segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Um artigo

 Roald Dahl, autor de A Fantástica Fábrica de Chocolates, a mais recente vítima dos censores.


O caso já está acima das raias do absurdo, e possui muitos tons de insanidade. Toda e qualquer palavra que ofende este e aquele floquinho-de-neve hipersensível, histérico, ridículo, tem de ser excluída do vocabulário usualmente empregado pelo comum das gentes, vide o auê que há décadas se faz com "denegrir", cuja etimilogia as pessoas que policiam a linguagem ignoram, e, mais recentemente, com "criado-mudo", substantivo que emprestamos a um móvel simpático que se põe à cabeceira da cama.

Numa era, e de gente desmiolada, o que se faz com a obra de Roald Dahl não surpreende quem tem os pinos nos seus lugares apropriados. Todavia, o caso incomoda, perturba, e, se não se se cuida da saúde mental, enlouquece-se.

Veio-me o caso, por vias acidentais, ao conhecimento, quando eu procurava, no Substack, por canais que tratam de literatura. Chamou-me a atenção o título de um artigo, "Debate: Obras clássicas com visões ultrapassadas devem ser editadas?", do canal "Notícias Literárias de Letras do Brasil", canal que trata do mercado editorial brasileiro, e traz o artigo à baila um debate acerca das alterações feitas, à revelia dos escritores, já mortos, nas obras deles, delas suprimindo-se trechos inteiros, adicionando-se outros, substituindo-se palavras consideradas ofensivas, desrespeitosas, discriminadoras, por outras, entendidas, pelos censores, apropriadas para os leitores atuais. Em tal matéria, informa-se que em nova edição dos livros Roald Dahl substituiu-se a palavra "gordo" por "grande", para adequar o vocabulário aos leitores de hoje. Perguntei-me, assim que li o que li se os destruidores da obra de Roald Dahl têm na conta de burros os leitores da obra dele e desde quando "grande" é, obrigatoriamente, sinônimo de "gordo". Se alguém me diz que é João gordo, imagino-o um homem gordo; mas se alguém me diz que é ele grande, imagino-o ou um homem de dois metros de altura, magricela, ou um homem robusto, irmão gêmeo de Lou Ferrigno, ou um homem gordo, volumoso, ou um gigante das dimensões de Golias. "Grande" não é, necessariamente, "gordo". E assim que me fiz a pergunta, que está nas linhas acima, escrevi na caixa de comentários ao artigo:

"Não há razões para se alterar o vocabulário de um livro para se adequar à sensibilidade dos leitores. Cabe ao autor, e apenas a ele, ainda em vida alterar seus livros, suprimir trechos, adicionar outros, e não seus herdeiros, e tampouco os editores. Imaginemos como ficaria a Odisséia se cada editor em tal obra empreender mudanças que entende necessárias para atender às demandas de intelectuais modernos, de gente que se arvora os intérpretes dos sentimentos e dos valores modernos! Além do mais, quem tem a última palavra para definir o que é desrespeitoso, preconceituoso, discriminador?! Li, há pouco, alguns textos de Henry James a respeito de seus próprios livros, e das mudanças que ele neles executou. Neste caso, sendo Henry James o criador de sua obra cabe a ele, e a mais ninguém, dar-lhe o tratamento que ele entende correto. Uma adaptação de um romance clássico (por exemplo: Guerra e Paz), para o público jovem, ou infantil, entende-se, terá seu tamanho reduzido, o texto reescrito para se adequar ao público ao qual será dirigido, é justificada, desde que se respeite a essência da obra. Mas alterar a obra, em uma nova edição, para o público adulto, dela excluindo-se este e aquele vocábulo, este e aquele trecho, é injustificado. Se se pode alterar o vocabulário, e trechos, ao bel prazer (e sem se consultar o autor) de quem a tal trabalho se dedica, então é o livro obra do autor original?! Se se justifica, para atender à sensibilidade dos leitores de hoje (ou seria melhor dizer às demandas de militantes ideológicos?), alterar de um livro clássico o vocabulário, quem poderá ir contra alterações de todo um livro, alterações que fazem de um livro outro, e dizer que é o livro outro?"

Foram estas as palavras que o artigo inspirou-me. Minutos depois, assisti ao vídeo "Inaceitável Censura a Roald Dahl", de Rodrigo Gurgel, professor de literatura, escritor e crítico literário, vídeo no qual, o título já declara, ele trata do tema envolvendo o escritor americano. E as palavras dele, distintas das minhas, as que escrevi para o site que mencionei acima, coincidem com elas, têm com elas idêntico espírito. E há poucos minutos, li, de Heather Heying, publicado na newsletter "Natural Selections", o artigo "The Age of Censorschip", no qual a autora trata, expandido o tema, do imbróglio que envolve Roald Dahl, à revelia dele, e contrariando-lhe o espiríto. E do fundo de minha alma desejo que a alma-penada de Roald Dahl puxe pelas pernas, toda noite, aqueles sujeitos que estão a adulterar-lhe as obras, desfigurando-as, destruindo-as.

Outras vítimas dos censores, pessoas, estes, abnegadas, que vivem de aporrinhar, com suas baboseiras identitárias, politicamente corretas, todo filho-de-Deus, são Monteiro Lobato, o nosso amado pai da Emília, e Tolkien, e Rowling, e Jordan Peterson, e mais uma infinidade de gente. E dias destes li, para meu espanto - e quem não soube da coisa irá espantar-se com as palavras que irá ler nas próximas linhas -, que serviços de inteligência, e os ingredientes da inteligência de quem tal serviço presta desconheço-os, estão a declarar que são extremistas de direita, fascistas, as pessoas que lêem as obras de Shakespeare, de Cervantes, dos gregos de há dois mil e quinhentos anos, e de outros escritores, filósofos, dramaturgos, poetas, romancistas, novelistas, brancos todos eles, e, vigilantes, a observar-lhes cuidadosamente, e atentamente, os passos. Não sei se tais informações procedem; todavia, ciente de que vivemos numa era orwelliana...

É tanta a presunção de tal gente (a que está a reescrever os livros de escritores mortos) insana, intolerante, inculta, insensata, que não encontro os adjetivos que melhor as qualificam. Chegaram a ponto de afirmar, com outras palavras, que Tolkien não pôs na sua mais famosa obra, O Senhor dos Anéis, as idéias corretas, e que, portanto, eles, os tipos pernósticos e estúpidos, que estão a estudar-lhe novas adaptações para a película, irão reescrevê-la, e com as idéias corretas, as idéias certas, que Tolkien negligengiou.

O nosso querido Monteiro Lobato, o pai de personagens icônicos da literatura e da cultura popular brasileiras, também sofre imensamente, sufocado pelo garrote que lhe puseram ao pescoço pessoas descerebradas, que desejam melhorar-lhe, dizem, a obra. E faz-lhe companhia na via-crucis Machado de Assis.

No seu artigo, Heather Heying informa que, reescrevendo os livros de Roald Dahl, os diligentes moralistas, paladinos dos bons costumes, substituíram "branco" (referindo-se aos humanos) por "pálido" e "frágil", e "bedouin tribesman" (conservo o original, em inglês), para não ferir suscetibilidades, por "local person".

Vai a coisa de mal a pior, e se se seguir a coisa, sem obstáculo, na toada em que vai, na próxima edição de Dom Quixote veremos com silhuetas irreconhecíveis o Cavaleiro da Triste Figura e o seu braço-direito, Sancho Pança, e a Dulcinéia del Toboso. E qual tratamento os censores concederão ao Rocinante?! Estou a imaginar o que eles irão fazer com O Último dos Moicanos, e com O Guarani, e com Robinson Crusoé, e com O Livro de Jângal; e com as fábulas de Esopo e as de La Fontaine; e com os contos dos irmãos Grimm, e os de Perrault; e com os livros de Kafka, e os de Proust, e os de Thomas Mann; e com o Sherlock Holmes, e o doutor Watson, e com o Mister Hyde, e o doutor Jekyll, e com o Hercule Poirot, e com o Mogli, e com o Quasímodo, e a Esmeralda, e com o doutor Franskentein, e a sua criatura, e com o Drácula; e com os robôs do Asimov, e os andróides de Phillip Dick; e com as obras de Aretino. Que inferno na Terra tal gente está a criar!

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Um artigo

 É Vladimir Putin o vilão?! Ou o vilão é o Biden?!


Desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em território ucraniano, muito se especulou acerca das reais motivações dos protagonistas, que são, supõem-se, os dois que têm a figura estampada em todos os jornais e em todos os sites: Vladimir Putin e Volodomyr Zelensky. E de coadjuvantes aparecem o Joe Biden, e o Emmanuel Macron, e o Boris Johnson, e o Xi Jinping, e outros personagens, os de menor expressão, os figurantes. E aventaram os entendidos, as mais variadas hipóteses sobre o prológo da guerra, que se deu, para uns, logo a seguir a queda da União Soviética, com o avanço da OTAN para o leste, a encurralar o urso eslavo, e para outros, em 2.014, com a deposição de Viktor Yanukovych, um preposto de Vladimir Putir, numa revolução colorida, a Euromaidan, que veio na esteira das revoluções coloridas na Síria, no Egito, e na Líbia, que resultou, esta, durante uma Primavera, a Árabe, na morte brutal de Muammar al-Gaddafi.

Da deposição do títere de Vladimir Putir, sempre cioso da segurança da Rússia, e acossado pelos ocidentais, assim ele argumenta, chegamos à aclamação de Volodomyr Zelensky, um herói ucraniano, para uns, um bonequinho-de-engonço, para outros, a receber ordens da OTAN, e, em particular, de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. Sentiu-se Vladimir Putir ameaçado, não pela Ucrânia, mas pela OTAN, que fazia da Ucrânia um ponto de partida para atacar a Rússia - dizem uns; a Ucrânia está, livre, soberanamente, a lutar pela suas independência e liberdade, dizem outros.

Assistimos à guerra de narrativas.

Que a Rússia invadiu território ucraniano, ninguém há de negar. Mas com qual propósito? Para impedir que a Ucrânia siga a existir apenas como um preposto  avançado da OTAN, no leste europeu, com o objetivo de ameaçar a Rússia, país com o qual faz fronteira?! Por cobiça, para reestabelecer a União Soviética?!

