisão, a bola de ferro, após girá-la, segurando-lhe a corrente, por sobre a cabeça. Para surpresa do diretor da prisão, que acreditava, seguro de si, que da prisão desta vez Alberto, o Esperto, não escaparia, ele escapa. Livre, o criminoso fugido encontra Sabino, o seu sorridente cavalo, a relinchar hienamente. E com sua potente estrutura dentária, Sabino, com uma poderosa dentada, rompe a corrente que prendia à bola de ferro Alberto, o Esperto, libertando-o. E para impedir que o diretor da prisão comunique a sua fuga à cidade de Sela Frouxa, o vilão arremessa para o alto a bola de ferro, que, atingindo os fios telegráficos, arrebenta-os. Para contatar a Polícia Desmontada, o diretor da prisão da qual escapou o famigerado criminoso envia-lhe um pombo-xerife. Informados do episódio correm no encalço de Alberto, o Esperto, o xerife Tiro Certo, homem charmoso e bonitão, de dentes lácteos, e de covinha sensual no queixo robusto e quadrado, másculo, montado num fabuloso e lendário cavalo branco, de crina exuberante, portentoso, e os seus três auxiliares, todos os três de bravura indômita, destemidos e arrojados, Valentino, Vareta e Chorão. E é tão esperto o Alberto, o meliante fugido da prisão, que, após capturado, pela Polícia Desmontada, numa armadilha que o xerife Tiro Certo, com esperteza equivalente à de Odisseu, lhe armara, e trancafiado, numa jaula da delegacia de Sela Frouxa, rouba toda a comida da Mother Lode Cafe, assim impedindo o xerife Tiro Certo e os seus três heróicos e destemidos auxiliares de se refestelarem despreocupadamente após tão ingente caçada.
Se estás, querido leitor, interessado em conhecer a história do Velho Oeste, o costume de seu povo, suas lendas e suas peripécias, assistas a Alberto, o Esperto, um capítulo emblemático, não apenas da história da cidade de Sela Frouxa, mas de toda a terra dos pistoleiros rápidos no gatilho.

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