terça-feira, 22 de março de 2022

Três notas

 Em busca da sabedoria.


Diz a lenda que os filósofos buscam a sabedoria. É o que diz a lenda. Mas sabem os filósofos o que a sabedoria é, sabem identificá-la e sabem onde ela se encontra? Sabem que instrumentos usar para detectá-la? Do pouco que eu li de Filosofia, percebi que os filósofos não se entendem quanto à natureza da sabedoria; e não sabendo de que natureza ela é, não sabem que instrumentos usar para detectá-la. Batem cabeças os filósofos; dão à sabedoria distintas definições e compreendem que para se saber o que ela é têm de usar instrumentos de pensamentos os mais variados, por uns adotados como os apropriados, por outros ignorados porque inúteis. Ou os filósofos não sabem o que a sabedoria é, ou sabem; se não sabem, entende-se a confusão em que eles encontram, hoje como há dois mil e quinhentos anos; se sabem, perguntemos, então, porque se contradizem tanto uns aos outros, e estão sempre a se digladiarem, nem sempre com a compostura de sábios. Mas seja qual for a realidade, agradecemos aos céus pela existência dos filósofos, que, batendo-se entre si, e não se entendendo em praticamente nenhuma questão que eles consideram importante, além de se revelarem em seus menos nobres aspectos humanos, provam aos homens comuns que estes estão em boa companhia; são todos de carne e osso, e ignorantes da explicação correta para as questões essenciais.

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Primeiro, deve-se chegar à sabedoria, e depois se pensar sabiamente as coisas do mundo, ou pode-se pensar sabiamente as coisas do mundo sem que se chegue à sabedoria? Qualquer pessoa pode pensar as coisas do mundo, independentemente do pensamento alheio? Pode-se senti-las, e pensar acerca daquilo que se sente. E como saber se está pensando corretamente?

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As disputas intelectuais entre os filósofos fazem um imenso bem aos humanos: todos os filósofos revelam-se falhos, limitados, e, consequentemente, nenhum deles se impõe a todos, pois todos eles podem ser questionados. Não é a Filosofia de todo inútil. Os filósofos provam que são pessoas que gostam de ocupar o tempo pensando, enquanto outros homens o ocupam construindo casas, preparando as refeições, inventando máquinas, pintando quadros,  exercendo outras atividades.

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Biografias de gênios da ciência, em poucos minutos.


Conheci, há poucos dias, no Youtube, um canal com vídeos de temas científicos, Verve Científica, que oferece vídeos curtos, de três, quatro, cinco minutos, cada um deles com uma resumida biografia de um cientista respeitável. Assiste os que os autores dedicaram a Leonhard Euler, Gottfried Leibniz, Nikola Tesla, Niels Bohr, Srinivāsa Rāmānujan, John von Neumann, Henri Poincaré, Georg Cantor, John Nash, Louis de Broglie, Charles Babbage, Stephen Jay Gould, Max Planck, e aos brasileiros Vital Brazil, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, César Lattes, Adolfo Lutz e José Leite Lopes. Trazem, cada um deles, notícias interessantes e curiosidades acerca do personagem biografado.

Àqueles que desejam saber de personagens da ciência algumas notícias, poucas, é o canal Verve Científica um prato cheio. A existência deste e de outros canais obrigam-me a concluir que as pessoas que, tendo acesso à internet, não adquirem conhecimentos porque não querem, não se interessam em adquiri-lo.

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Livros perdidos.


Lembro-me que há uns vinte anos, ao ler, pela primeira vez, o Prometeu Acorrentado, obra clássica, do tempo áureo da dramaturgia grega, de há dois mil e quinhentos anos, além de me encantar com a história, eu soube, ao ler o prefácio, para meu desgosto, que é tal obra de Ésquilo a primeira de uma trilogia, a segunda e a terceira partes perdidas, e que foi Ésquilo autor de setenta e nove peças teatrais das quais apenas sete sobreviveram ao tempo. Nos anos seguintes, eu soube que de outros dramaturgos gregos, Sófocles e outros, muitas obras se perderam, e poucas estão ao nosso alcance, e de muitos autores nenhuma obra existe, perderam-se todas elas, e não podemos os homens modernos admirá-las, e de algumas obras restam-nos fragmentos.

Há poucos dias, assistindo a um vídeo de Tatiana Feltrin, no Youtube, o no qual ela trata da epopéia Gilgamesh, dos sumérios, informa ela que o que se tem de tal obra são fragmentos, apenas fragmentos, gravados em tabuinhas, doze. E pergunto-me, informado a respeito, quantas obras escritas pelos sumérios, babilônios e outros povos de civilizações que existiram antes da civilização helênica perderam-se. E estou, aqui, apenas a pensar nas obras escritas, poemas, fábulas, contos, lendas. Sinto-me como se de mim um pedaço houvessem-me arrancado. Agora, penso nas histórias que se contavam, naqueles períodos imemoriais, de bocas para ouvidos - a literatura oral -, quais personagens traziam, quais as suas tramas, os seus enredos, quais culturas revelavam, quais pensamentos e sentimentos religiosos, e quais percepções tinham dos fenômenos naturais, da vida sem si mesma, e da tradução que delas faziam em palavras. Tais história estão perdidas, mas gravadas na memória dos homens.

Estes pensamentos me vieram à mente após eu ler uma notícia, que não me agradou: escreveu-se, há milhares de anos, a Etiópida, que se perdeu, poema épico atribuído a Arctino de Mileto. É tal obra uma das muitas das quais conheço o título e cuja substância eu jamais, para meus desgosto e contrariedade, poderei vir a conhecer.

Desde os irmãos Grimm, homens se dedicam a registrar, em papel, as histórias que o povo conta, riqueza que não pode ser mensurada em todo o seu valor.

Os alemães, e o mundo, têm os Grimm; os franceses, e o mundo, Perrault; os brasileiros, e o mundo, Câmara Cascudo. Valiosas, a obra deles e a de seus congêneres de outras nações. Infelizmente, os homens das cavernas não contaram com ninguém que lhes gravasse, para a posteridade, as histórias que eles contavam.

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