Qual é a versão correta dos fatos?

Assistimos à guerra de narrativas. Pensando, desapaixonadamente, o caso, sem nos envolvermos num clima de fla-flu, e cientes de que a respeito da guerra que ora se desenrola na Ucrânia sabemos, única e exclusivamente, o que a imprensa, que de nós não merece confiança, nos informa, temos, antes de tudo, com uma pulga atrás da orelha, de nos perguntar se as informações que nos chegam condiz com a realidade dos fatos, ou se foram inventadas por alguém, ou alguéns, com talento literário para elaborar enrendos repletos de tramas políticas, geopolíticas, com dose cavalar de artimanhas do universo dos espiões.

Mas pode-se dizer, e muitos ousam dizer, que é a Ucrânia país onde se dá uma guerra por procuração entre Rússia e Estados Unidos, ou entre Rússia e OTAN, sendo os ucranianos bucha-de-canhão, e Volodymyr Zekensky marionete de Joe Biden e os aliados deste, e não o herói cantado em prosa e verso. Ao tal se afirmar, conclui-se, obrigatoriamente, que é Vladimir Putin o herói?!

Um dado, e dado interessante, se adiciona à questão: a congressista americana Marjorie Taylor Greene apresenta, na Câmara, inquérito para exigir do governo Joe Biden explicações concernentes ao envio, pelo governo americano, de bilhões de Dólares à Ucrânia. Quer a congressista americana, republicana aguerrida, uma explicação detalhada, minuciosa, com a demonstração de cada um dos bilhões de Dólares dos contribuintes americanos que o governo Joe Biden enviou para a Ucrânia. Há a suspeita, e não é de hoje, que é a Ucrânia um Estado corrupto, uma lavanderia de Dólares, cujo destino está sabe-se lá onde, mas não está no esforço de guerra ucraniano.

Não sabemos, toda pessoa sensata sabe, e se não sabe, suspeita, o que é verdade e o que é mentira nas notícias acerca da Rússia e da Ucrânia; e sabemos, também, que as notícias nos chegam pela imprensa ocidental, cujos proprietários, multibilionários ocidentais que almejam se apossar das riquezas do solo eslavo, querem a queda de Vladimir Putin, o fim da Rússia como a conhecemos, a conversão dela em uma desvirilizada marionete nas mãos deles. E a outra fonte de informações está nas mãos de Vladimir Putin.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Frase

 Onde Judas perdeu as botas?

Nem Judas sabe onde ele perdeu as botas.

Uma frase

 Reza a lenda que um antigo sábio português dizia que é o Brasil lugar onde nascem pessoas e brasileiros.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

7 livros e 2 gibis

 Aventuras do Senhor Cryptogamo, de Alfredo Moraes Pinto, e Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a picaresca viagem do Imperador de Rasilb pela Europa.


Dir-se-ia duas revistas em quadrinhos a obra de Alfredo Moraes Pinto e a de Raphael Bordallo Pinheiro, ambas ricamente ilustradas - e são as ilustrações que acompanham os textos enormemente cômicas. Ou são os textos que acompanham as ilustrações?! Ambas as duas obras são do crepúsculo do século XIX. A primeira, uma aventura picaresca, jocosa, de um caçador de borboletas apaixonado pelas borboletas, e não pela sua noiva; a segunda, uma peça - picaresca, está no seu título - difamatória, cujo alvo é o Imperador Dom Pedro II - e é Rasilb acrônimo de Brasil -, que o autor ridiculariza, achincalha, reduz, e maldosamente, à figura de um pateta, de um paspalho, de um azêmola ridículo, desgracioso.

A primeira aventura conta a história do Senhor Cryptogamo; a segunda, a de Pedro de Pampulha, imperador de Rasilb.

O Senhor Cryptogamo, dedicado à sua paixão, caçar borboletas, negligenciava sua esposa, Elvira, por ele doentiamente apaixonada, e de cujos braços ele desejava escapar. Com artifícios inúmeros, ele foge às dela mãos sedosas, para ele garras afiadas, mas ocorre, infalivelmente, de ela acidentalmente ir ter com ele, para gostosura dela e desgosto dele. O destino sempre os reunia, para contrariedade do aventureiro desaventurado, que, aventurosamente, vem a ser engolido por uma baleia no interior de cujo estômago conhece uma bela minhota, que o faz esquecer-se, enquanto nos braços dela, de Elvira, e com ela casa-se. 

É a aventura do nosso herói comédia dramática e épica e trágica. Comédia, porque as desventuras do afortunado e desafortunado Senhor Cryptogamo é rocambolesca. Dramática, porque sofre a desprezada Elvira, que não tem do herói correspondido seu amor por ele, e porque sofre o herói para se desvencilhar dela. Épica,porque depara-se o herói, um Édipo, com perigos sem conta: enfrenta piratas, árabes e uma baleia. Trágica, porque encontra Elvira um fim... trágico; e o fim da história para o herói é... trágico.

Deu na telha do Imperador de Rasilb, Pedro de Pampulha, sair para conhecer o mundo, com dois objetivos: encontrar povos que o admirem; e, sábios que lhe digam palavras quaisquer. Antes de de seu império partir em viagem, deixa regente sua filha, a Princesa Zuzu-Bibi-Toto-Fredegundes-Cunegundes etc. Estuda dicionários de idiomas e catálogos das coisas de outros povos. E parte, para ver o mundo, com dezesseis mil e duzentos réis na algibeira. Vai à Alemanha, à França, à Inglaterra, à Itália, à Grécia, e à Ásia, e ao Egito, e à Palestina, e ao Valle de Andorra Júnior. Assiste às filarmônicas; adoece, e vive em quarentena; tem contato com professores árabes, e de anedotas e inscrições; e com sábios joga partidas de petisca; e visita sociedades científicas e de belas artes; e dança can-can; e lava-se num chafariz; e hospeda-se numa estalagem; enfrenta, enfim, mil e uma vicissitudes, que fazem a graça da sua história, uma desgraça.

As duas obras, que podem ser chamadas de livros ilustrados, tão ricamente ilustradas, as ilustrações a animarem o texto - ou o texto a animarem as ilustrações -, que se assemelham às modernas revistas em quadrinhos. Duas curiosidades literárias e históricas agradabilíssimas.


*


As Aventuras de Tintim, repórter do Petit Vingtième, no país dos sovietes (HQ) - de Hergé.


É esta a primeira história, que eu li, da famosa criatura saída da imaginação de Hergé, Tintim, sempre a escudá-lo o simpático Milu. Diferente dos igualmente famosos, cativantes, amáveis e divertidos Calvin e Haroldo, que vivem em pé de guerra, Tintim e Milu são amicíssimos tais quais Castor e Pólux.

É a história de 1.929, publicada em tiras, no suplemento infantil do Vingtième Siècle, e reunido em livro. Reflete o tom político então vigente, a União Soviética, após a Revolução Comunista de 1.917, a ludibriar com a sua bem-sucedida propaganda, sedutora, à qual o quadrinho que empresta seu nome à esta resenha dedica algumas cenas, o mundo, que se deixa engabelar, por ingenuidade, por comodismo, ou por cumplicidade, voluntária, ou involuntária. Corajoso foi Hergé, que, não se intimidando diante da boa imagem que o governo soviético da União Soviética aos povos do mundo vendia do regime bolchevique, ousou dar à luz, e num suplemento infantil de um famoso jornal, uma obra que, unindo humor à crítica política, simultaneamente simples e complexa, aparentemente despretensiosa, inocente, de aventuras do início ao fim, o protagonista e seu eterno coadjuvante, seu braço-direito de quatro patas, a empreenderem façanhas dignas dos heróis e dos super-heróis, denuncia os crimes dos comunistas.

À Rússia o Petit Vingième envia Tintim. Embarcam num comboio Tintim e Milu. E tão logo nele embarcam, são alvos de um atentado à bomba, que pulveriza, diremos, usando uma hipérbole, o comboio, enquanto o herói, que se revela, no decorrer de seu périplo homérico, dotado de poderes dignos dos semideuses olímpicos, e seu cachorrinho de estimação saem ilesos da trágica aventura, que resultou no desaparecimento (eufemismo para "morte") de 218 pessoas. E chegam a Berlim. E é Tintim acusado de explodir o comboio. Ele defende-se: alega inocência. Em vão. É preso. Seu inseparável cãozinho sempre ao seu lado. Escapam da prisão o herói e seu anjo da guarda, que o livra de apuros em incontáveis ocasiões. E participam de uma perseguição, soviéticos no encalço deles. Faz-se Tintim de morto. E num carro da polícia, em fuga, de um avião jogam-lhe bomba, que lhe destrói a metade traseira do carro. E colide com a locomotiva de um trem. É estraçalhado o carro. E a tragédia não se consuma: apesar da violência do acidente, Tintim e Milu da adversidade retiram-se incólumes, o cão coberto por espessa camada de carvão em pó, que o apretejara. E um agente da Tcheka atenta contra a vida do herói, pondo-lhe à frente uma casca de banana, para que ele inadvertidamente a pisasse, escorregasse, vindo a morrer, acidentalmente, assim que, sob a irresistível força da gravidade, atingisse o chão. Debalde a diabólica artimanha do crudelíssimo agente soviético, que em outras ocasiões atenta contra a vida do heróico belga.

Depois de conduzir, sobre os trilhos da via férrea, um carro mecânico, e, na sequência, dentre outros episódios, reconstituí-lo, aperfeiçoando-o, com peças que encontrara em um ferro-velho, e fingir-se de morto, e lutar contra um soviéte e dar-lhe uma sova, e vestir-se de fantasma, para assustar os bolcheviques que lhe haviam invadido o quarto em que se hospedara, e cair no esgoto, constipar-se, e com um espirro arrancar da parede a grade que o prendia naquele território fétido, e ser preso, e pilotar um barco, a persegui-lo inimigos, que lhe afundam a embarcação, e ser preso, e lutar contra torturadores chineses, fugir da prisão, e ir a Moscou, e alistar-se numa expedição às gulags, e ser condenado à morte por fuzilmento, e fingir-se de morto, e ser soterrado por neve, e ser atacado por um urso, contra o qual se envolve numa luta corpo-a-corpo, e ser capturado pelos soviéticos, e chegar ao esconderijo onde havia tesouros roubados ao povo russo por Lenine, Trotski e Estaline, e pilotar um avião, e ter o avião atingido por um raio, e ser aclamado vencedor da primeira etapa do Raid Pólo Sul - Pólo Norte, e em comemoração festiva embriagar-se, brigar com alemães, ser preso, e prender um bolchevique que pretendia explodir capitais européias, e ganhar uma recompensa de 20.000 Marcos, regressa, enfim, à sua terra, Bruxelas, o ponto de partida da sua extraordinária e fabulosa odisséia.

Cá entre nós: em poucas horas, Tintim, o amado Tintim, e o seu companheiro de todas as horas, Milu, realizam façanhas que superam as de Hércules, as de Aladin, as de Robinson Crusoé, as de Gulliver. Bater-se com um urso que se embriagara com uma boa dose de vodka e derrotá-lo não é para qualquer um; forçar um homem, que lhe corria no encalço, a encher o pneu do carro acidentado como ele o fez ninguém jamais conseguiu; cortar, em escasso tempo, uma árvore gigantesca, e dela tirar, esculpindo-a com um canivete, uma hélice para que pudesse, acoplando-a ao avião, abatido, mas ainda com a potência de alçar vôo e percorrer longas distâncias, apenas ele foi capaz. E o que podemos falar de Milu, seu eterno, leal e corajoso amigo?! Ora, ele o salvou nos momentos mais perigosos, mais sensíveis. Até fantasiar-se de tigre, fantasiou-se, para salvar Tintim. E enfrentou um tigre; e afugentou-o, reduzindo-o, ao latir, a um gatinho inofensivo. E não se acanhou quando o converteram em alvo de gargalhadas bodes, patos, vacas e outras criaturas de quatro e de duas patas.

Há nas pouco mais de cem páginas desta obra quase centenária, centenária e jovial e espirituosa, cenas hilárias e de puro e salutar nonsense. Os disparates são divertidíssimos. O périplo do herói belga e de seu amável cãozinho não é tão disparatado quanto as aventuras do Barão de Munchäusen, mas é igualmente divertido. É Tintim um portento de força, dir-se-ia a versão maculina de Píppi Meia-longa. Até moer de pancadas um urso, moeu. E Milu é um observados perspicaz do comportamento de Tintim e do de outros personagens, sempre atento, e desconfiado, a ler nas pessoas as intenções delas, e antecipando-às ações dos inimigos de Tintim, prejudicá-los, favorecendo-o, protegendo-o, sempre que possível, nem sempre evitando que ele se ponha em apuros.

A ingenuidade do tom da aventura de Tintim é aparente, contrasta com o teor político, diluído no mar de humor e aventura. Hergé, com sensibilidade cativante, e surpreendente, com discrição, comedimento, e crueza, denuncia os crimes do governo soviético em algumas cenas: o cenário, montado para vender ao Ocidente imagem favorável do regime comunista; as eleições, numa votação coletiva, os cidadãos, sob a mira de armas-de-fogo, obrigados a votar nos candidatos que o Partido indica; a distribuição de alimentos, ração diária que mal e mal dá para a subsistência, alimentos que até os porcos rejeitam, e que apenas os cidadãos que declaram juras de amor à ideologia comunista recebem.

É esta aventura de Tintim um passatempo, e uma obra política. A ficção não eclipsa a realidade, que é apresentada, embora com crueza, com traços atenuados num panorama cômico, disparatado, animado com personagens hiperbólicos, os episódios a se desenrolarem numa sequência estonteantemente divertida. Não tem a obra de Hergé o tom fatalista, pessimista, derrotista, apocalíptico, comum a inúmeros autores realistas. Não é obra de um homem desesperançado diante do horror que o mundo, indiferente a ele, lhe mostra.

É do Tintim esta a primeira história que li. E não será a última.


*


Lucky Luke - O Juiz (HQ) - de Morris


Os rapsodos, a inspirá-los as musas helênicas, cantaram as origens dos deuses, e as suas peripécias, façanhas, trabalhos,batalhas, guerras, e as dos semideuses e as dos heróis. Os trovadores lusitanos, a inspirá-los as musas ibéricas, cantaram as conquistas dos reis, e os seus amores, os seus maldizeres, os seus escárnios. Na ilha da Britânia, os bardos cantaram aventuras, hoje lendárias, do Rei Arthur e dos seus nobres Cavaleiros da Távola Redonda, e os menestréis as de rebeldes e outros personagens hoje queridos de todos. Em terras do outro lado do Atlântico, em uma era mais próxima de nós, num tempo em que a civilização transitava para uma era, ainda embrionária, industrial, que iria matar, nos anos que se lhe seguiriam, nos homens a poesia e a bravura, os poetas cantaram as façanhas dos heróis das terras novas, Buffalo Bill, Davy Crockett, Daniel Boone, Wild Bill Hicock, heróis lendários do panteão dos povos que marcharam para o oeste. Negligenciaram, todavia, a biografia de Lucky Luke e a de seu antagonista, Roy Bean, personagens que se envolveram em embates homéricos, embates que os cantou o talentoso Morris, a inspirarem-lo, tardiamente, após a morte dos lendários mitos americanos, as musas do Novo Mundo, que o presentearam com o talento dos rapsodos, dos trovadores, dos bardos e dos menestréis, e dos Leonardos e dos Michelângelos, talentos que, unidos em um só homem, permitiu que ele, agraciado com eles, a empunhar a pena, pusesse em papel os capítulos da história fabulosa que homens extraordinários cantaram, ao oeste do Rio Pecos, na cidade de Langtry, recanto aprazível, onde, ao contrário do que diz a história, há lei, a lei do juiz Roy Bean, que exerceu, num saloon-tribunal, com mãos-de-ferro, e errático, e reprovável, senso de justiça, a justiça. E nas mãos de tal juiz o destino jogou o esbelto e gracioso herói americano, Lucky Luke, o homem que dispara mais rápido que a sua sombra.

No canto que abre o épico, vemos o heróico Lucky Luke a ser incumbido, pelo mr. Smith, de conduzir, de Austin, Texas, até Silvercity, Novo México, a secundá-lo o chiquérrimo matuto La Chique, que lhe conta a história do juiz Roy Bean, manada de gado que trazia no lombo a marca do Rancho da Barra Dupla. Mal sabia o previdente herói que a viagem ele não a empreenderia sem contratempos, que o iriam pôr na frente da mira de rifles, nas garras de um urso e no banco dos réus.

Não nos antecipemos aos fatos. Estamos, ainda, a falar do princípio da fantástica aventura de um dos maiores heróis do Velho Oeste.

Assim que atravessa, a conduzir o gado do Rancho da Barra Dupla, a ponte sobre o Rio Pecos, Lucky Luke depara-se com uma estaca - a encimá-la um abutre robusto, agourento, que, a viver naquelas terras sáfaras, jamais conheceu a fome - fincada no solo árido, e lê os dízeres inscritos nas duas placas nela pregadas: na superior, maior: "Estrangeiro, chegaste a Langtry. População, hoje", e, na menor, inferior: "Quarta-feira, 12 - 225 habitantes." Estão Lucky Luke e La Chique a cinco quilômetros da área urbana. E de tal distância, o juiz Roy Bean, dono de um faro sobrenatural, sente o odor que exalam os corpos dos bois e das vacas, e vai ter uma palestra com Lucky Luke, palestra cujo prólogo é um disparo com um rifle, que desperta, de imediato, o adormecido herói americano. É tão rápida, e fulminante, e infalível, o senso de justiça do afamado juiz, que ele, dispensando o forasteiro de falar qualquer palavra em sua defesa, assim abreviando o julgamento, acusa-o de haver roubado o gado, e o sentencia a ser, acorretado a uma árvore, perseguido por um urso, o terrível urso Joe, animal ferino, de caninos grandes e pontudos, de corpanzil monstruosamente respeitável, petrificante, e de uma ferocidade ímpar, também ele acorrentado à árvore. Durante este evento, digno de ser registrado pelo brilhante artista que é Morris, os cidadãos que apostam na captura de Lucky Luke pelo urso são condenados, pelo juiz Roy Bean, que, sempre de olhos abertos, e alerta às injustiças e aos crimes que ocorrem em Langtry, confisca-lhes, subserviente ao Código Civil, o dinheiro das apostas.

E agenda-se o processo cujo réu é Lucky Luke - e ao tribunal acorrem multidões, de todos os cantos, para assistirem ao imperdível espetáculo. Entram em cena outros personagens, sem os quais o poema não teria as suas riqueza narrativa e fidelidade aos fatos: o mexicano Jacinto; o juiz Bad Ticket; o banqueiro J. P. Hogan; o professor Mr. Williams; o agente funerário a quem chamam Gato-Pingado; e, outros, que, de menor expressão, são imprescindíveis para a narração fiel aos fatos que se lê nos hexâmetros datílicos dos cantos da extraordinária aventura que os contemporâneos de Lucky Luke que viveram a oeste do Rio Pecos assistiram e que o grandioso Morris, após centúrias a se debruçar sobre documentos e livros históricos obscuros, registrou, desinteressadamente, em livro monumental.

Não podemos sonegar ao atilado, exigente, leitor, algumas notícias acerca da aventura do nosso herói Lucky Luke, aventura repleta de reviravoltas singulares e curiosidades antropológicas.

Lucky Luke escapa, rifle em punho, do saloon-tribunal. E ao saloon-tribunal regressa, e rende o juiz, pondo-o à mira de um revólver. Atingido, na cabeça, pelo Código Civil, instrumento pesadíssimo que o juiz Roy Bean arremessara-lhe, perde os sentidos, e, desacordado, cai. É preso. Com ajuda do inestimável Jacinto, foge. E recorre ao juiz Bad Ticket, e ajuda-o a construir, diante do saloon-tribunal do juiz Roy Bean, um tribunal. Fica entre o fogo cruzado entre os juízes Roy Bean e Bad Ticket. Para dirimir as pendências, propõe um duelo entre os dois juízes: é o duelo um jogo de poker, num ringue armado sobre o rio: compromete-se o perdedor a ir-se embora, e para sempre, de Langtry. Bad Ticket, o novo juiz de Langtry, condena Lucky Luke à morte por enforcamento. O urso Joe salva Lucky Luke, que se alia ao juiz deposto Roy Bean. O juiz Bad Ticket prende Lucky Luke e Roy Bean num alçapão. Lucky Luke e Roy Bean são dados mortos por afogamento. Fazem-se de fantasma. Enfim, após estas e inúmeras outras façanhas, o nosso heróico Lucky Luke, valente pistoleiro do Velho Oeste, agraciado, pela natureza, com bravura indômita, chega ao fim de seu périplo pela cidade, cujos habitantes vivem, agora, sob a guarda de um juiz justo e correto. Está Lucky Luke satisfeito com o epílogo da sua heróica aventura, um épico dos tempos modernos.

Leu o leitor, e atentamente, e interessadamente, sabemos, todas as palavras, que estão razoavelmente dispostas, e em boa quantidade, no parágrafo que antecede a este, um resumo, diremos, das peripécias, das adversidades, das reviravoltas que o mundo ofereceu ao nosso apolíneo herói, que soube, no uso de sua destreza no manejo do revólver e do rifle e das lucubrações intelectuais, punir os homens injustos em benefício dos homens injustiçados.

É a aventura O Juiz, narrada e ilustrada pelo preferido das musas americanas, de Lucky Luke, um episódio, e dos mais emblemáticos, da biografia de tão louvável herói, homem de inegáveis coragem e destemor, homem que jamais recua diante do perigo, homem abnegado, defensor da justiça e da liberdade, disposto a, sempre que as circunstâncias lhe exigiram-lhe, aliar-se a um de seus inimigos contra outro deles, conservando, fria, e pensativa, a cabeça, tal qual um aluno de Zenão, a cerebrar suas sofisticadas e sutis artimanhas, revelando ao mundo possuir o sangue do criador do Cavalo de Tróia.

É "O Juiz", do maravilhoso Morris, um monumento literário universal, uma homenagem ao homem americano. E é o herói o esbelto e apolíneo Lucky Luke, por antononásia O Homem Que Dispara Mais Rápido Que A Sua Sombra, um emblema do Velho Oeste.

Tem Lucky Luke seu perfil na galeira dos heróis, e está, à mesa, tal qual Sócrates, após beber da cicuta que lhe ofereceram, com seus iguais, numa palestra animada, a ter um descontraído dedo-de-prosa com os seus pares Robin Hood, Robinson Crusoé, Ben-Hur, e tantas outras lendas que os literatos imortalizaram.


*


Malba Tahan, e os números, e a geometria, e Fermat, e Türing, e o hiperespaço. Cinco livros: Os Números, de Georges Ifrah; O Homem Que Sabia Demais, de David Leavitt; O Último Teorema de Fermat, de Simon Singh; A Janela de Euclides, de Leonardo Mlodinov; e, O Homem Que Calculava, de Malba Tahan.


Decidi reunir os cinco livros mencionados no título numa só resenha, e comentá-los, em poucas palavras. De todos, o de Malba Tahan é o único que li há uns vinte anos; e aos outros dediquei leitura recentemente, sendo que ao de George Ifrah há um ano, e ao de David Leavitt, ao de Simon Singh e ao de Leonard Mlodinov há poucos dias - e os destes três o primeiro que li foi o de Mlodinov, e o último o de Leavitt.

Começo recordando O Homem Que Calculava, livro de Matemática, que o autor, narrando histórias fabulosas, ensina com espirituosidade. É o livro agradável e divertido. A Matemática não é uma, direi, ciência insossa, desgraciosa, depressiva, emasculadora; tem os seus atrativos, que os matemáticos sabem apreciar - que o diga Andrew Wiles, o herói do livro de Simon Singh, que no seu, ouso dizer, romance O Último Teorema de Fermat, narra a aventura, impressionante, fabulosa, da concepção do enigma que Fermat apresentou ao mundo, até a solução dele, encontrada, por Andrew Wiles, mais de trezentos anos depois, sem sonegar aos leitores contos e curiosidades da era pitagórica, a gênese da extraordinária aventura, Pitágoras a inspirar a Fermat a idéia que iria atormentar, no decorrer dos três séculos que sucederam, os maiores matemáticos da História, dentre eles Leonhard Euler.

Para falar, e com propriedade, do Teorema de Fermat e dos trabalhos hercúleos que os matemáticos empreenderam para encontrar-lhe a solução, Simon Singh narra façanhas de Pitágoras e dos de seu círculo matemático, místico, esotérico, e algumas curiosidades, e outras histórias, reais, que estão no campo das lendas, do fabulário popular. Fala o autor do amor de Pitágoras pelos números perfeitos, e da relação umbilical deles com a natureza, e da harmonia da Matemática com a Música, e de Hipaso, cujo fim trágico é uma nódoa na biografia de Pitágoras, e da Biblioteca de Alexandria, cuja ereção é de inspiração de Demétrio Falero; e de Euclides, e sua obra maior, Os Elementos. E fala da história da descoberta dos números irracionais, e dos números primos, e dos números amistosos, e dos números sociáveis, e dos números negativos, e do número zero, e dos números imaginários, de todas as fantasmagorias matemáticas a maior.

É imenso o panteão dos heróis do universo da Matemática.

O autor de O Último Teorema de Fermat dedica páginas e mais páginas para falar de Diofante de Alexandria, Brahmagupta, Euler, Rafaello Bombelli, David Hilbert, Theano, Hipácia, Emmy Noether, Paul Wolfskehl, Henry Dudeney (mestre dos enigmas), Charles Dodgson (Lewis Carroll, o autor de Alice No País das Maravilhas), Sam Lloyd (charadista, criador do Enigma 14-15), Kurt Gödel, Epimenides, Heisenberg, Alan Turing, Goro Shimura, Yutaka Taniyama, e uma infinidade de outros nomes, todos eles de valor inestimável. Destaco, aproveito a ocasião, o nome de Kurt Gödel e o de Epimenides, este, autor do Paradoxo de Creta, ou do Mentiroso, aquele, que veio a provar, com seu Teorema da Indecidibilidade que não é a Matemática tão matematicamente correta como os leigos acreditam. Neste livro, de divulgação científica, uma biografia, não de Pierre de Fermat, nem de Andrew Wiles, nem de Pitágoras, mas do teorema que dá título ao livro, o leitor vem a ler fórmulas de feitiçaria, cujos ingredientes cabalísticos são trio pitagórico, teoria dos números, teoria da probabilidade, "reductio ad absurdum", espaço hiperbólico, teoria dos jogos, equações elípticas, formas modulares, geometria diferencial, e outros de igual quilate. Há um quê de místico, alquímico, sagrado, na Matemática. Pitágoras já o sabia; e conhecendo-lhe o valor não admitia, na Irmandade Pitagórica, hereges e apóstatas, e estes eles os condenava à morte se transgredissem seus rituais, suas regras.

De brinde, os leitores ganham a notícia da singularidade do número 26.

Epimenides e Kurt Gödel também estão presentes no livro de David Leavitt, O Homem Que Sabia Demais - Alan Turing e a Invenção do Computador, livro que narra a vida do pai da máquina universal, filha da máquina analítica de Charles Babbage. É o livro interessante. Dá notícia da vida sexual de Alan Turing, que era homossexual, do tratamento desonroso que o governo inglês lhe dedicou; e de sua empresa no grupo de matemáticos que trabalharam, com afinco, e energia inesgotável, para sobrepujar a Enigma, a máquina esfíngica nazista de criptografia. O trabalho de Alan Turing, inspirador. Não resume o autor à vida de Alan Turing; trata ele, em detalhes, além do trabalho de Leibniz, Frege, Bertrand Russell, Hilbert, Hardy, Roger Penrose, M. H. A. Newman, John von Neumann, Bernhard Riemann, e dos acima citados Babbage, Epimenides e Gödel, de Wittgenstein, com quem Turing manteve um entrevero emocionante acerca de uma ponte, de Dilwyn Knox, que também esforçou-se para decifrar Enigma, e de Marian Rejewski, cuja inteligência ajudou o herói do livro de Leavitt a sobrepujar a esfíngica inteligência maquinal nazista. O trecho que trata o livro dos mecanismos da Enigma, e da máquina-a e da máquina ace, ambas de Turing, é um terreno deveras árido, e o leitor tem de percorrê-lo com atenção e esforço redobrados - dir-se-ia um labirinto em cujo coração há um minotauro, um dos inúmeros monstros mitológicos que o leitor tem de enfrentar durante a leitura, monstro que pode o leitor derrotar se, e apenas se, contar com a ajuda inestimável da Tia Nastácia.

Praticou Turing a Matemática num caso concreto, para efeito prático, e urgente: a encriptação de uma quimera, a enigmática máquina nazista de guerra, que petrificava todos os que a fitavam, e transtornos insuperáveis causava aos Aliados.

Admirador do desenho animado Branca de Neve e os Sete Anões, dos estúdios Disney, Alan Turing, no desenho inspirando-se, decidiu deixar o mundo, viajar para outro meio existencial: comeu de uma suculenta maçã banhada em uma poção de cianeto.

E o onipresente Pitágoras está no livro de Leonard Mlodinov, A Janela de Euclides - Das Linhas Paralelas ao Hiperespaço. Além dele, outro grego, seu conterrâneo, ocupa dezenas de páginas do livro, Euclides, autor de Os Elementos.

Neste livro, o princípio do romance histórico que conta a aventura da Geometria, cuja gênese está no trabalho de Euclides, sua geometria, que lhe ganhou o nome adjetivado, a euclidiana. E da simplicidade de espaço bidimensional da obra máxima do matemático e filósofo grego, os humanos chegaram à complexidade dos conceitos matemáticos que presenteiam o homo sapiens com uma tal de brana, cuja estrutura consiste numa teratológica e escalafobética alimária de onze dimensões, inimaginável, inconcebível pela imaginação humana. Estão registrados, na heróica façanha, que o livro narra, os nomes de Gauss, Descartes, Riemann, Lobachevsky, Einstein, Feynman, John Schwarz, Schrödingen, Heisenberg, Theodor Kaluza e Oskar Klein, Murray Gell-Mann, Gabrieli Veneziano, John Wheeler, e não sei quantos outros da plêiade. Não se surpreenderão os fãs de Jornada nas Estrelas com os no livro apresentados espaço hiperbólico, geometria não-euclidiana, espaço-tempo, bóson, férmion, espaço tetradimensional não-euclidiano da relatividade geral, teoria das cordas, teoria M, teoria quântica, tipologia, entropia, mecânica ondulatória, mecânica matricial, cilindro de Kaluza-Klein, quarks, espaço Calabi-Yau, e outros personagens dos quais são íntimos, e não se assustarão com a afirmação de que o tempo e o espaço não existem, não em um sentido, direi, sutil, mágico. E persistirá a dúvida: O universo tem quantas dimensões: quatro, seis, dez, ou onze? Faz-nos pensar o teor do livro, e nos perguntar se é a sua substância saída da cabeça de cientistas, se da de escritores de ficção científica.

Nenhum progresso científico haveria, e Malba Tahan, David Leavitt, Simon Singh e Leonard Mlodinov jamais escreveriam seus livros se os nossos ancestrais, desde os mais antigos deles, não houvessem pensado numa das maiores de todas as invenções humanas: os números. E são os números os protagonistas de Os Números, livro de Georges Ifrah, obra que concede aos leitores o prazer de conhecer a prodigiosa inteligência humana ao dela, fazendo uso, inventar coisas, os números, hoje nossas íntimas - mas não íntimas de todos os homens -, de nós tão familiares, de nós tão amigas, e para nós tão úteis, tão valiosas. E a invenção de tal preciosidade contou com gerações de humanos, que, não se entendendo, em tempos longínquos, que os livros de História mal registram, usavam, indecisos, inseguros, a base dez, a base doze, a base sessenta, sem saber se, para contar a quantidade das coisas, empregavam os dedos, e unicamente os das mãos, ou se, além dos das mãos, os dos pés, e o nariz, e a boca, e os olhos, e as orelhas, enfim, todas as partes do corpo humano, todos os seus aparatos. Era, antes da invenção dos números, um trabalho exaustivo o de contar as coisas, desgastante e enervante. É a história dos números tão emocionante quanto à dos Argonautas. Ah! Sim. Esquecia-me: Neste livro, Pitágoras tem o seu papel, o de figurante.

E aqui estão os cinco livros que decidi comentar nesta resenha; cinco ótimas obras de divulgação de conhecimentos, todos a animarem o espírito dos homens. 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Uma nota breve

 Estamos em guerra. Desastres naturais. E artificiais. Deep State. Nota breve.


Estamos a acompanhar notícias de desastres naturais que estão a se suceder, em várias partes do mundo, numa sequência, e simultaneamente, alucinante. Ou tudo não passa de encenação, de narrativas, de imagens, criadas em computador, com os mais avançados softwares comuns à indústria de animação digital. Não são os desastres naturais?! É a questão deveras complexa, pois é o planeta um corpo celeste sofisticado, único, para não poucas pessoas um ser vivo (tal pensamento não é de espantar, se entendermos que há, na Terra, seres vivos, e de milhares de espécies, e que é da estrutura dela que eles se constituem - e não estou, aqui, a esposar uma idéia exclusivamente panteista), e há muita gente que, interessada, em defesa de seus interesses, e para a concretização de sua visão-de-mundo, em manipular a opinião de oito bilhões de seres humanos, vende a narrativa que lhe é conveniente.

Eu, um simples e simpático bípede implume dono de uma cabeleira razoavelmente extensa, que está em vias de desmatamento irrecuperável, já ouvi e li as mais diversas explicações para os fenômenos, naturais ou não, que estão a se dar em nosso planeta. Se as explicações explicam alguma coisa, ou se não passam de conjecturas - e não sei dizer quais são as plausíveis -, ou se elas são mentiras deslavadas, não sei; sei, apenas, que delas tomei conhecimento, e em alguns casos contra a minha vontade, afinal eu não as busquei por vontade própria: elas me chegaram por vias indiretas.

Há quem diga que são o terremoto que fez sacudir, na Turquia e na Síria, a terra, e violentamente, e as tempestades que devastaram os Estados Unidos, e outros fenômenos catastróficos eventos naturais, que participam do ciclo de vida da Terra e contra os quais os humanos somos impotentes: é a Terra um organismo vasto, que os braços humanos não podem envolver, cabendo a nós a resignação. Para outras pessoas, tais catástrofes se dão porque os pólos magnéticos terrestres estão se invertendo, o do Sul indo para o Norte, e o do Norte para o Sul. Neste caso, é o evento natural: a Terra tem a sua história, e os humanos nada podemos fazer. Há quem diga, no entanto, que são as catástrofes naturais consequências indesejadas das inconsequentes ações humanas, que estão a afetar, intensa, e enormemente, toda a composição do planeta a ponto de alterar-lhe o ciclo natural (entenda-se o que se quiser com 'ciclo natural'). Teríamos os humanos poder para tanto?! E há quem diga que os fenômenos nascem da atividade do núcleo da Terra, segundo informações que cientistas deram recentemente: o núcleo da Terra parou de girar, e retomou seu movimento, agora em sentido contrário do de antes de parar. Talvez, dizem outras pessoas, todos os eventos naturais catastróficos não sejam naturais - não os mais violentos, em especial os que ocorrem em país hostis aos dominados pelos intitulados globalistas -, mas provocados por uma sofisticada arma, que atende pelo acrônimo HAARP, capaz de provocar tufões, tempestades, secas, terremotos, e outros eventos inimagináveis. E há quem diga que boa parte das cenas de destruição supostamente provocadas por catástrofes naturais têm outra explicação, e muitas delas são narrativas, unicamente narrativas; isto é, em outras palavras, são tais eventos obras de ficção, jamais ocorreram. E não se pode ignorar que há um toque, muita gente entende, divino nos eventos que estão a se dar no mundo. Não sou eu, um simples magricela às portas da quinta década de vida, que irei apontar a alternativa correta. Eu poderia afirmar que todas elas, juntas e misturadas, explicam o que se passa no planeta azul. Não o farei, entretanto - o que entendo ser prudente fazer.

Mas vamos contextualizar o caso: estamos a assistir a uma guerra, e não uma guerra entre Estados Unidos e China, ou entre Estados Unidos e Rússia, por procuração, na Ucrânia, mas, há quem diga, uma guerra entre nações soberanas e seu respectivo estado profundo, o insuspeitado Deep State, apelido que se dá aos traidores da pátria, e cada nação tem o seu Deep State, o seu inimigo interno. Intitula-se tal guerra de Quinta Geração, e nesta guerra, mundial, que seria a Terceira, não são os protagonistas as nações, mas agentes, em cada nação, antagônicos, os de um grupo a lutar em nome da liberdade, os da outra, o da opressão, para implantar uma ditadura feroz, um governo totalitário dotado de um poder destrutivo jamais conhecido. E considerando-se tal ambiente, o HAARP é um artefato bélico do qual se usa e abusa imoderadamente, ou, devo dizer, e dizer melhor, moderadamente, pois apenas um dos grupos em conflito o usa contra alvos específicos. E em tal guerra usa-se de chemtrails, para contaminar a atmosfera, e de geoengenharia, e de patógenos biologicamente aprimorados, e da mídia, que produz, na sociedade, histeria coletiva, e de  alteração da legislação eleitoral para favorecer a fraude, e de ataques à moeda nacional, e de sabotagem de trens - que tem em si acoplados vagões repletos de produtos químicos extremamente tóxicos -, que descarrilam em locais que, vazando dos vagões os produtos químicos, favorecem a contaminação de rios e do lençol freático, e de imigração em massa, ilegal, de pessoas de países devastados por guerras, e de ataques à infra-estrutura da cadeia de suprimentos, para provocar escassez de alimentos, e fome.

Para certos estudiosos, o que está a se dar nos Estados Unidos é uma guerra entre o complexo industrial americano e o Deep State. Estão em pé-de-guerra. Mas não é a guerra declarada: ela ocorre, sutilmente, em todos os meios, de todas as formas: é a por antonomásia Guerra de Quinta Geração, que se faz com manipulação das informações, false flags, operações psicológicas em larga escala, lavagem cerebral em massa. E é supranacional: o Deep State americano está associado ao deep state russo, ao deep state brasileiro, ao deep state chinês, ao deep state japonês, e os patriotas, os autênticos patriotas, e não os que o são apenas da boca para fora, de todos os país, unidos, lutam contra cada qual o seu deep state.

Cá entre nós, os inimigos do Brasil estão na China, na Rússia, nos Estados Unidos, ou no Brasil? Não sãos os inimigos os políticos, os jornalistas, os advogados, os artistas, os empresários, os professores, enfim, os brasileiros que, inescrupulosos, venais, criminosos, estão a solapar a nação que os lusitanos conceberam?! E não são tais pessoas cúmplices dos deep states estrangeiros?! O Brasil tem o seu inimigo interno, o seu deep state.

E para encerrar esta nota breve, que já vai razoavelmente longa, digo: contou-me um passarinho que nos derradeiros meses do ano de 2.022, as Forças Armadas Brasileiras, sem alarde, ocuparam o vasto território nacional, a orientá-las informações cujas origens e cujas dimensões os brasileiros jamais conheceremos, com o propósito de se antecipar a grupos criminosos que planejavam atear fogo em plantações de alimentos, e em florestas, e contaminar rios,lençóis freáticos, aquíferos e "oceanos aéreos", e sabotar a rede elétrica nacional, e perpetrarem outras maldades que gerariam em terras brasileiras o caos social.

Estamos em guerra.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Nota breve

 Direto dos EUA: Marjorie Taylor Greene, Karen Lake, Nancy Mace e Matt Gaetz. Descarrilamento de trens. Redes sociais: pornografia infantil, interferência nas eleições. Balões. OVNIs. E outras notas breves.


Meu querido leitor, saiba: decidi incluir no título desta edição das minhas notas breves o nome de quatro congressistas americanos, todos republicanos, amicíssimos do presidente Donald Trump, pois, entendo, todos eles, após deles eu tomar conhecimento e assistir alguns discursos (legendados, pois meu inglês é sofrível), merecem dos brasileiros atenção, e muita atenção, afinal o que eles estão a fazer no Congresso americano tem impacto na nossa vida de simples brasileiros. Infelizmente, o que é compreensível, a imprensa tupiniquim jamais publica em papel, e em formato digital, e tampouco pronuncia, o nome deles. Você já leu, meu querido leitor, e já ouviu, na mídia nacional o nome Karen Lake? E Marjorie Taylor Greene? E Nancy Mace? E Matt Gaetz? Presumo que não, afinal a nossa imprensa, profissional e objetiva, que só dá a público o que é do interesse público e do público ocupa-se de falar de balões espiões supostamente chineses que invadiram o território aéreo americano e avistamento de objetos voadores não-identificados oriundos, presume-se, de Krypton, de Tatooine, de Oa e de Cybertron.

Mas o que de tão importante os quatro congressistas republicanos estão a falar? - pergunta-me o leitor. Ora, de coisas pequenas insignficantes, tais quais a tal ajuda financeira americana à Ucrânia (e há quem se pergunte qual é o verdadeiro destino dos dólares dos contribuintes americanos), a sonegação, por redes sociais, ao público americano, de informações acerca do conteúdo do laptop do Hunter, filho do Joe Biden, informações que mudariam a história das eleições americanas de 2.020, e  informações a respeito do vírus, que, entendia-se até há pouco tempo, surgiu em Wuhan, China, e que hoje, suspeita-se, é uma arma biológica, um patógeno que em laboratórios, talvez na Ucrânia, talvez na China, os estudos financiados por agentes americanos inescrupulosos, recebeu um update e converteu-se no monstrinho antediluviano que há três anos deu o ar da sua graça e causou muita desgraça, e informações sobre a promoção e divulgação de pornografia infantil. Estão os quatro congressistas trumpistas fazendo picadinho da rede social do passarinho azul, há pouco tempo, após enervante vai-e-vem, caído nas mãos do mais famoso de todos os Elon. Como se diz em terras pindamonhangabenses: os quatro congressistas cujos nomes registrei acima estão a pisar no calo de muita gente poderosa, estão a dar nome aos bois, estão a pôr os pingos nos is. E na intenção de impedir que venham as pessoas a tomarem conhecimento do que se passa no Congresso americano, distrações a imprensa mundial patrocina: os alienígenas estão chegando. Orson Wells adoraria viver neste princípio do século XXI.

*

Além de balões espiões presumivelmente chineses e de discos voadores extraterrestres, roubam aos americanos o sono os suspeitíssimos descarrilamentos de trens. Um, em Ohio. Ó, raios! descarrilamento de trens na terra do Tio Sam?! Perdoe-me o leitor o trocadilho desgracioso. Mas cá entre nós: Descarrilamentos de trens nos Estados Unidos, cinco, seis, deles, em uma semana, é suspeito não?! Não é um fenômeno natural acidentes envolvendo trens no país que tem a maior malha ferroviária do planeta e a melhor segurança que o dinheiro pode comprar. Falasse de descarrilamento de trens na Índia, país famoso por acidentes ferroviários, ninguém se surpreenderia. Mas na terra de Elvis Presley?! Suspeitos. Contou-me o passarinho que um dia sim e o outro dia também me traz notícias do arco-da-velha que tenham sido os trens descarrilados sabotados, os trens a carregarem produtos tóxicos que estão, agora, neste exato momento, a contaminar o lençol freático do entorno do estado de Ohio. Há quem diga que há muito de encenação em tal noticiário; que talvez a desgraça nâo seja tão desvastadora quanto se divulga e que talvez muito das cenas da destruição seja obra do Mágico de Oz. Sabe-se lá o que é verdade e o que é mentira em toda a história. A pessoa perspicaz sempre tem uma pulga atrás de sua orelha, e se não lha tem sempre tem uma à mão para pô-la, sempre que entender necessário, atrás dela.

*

... e já estão, tudo indica, a preparar o cenário para uma nova epidemia mundial, agora direto da África, a epidemia do vírus Marburg, que está a causar estragos em terras da Guiné Equatorial e em terras de Camarões. Se verdade, se mentira, não sei. Só sei que está a pipocar epidemia de tempos em tempos, e cada vez a intervalos de tempo mais curtos. E o mais curioso: personalidades públicas anunciam, com antecedência de meses, até de anos, os surtos epidêmicos de vírus cada vez mais poderosos. O que tal gente sabe que nós, meros mortais, não sabemos?!

*

Parece piada, mas não é: os seres mais inteligentes da galáxia estão a dizer que não se deve falar, ao se referir aos sexos, de 'masculino' e 'feminino', e 'macho' e 'fêmea', pois com tal linguajar, tão censurável, tão reprovável, está-se a reforçar uma idéia preconceituosa, discriminatória: a do sexo binário. Deve-se, portanto, declaram, de boca cheia, os iluminados, ao se referir aos sexos - ou gêneros sexuais, assim eles dizem - dizer 'produtores de esperma' e 'produtores de óvulos', ou, simplesmente, 'xx' e 'xy'. Ora, nestes casos também se está a reforçar o preconceito, certo?! afinal fala-se de dois, e apenas dois, gêneros sexuais! De onde os tais iluminados, os sábios modernos tiram idéias tão ridículas, você sabe, querido leitor? Sabe?! Então faça-me um favor: Não me diga. Não quero saber.

*

A última nota breve desta edição das minhas Notas Breves: Marjorie Taylor Greene, Karen Lake, Nancy Mace e Matt Gaetz.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Nota

Estamos todos predestinados a fazer o que fazemos, destinados a ser cada um de nós o que somos, ou gozamos do direito de decidir, a usar de nosso livre-arbítrio, para escolhermos cada um de nós o nosso destino? Somos arbitrariamente livres para decidirmos o nosso destino, predestinados a concretizá-lo? Trago à mente a história de Édipo.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Duas crônicas

 Pinga


- Aqui está, para a mamãe. Comprei na farmácia próxima da Igreja São Benedito.

- Por que você foi até lá? Comprasse, aqui, na farmácia onde o Marcelo trabalha, perto de casa.

- Aproveitei que tinha de ir à padaria, e pesquisei o preço, na farmácia daqui perto e na perto da São Benedito. Na daqui, setenta e dois Reais e setenta e cinco centavos; na de lá, sessenta e cinco Reais e cinquenta centavos. Economizei... Economizei... Quantos Reais?!

- Sete Reais e vinte e cinco centavos.

- Com o dinheiro economizado dá para comprar uns dez pães, ou um pacote de pão de forma, ou um litro de leite e um pacote de bolachas. É pouco, mas de grão em grão a galinha enche o papo.

- Você irá pingá-lo no olho de sua mãe?

- Não sei. Irei ter com ela. Se ela conseguir pingá-lo... Se não, eu terei de ajudá-la. É tão pequeno, o frasco! É só desatarraxar... Abri. E quase quebrei-me a unha. E... Deixe-me... Pinga no olho da mamãe.

- Irá arder.

- Arder?! Não. Só um incômodo.

- É melhor você pôr-lhe no olho colírio.

- O quê?!

- Pinga bebe-se.


*


Fora, Uber! Fora, Uber! Fora, Uber!


Às nove e quinze da manhã de uma quinta-feira ensolarada do mês de fevereiro, Gustavo retira-se, apressado, da sua casa, e, célere, a passos largos, a trotear em alguns trechos de sua corrida, vai à agência dos correios mais próxima de sua casa, desta distante uns quinhentos metros. A sua pressa justifica-se: tinha de comparecer, às dez e meia, no Fórum Municipal, para um depoimento, que teria de apresentar ao juiz. Pretendia no Fórum chegar uns quinze minutos antes da hora marcada, atendendo às orientações do advogado, que iria prepará-lo a ele Gustavo para encarar o juiz, que, segundo o advogado, era boa-pinta e gente boa, mas, nos dias em que não estava de boa veneta, nos dias em que estava com a macaca, aflorando-se-lhe o lado negro de sua força, tinha rompantes de fúria indomável, e nenhuma disposição para ouvir o que quer que seja de quem quer que fosse. Se não se sabia em quais dias o juiz estava com a macaca, então Gustavo que tratasse de chegar uns quinze minutos antes da audiência com ele, para do advogado ouvir as orientações. Gustavo não questionou as exortações de seu advogado. Chegado à agência dos correios, retira para si uma senha de atendimento, e espera, ansioso, impaciente, alguma funcionária o atender. Esperou durante longos e intermináveis dez minutos, no transcurso dos quais consultou umas trinta vezes o relógio que lhe envolvia o pulso, atraindo para si a atenção das poucas pessoas que, tais quais ele, aguardavam por atendimento. A sua senha, enfim, apareceu, acompanhada de um apito agudo, no monitor disposto à parede. Os ponteiros do relógio anotavam nove horas e quarenta minutos. Com oito largos passos, achegou-se Gustavo à atendente que estava atrás do caixa indicado com o número quatro. E tão logo saudaram-se com um bom dia, Gustavo tratou de para ela dizer:

- Tenho de ir ao Fórum Municipal.

- Qual é o endereço?

E Gustavo disse-lhe o endereço.

- Daqui até lá, senhor, são dois quilômetros e duzentos e trinta e sete metros e quarenta e oito centímetros.

- Vocês são detalhistas rigorosos.

- Os nossos cálculos são perfeitamente exatos.

- Quantos Reais terei de pagar por uma corrida até o Fórum?

- O senhor quer ir pelo trajeto mais curto?

- De preferência.

- E pelo menos movimentado?

- Se possível.

- O senhor tem preferência por algum modelo de carro?

- Desde que funcione, qualquer um me serve.

- Temos carros... São as opções que oferecemos ao senhor: carros movidos à gasolina; carros movidos à gás; carros movidos à etanol; carros movidos à energia elétrica; e carros movidos à gasolina aditivada.

- Serve-me qualquer um que me leve até o Fórum.

- Senhor, o senhor tem de optar por uma das opções.

- Então... então... Podemos apressar o atendimento?!

- Senhor, temos de respeitar o regulamento. Não podemos providenciar para o senhor um veículo de transporte de animais humanos, se o senhor não nos dizer qual dentre as opções de carros que deixamos à disposição do senhor o senhor deseja.

- Animais humanos?! Você está querendo dizer 'pessoas'?!

- Sim.

- Entendi. Para mim, está de bom tamanho um carro movido à gasolina.

- O senhor deseja contratar um serviço de transporte de animais humanos?

- Sim.

- E o senhor opta por um carro movido à gasolina?!

- Sim. É o que eu quero e o que eu desejo e o de que eu preciso, o mais urgentemente possível. É para ontem, moça.

- Senhor, entendemos as suas razões para tamanha pressa, mas temos de respeitar todas as etapas dos procedimentos que exigimos para a contratação do serviço de transporte de animais humanos. O senhor entende as nossas razões, não  entende?

- Sim. Eu as entendo.

- Não podemos deixar de informar o senhor que temos um programa de responsabilidade ambiental e de proteção do planeta Terra, programa que consiste no incentivo ao uso, pelos animais humanos que contratam os nossos serviços de transporte de animais humanos, de veículos movidos à energia elétrica. Saiba, senhor, que o mundo empreende esforço desumano para a proteção da natureza, e uma das tarefas que tal esforço contempla é a do abandono, pelos animais humanos, do uso, nos veículos, de combustível de origem fóssil, que, sendo poluente, além de destruir a camada de ozônio, provoca, ao liberar, na atmosfera terrestre, diariamente, bilhões de toneladas de ceódois, o efeito estufa, ocasionando, consequentemente, o aquecimento global de origem antropocêntrica, e as mudanças climáticas, também de origem antropocêntrica, resultados, o aquecimento global e as mudanças climáticas, da atividade humana capitalista, que, alterando o clima terrestre, prejudica a vida da Terra, e a dos seres vivos naturais, e a da fauna e a da flora, e a dos animais e a das plantas, e a dos seres vivos que vivem no fundo do mar, na floresta amazônica, no Saara, e em outros locais inóspitos, que mesmo que nestes os animais humanos não atuem, direta ou indiretamente, com as suas irresponsáveis e inconsequentes atividades predatórias, elas lhes influenciam negativamente o meio ambiente, destruindo-o. Além disso, senhor, prevê-se que o nível das águas dos oceanos irá elevar-se, nos próximos setenta, oitenta anos, até o ano 2.100, uns cinco metros, o que provocará ondas gigantescas devastadoras e tsunamis destruidores. A elevação da temperatura...

- Moça, perdoe-me interrompê-la. Você pode acelerar o atendimento, por gentileza?! Tenho de ir ao Fórum Municipal. Terei de lá estar, sem falta, minutos antes das dez e meia. Nenhum segundo de atraso o juiz irá me permitir. Ele não aceitará de mim desculpas e justificativas. Ou eu chegarei na hora marcada, ou dançarei, e dançarei bonito.

- Entendo, senhor, as suas preocupações; mas eu não posso deixar de seguir os protocolos. O senhor tem de entender que participamos das campanhas Trânsito Consciente e Viva a Terra, dois programas globais que atendem aos interesses de todos os animais humanos, que desejamos viver num planeta sem poluição, e que sonhamos que não tenhamos de enfrentar os problemas provocados pela superpopulação, e que queremos que as mulheres não sejamos vítimas...

- Entendi. Entendi. O que tenho de fazer para contratar o serviço de transporte de pessoas que me leve daqui até o Fórum Municipal?

- O senhor tem de optar por um dos carros que deixamos à disposição dos animais humanos que contratam os nossos serviços de transporte de animais humanos, um carro que não seja movido à combustível de origem fóssil, um carro que não libere na atmosfera terrestre poluentes, que destróem a camada de ozônio, um carro que não provoque o efeito estufa, um carro, enfim, movido à energia limpa, renovável, à energia verde, um carro...

- Quais são as opções?!

- Carro movido à energia elétrica.

- E os carros movidos à gasolina, e os movidos à álcool, e os movidos à gás, e os movidos à etanol?!

- Senhor, atendendo à nossa política de consciência ambiental e proteção dos povos nativos...

- Entendi. Entendi. Não precisa, de enfiada, desfiar, uma vez mais, o rosário.

- Pedimos, senhor, que o senhor não desrespeite uma funcionária pública, que tem a proteger-lhe a integridade legislação que condena à prisão animais humanos masculinos providos de masculinidade tóxica de uma sociedade corrompida pela cultura do estupro e...

- Moça, eu quero ir ao Fórum Municipal...

- O senhor quer contratar os nossos serviços de transporte de animais hu...

- Sim. É o que eu quero.

- As nossas opções...

- Eu quero um carro movido à energia elétrica.

- Ao optar por um carro movido à energia elétrica, o senhor demonstra possuir responsabilidade ambiental e consciência social. O senhor ganhará, ao encerramento da corrida, um certificado de animal humano ambientalmente consciente. O senhor, repetimos, decidiu pela opção correta.

- E eu tinha outra opção?!

- Sim. O senhor poderia optar por um carro movido à gasolina, ou por um carro movido à etanol, ou por um carro movido à gás. Mas todos estes carros descarregam na atmosfera elementos poluentes, que destróem a camada de ozônio...

- Não recomece a ladainha, por gentileza. Tenho de ir...

- De todas as opções, senhor, que o senhor tinha à disposição uma é a correta: a do uso do carro movido à energia elétrica.

- Certo, moça. Entendi o que você me disse; agora que escolhi, de livre e espontânea vontade, o carro movido à energia elétrica, e sem ser coagido a fazê-lo, podemos ir para a próxima etapa?!

- Sim, senhor. Agora que o senhor demonstrou boa vontade e disposição para entender a nossa política de proteção ambiental e de proteção do planeta Terra, executaremos, na sequência, os outros passos para a efetivação da contratação, pelo senhor, dos nossos serviços de transporte de animais humanos, serviço que, reconhecido internacionalmente, conta com o selo de ambientalmente correto e consciente.

- Certo. E agora?!

- O senhor deseja que dirija o carro um animal humano masculino ou uma animal humana feminina?

- Você está querendo me dizer que tenho de optar por uma, ou por um, motorista?

- Sim, senhor.

- Para mim, desde que o motorista saiba dirigir o carro, tanto faz como tanto fez.

- O senhor tem de optar por uma das duas opções.

- Tudo bem. Que o motorista seja um homem.

- Antes de anotarmos a sua decisão de optar por um motorista animal humano masculino, e não por uma animal humana feminina, temos de ao senhor informar que participamos de um esforço global cujo fim último é a erradicação das desigualdades entre os animais humanos masculinos e os animais humanos femininos no mercado de trabalho e as diferenças salariais entre eles. Saiba, senhor, que a nossa sociedade, machista...

- Entendi, moça, entendi. Sou um cidadão consciente. Tenho consciência ambiental e, também, social: que uma qualquer mulher dirija o carro movido à energia elétrica que me irá transportar ao Fórum Municipal.

- O senhor opta pela opção correta, conscientemente consciente das suas responsabilidades cívicas e sociais de respeito às mulheres. Ótimo. Agora, senhor, digo que durante a viagem a sua conduta tem de ser respeitável, impecável, exemplar. O senhor não poderá olhar para a motorista e pensar pensamentos libidinosos.

- Entendi.

- A motorista, senhor, o senhor a prefere branca ou negra?

- Se sabe dirigir carros movido à energia elétrica, para mim tanto faz como tanto fez.

- O senhor desconhece...

- Vamos abreviar o atendimento. Direi para você quem eu quero que seja a motorista que irá dirigir o carro que me levará até o Fórum.

E Gustavo disse à moça que o atendia quais tinham, obrigatoriamente, de ser as características física da mulher que lhe dirigiria o carro, e dela a sexualidade, e a religiosidade, e os hábitos alimentares, e os programas jornalísticos que ela assiste, e os políticos que ela admira, e a ideologia que ela defende, e outras coisinhas mais, coisinhas que, de tão numerosas, não cabem nesta crônica. Ao fim de sua explanação, a funcionária, que o ouvira, admirada, atentamente, disse-lhe:

- O senhor revela-se surpreendentemente consciente das suas responsabilidades de cidadão exemplar, de animal humano masculino isento de preconceitos milenares e de sentimentos racistas e sexistas.

- Você não imagina a minha felicidade ao ouvir de você tais palavras.

- Agrada-me, senhor, saber que há, em nossa sociedade, animais humanos, que são raros, que tenham consciência de seu papel de cidadão socialmente consciente.

- Obrigado pelos elogios.

- O senhor os merece.

- E o carro e a motorista já estão à minha disposição?

- Não, senhor. Para finalizarmos o atendimento: O senhor quer ir pelo Sistema Doze ou pelo Sistema Vinte e Quatro?

- O que é Sistema Doze?! E Sistema Vinte e Quatro?!

- O Sistema Doze e o Sistema Vinte e Quatro contemplam os graus de emergência no atendimento aos animais humanos que nos procuram para contratar os nossos serviços de transporte de animais humanos. No primeiro sistema, admitimos, e assumimos, o compromisso de transportar o animal humano que solicita, e contrata, os nossos serviços, desde o ponto de origem da sua viagem até, dela, o ponto de destino, ambos os pontos estabelecidos em contrato, num prazo de doze horas; e no segundo sistema...

- Entendi, moça. Entendi. Vocês transportarão o cliente, desde que ele seja um animal humano, ao destino, em vinte e quatro horas, e jamais após este período de tempo, após a assinatura do cliente na ordem de serviço.

- Exatamente, senhor.

- Mas eu tenho de chegar ao Fórum Municipal em meia hora, no mais tardar.

- Senhor, ainda é cedo.

- Eu sei. Digo que não posso me atrasar ao meu compromisso, agendado para as dez e meia de hoje, daqui a poucos minutos, menos de meia hora.

- O senhor podia ter-nos de seu compromisso nos avisado com antecedência de doze horas, ou de vinte e quatro horas. Ontem, portanto, nos dois casos. Se assim tivesse feito,providenciaríamos, para hoje, ao senhor, o serviço de transporte de animais humanos.

- O meu advogado falou-me, ontem, à noite, às onze horas, da minha ida, hoje, obrigatoriamente hoje, ao Fórum, às dez e meia desta linda manhã de uma quinta-feira de fevereiro.

- O senhor, neste caso, terá de contratar o serviço de transporte urgente urgentíssimo de animais humanos.

- Quantos Reais terei de desembolsar para contratar de vocês tal serviço?

- Devido à grande procura pelos nossos serviços de transporte de animais humanos, o que está a saturar os nossos serviços de empresa mais eficiente do ramo, no país, cobramos...

- Vocês são a única empresa do ramo, monopolista.

- Conquistamos o direito de exercer monopolisticamente a atividade no ramo de transporte de animais humanos após provarmos ao governo que temos as melhores experiência e eficiência, que excediam às dos nossos outrora concorrentes, que sobrepujamos em concorrência aberta ditada por regras que atendem aos princípios basilares e elementares da justiça social e aos interesses da coletividade.

- Não discutamos a questão, não hoje.

- Entendo, senhor. O senhor pretende contratar os nossos serviços de transporte de animais humanos?

- Sim.

- O de urgência urgentíssima?

- Sim. Não há outra opção.

- As outras opções são o Sistema Doze e o Sistema Vinte e Quatro.

- Não me servem.

- Sabemos. O senhor já nos falou a respeito.

- E quantos milhões de Reais terei de desembolsar para contratar o serviço de transporte urgente urgentíssimo de animais humanos?!

- Senhor, repetimos: devido à saturação dos nossos serviços, ocasionado pela grande procura, demanda que superou as nossas mais otimistas expectativas, e não podendo habilmente fornecer o serviço, ofertando-o com a presteza que é a nossa ideologia empresarial, e em decorrência dos elevados, e justificados, custos oriundos das nossas políticas ambientais e sociais e raciais e de gênero, temos de, para atendê-lo em regime de urgência urgentíssima, esta é a sua demanda, cobrar do senhor, pelo serviço de transporte de animal humano, valores compatíveis com a política de responsabilidade social cujo objetivo é a harmonia entre a prestação eficiente do serviço que o senhor deseja de nós contratar e o bem-estar comum da coletividade. Informamos ao senhor que, considerando o modelo do veículo pelo qual o senhor optou, o veículo que o transportará, do ponto de origem de sua viagem até o ponto de destino, o senhor terá de pagar, pelos nossos eficientes serviços, os melhores do mercado, trezentos e quarenta e dois Reais e trinta e sete centavos.

- Meu Deus!

- Caso o senhor opte por dispensar o seguro de vida, o que não aconselhamos, o preço que do senhor cobraremos será duzentos e oitenta e sete Reais e vinte e nove centavos. Neste caso, o senhor economizará cinquenta e cinco Reais e oito centavos. Uma economia, e tanto.

- Com certeza. Economizarei uma fortuna. Mas, se eu não contratar de vocês o serviço de transporte de animais humanos, economizarei, deixe-me ver, trezentos e quarenta e dois Reais e vinte e nove centavos.

- Trinta e sete centavos, senhor, além dos trezentos e quarenta e dois Reais.

- Sim. Economizarei, neste caso, mais do que se eu contratar de vocês o serviço, que estou a solicitar, o de transporte de animais humanos, sem o seguro de vida.

- Percebo na sua voz, senhor, e nas suas palavras, um tom sarcástico, que é desrespeitoso. Peço ao senhor que mantenha a compostura.

- Moça, eu não estou desrespeitando você. Limitei-me a informar a você que economizarei, se de vocês eu não contratar o serviço de transporte de animais humanos, mais do que se de vocês eu o contratar, mas dispensando o seguro de vida.

- O senhor tem de saber que o preço que do senhor cobramos, além de, não sendo abusivo, é socialmente justo, e os nossos serviços, que, sendo ambientalmente corretos, contemplam o atendimento de protocolos globais igualmente praticados no Canadá e em inúmeros países europeus, os mais desenvolvidos e ricos e cultos deles, ambientalmente e socialmente apropriados para a correta preservação da vida dos animais não-humanos e dos seres vegetais não-animais, o que nos põem em uma posição vantajosa diante da comunidade internacional, concedem ao senhor o direito de optar ou por um envelope ou por uma caixa.

- Envelope?! Caixa?!

- Sim, senhor. Ou um envelope, ou uma caixa.

- E para o que eu precisaria ou de um envelope ou de uma caixa?!

- Para acondicionar o senhor. Iremos, a depender da sua escolha, para transportá-lo com segurança, envelopá-lo ou encaixá-lo.

- Moça, você ê muito atenciosa e educada.

- O senhor está contaminado pela masculinidade tóxica da nossa sociedade machista apodrecida pela cultura do estupro. Elogia-me com a intenção de...

- Foi apenas um elogio...

- Podemos finalizar a solicitação de serviço de transporte de animais humanos?

- Não! Não! Não! E não! Irei, à pé, correndo, até o Fórum. Estou, mesmo, precisando perder as gordurinhas localizadas na barriga.

- Senhor, o senhor sabia que a gordofobia...

- Vá para o diabo que te carregue! Fui!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Nota

 Eficiência burocrática


Para consultar a minha dívida, correspondente ao impostos municipais, que eu, por razões, que me fugiram ao controle, não paguei desde há uns oito anos, telefonei para a Prefeitura, e atendeu-me uma funcionária, que, educada, atenciosa e pacientemente, não podendo sanar as minhas dúvidas, depois de uns vinte minutos de conversa, e vários desencontros de informações, consultou um outro funcionário, que, também ele, paciente, educado e atenciosamente, comigo conversou, ouviu-me, falou-me, e verificou, nos computadores da prefeitura, os registros da sigla da minha residência, e descobriu, após uns quinze minutos de palestra, eu a repetir-lhe, quatro, ou cinco, vezes, as informações que eu fornecera à funcionária, que, sou obrigado a dizer, é moça sorridente - sei, embora eu não a tenha visto, e, portanto, desconheço-lhe a figura -, e ele a dar-me as explicações, que não me foram úteis, seis, ou sete, vezes, que ele não podia me fornecer as informações que me era do interesse, e transferiu a ligação para um funcionário, que logo entendeu, ao ouvir-me a solicitação, que não é ele o funcionário que possui as informações que eu preciso para eliminar de minha mente as dúvidas pertinentes, e sorriu, e gargalhou, entendendo engraçada a confusão, e disse-me que iria transferir a ligação para uma funcionária do departamento apropriado, que tratam, o departamento, e a funcionária, da questão que me envolvia, e eu com ela pude conversar, animadamente, durante uns trinta minutos, ela a solicitar-me explicações acerca do meu caso e eu a solicitar-lhe informações a respeito do mesmo caso, que era o meu, ela a entremear as explicações, que, digo a verdade, sou sincero, de nenhuma utilidade me foram, com sonoras e cativantes gargalhadas e comentários jocosos, que me fizeram gargalhar, e, por fim, informou-me que eu teria de comparecer à prefeitura, agendar um atendimento, e assim resolver o problema que me ocupava os pensamentos e o tempo.

Irei, amanhã, à prefeitura.

Depois de, penso eu, uma hora envolvido numa conversa infrutífera com quatro funcionários da prefeitura, nada tenho a reclamar, e por duas razões: primeira, e não a mais importante: se tal episódio de minha vida não tivesse ocorrido eu não teria o que escrever hoje; e, segunda, e não a menos importante: são divertidos, engraçados, espirituosos, os quatro funcionários, que me atenderam, da prefeitura: fizeram-me rir, durante um bom tempo, com toda a confusão.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Notas breves

 Bolsonaro. Emas e carpas. Moedas.E governo Lula. Notas breves.


Vixe Maria! Agora é que a porca torce o rabo!

Após descobrirem que o nosso querido Capitão Bonoro ocultava-nos de todos os brasileiros o seu horrendo crime de dizimar as girafas da Amazônia, e dar-nos, justificadamente indignados, notícia de tão escabroso caso, os antibolsonaristas, atilados e perspicazes que só eles, descobriram, e dão-nos a conhecer, outros dois ambientalmente desumanos crimes dele: matar de obesidade mórbida as emas, alimentando-as com restos de comida, e, para surrupiar moedas que generosos e supersticiosos brasileiros lançam ao espelho d'água de não sei onde, a ponto de encher com elas um balde (não sei se de madeira, se de plástico), matar de sede sabe-se lá quantas belas e simpatissíssimas e elegantes carpas! Quem poderia imaginar que é o nosso Capitão Bonoro ser tão malévolo?! Quem?!

Enquanto tais fatos chegam-nos ao conhecimento, para nos inteirar do genocídico governo do Biroliro, e ao nosso conhecimento chegam-nos de fontes humanamente responsáveis, ocupadas em revelar ao mundo à verdade que o mundo merece, e tem de, conhecer, o tal "L" segue a fazer das suas, e as das suas, não são dele: anuncia aos quatro ventos políticas que talvez não saiam do papel: extinção da independência do Banco Central - tudo indica, não vai rolar: o tal de Roberto Campos Neto (que é, informo a quem não sabe, neto do Roberto Campos) tem cargo seguro, e não parece disposto a abandoná-lo; fazer sentar-se a belíssima e charmosa e feminil estocadora de vento em confortável poltrona do Brics, o que ela almeja e deseja fazer; emprestar montanha de dindim para um dos maiores varejistas brasileiros, homem que se vê com dificuldades financeiras insanáveis; criar a Mula, Moeda Unida Latino-Americana; e outras coisinhas mais.

... e o planeta gira. E o Brasil vai junto.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Nota

 Gosto de assistir ao Monk porque, comparando-me com ele, sinto-me, em minha loucura, a pessoa mais sã que existe.

Anedota

 

O paciente, o médico, o problema, os cálculos.

No consultório médico, o doutor Carlos, sem tirar os olhos do papel em que escrevia com seu proverbial e inconfundível garrancho hieroglífico, recepciona, na primeira consulta do dia, João da Silva, o seu mais novo paciente, um homem razoavelmente velho:

- Qual é o seu problema, senhor João?

- Cálculo nos rins, doutor. Não consigo resolvê-lo.

- O senhor veio ao lugar errado. Consulte um professor de matemática.