domingo, 21 de fevereiro de 2021

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Resenhas

 Plebiscito, de Artur Azevedo; O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto; e, O Homem da Cabeça de Papelão, de João do Rio


Três contos de humor, de três escritores brasileiros que estão entre os melhores que o Brasil produziu, contos que revelam, cada um deles, um aspecto negativo da gente e da sociedade brasileiras; unidos, constituem um amplo cenário do que foi o Brasil ontem e do que é o Brasil hoje - e do que será o Brasil amanhã?

O de Artur Azevedo, Plebiscito, o mais simples e curto do três contos aqui nomeados, conta um constrangedor capítulo - e hilário aos olhos do leitor - da vida do senhor Rodrigues, que, abordado por Manduca, seu filho, que lhe pergunta o que é 'plebiscito', em vez de lhe dizer que ignora o significado de tal substantivo, bate pé, faz-se de ofendido, e, ao fim, após consulta ao pai dos burros, dá-lhe a explicação pedida, e a complementa com um comentário que revela sua orgulhosa ignorância.

O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto, talvez o mais popular conto da literatura brasileira, narra a aventura, bem-sucedida, sem percalços, do senhor Castelo, que, vendo-se sem meios, decide, para obter um bom emprego, atender a uma exigência de órgãos públicos, e dedica-se a estudar um idioma que ele não sabia que existia, o javanês. Ele não aprende, é óbvio, tal idioma; dá apenas uma lambida em livros que dão a conhecê-lo - mesmo assim, obtêm uma sinecura, que lhe enche as burras de ouro, e dá-lhe acesso à aristocracia, e empresta-lhe fama que lhe permite gozar de prazeres mundanos. Toda a sua carreira de homem que sabia javanês é um embuste, mas no meio social em que vive não são males a sua ignorância e a sua incultura, pois os integrantes de tal meio, tão ignaros e incultos quanto ele, também vivem de aparências.

É o menos conhecido dos três contos aqui apresentados em breves comentários o de João do Rio, O Homem da Cabeça de Papelão. E é o mais emblemático deles. Enquanto o de Artur Azevedo cuida da ignorância soberba de um homem e o de Lim Barreto da corrupção de um homem de princípios reprováveis vivendo em um meio social que atende à sua natureza corrupta, o de João do Rio dá-nos a conhecer a perdição de uma alma íntegra, a de Antenor, Antenor, que, num meio social corrupto, de gente leviana, de mundanos, incompreendido, amargurado, angustiado, decide, certo dia, converter-se em outra pessoa, pessoa que era o oposto dele; a partir de então se faz, de um homem impoluto, um ordinário estróina, que se ocupa em satisfazer seus mais baixos prazeres, animalescos, assim vindo a ser popular entre os da sociedade mundana, de gente de conduta tão degenerada quanto à dele. E ao final da história, tendo a oportunidade de recuperar sua alma original, recusa-se a fazê-lo. Perde-se.

Os três contos fornecem ao leitor ingredientes para a compreensão do espírito brasileiro e da constituição da sociedade brasileira. São imperdíveis.

*
O Mundo de Olavo Bilac, de Henrique A. Orciuoli; e, Olavo Bilac: Vida e Obra, de Osmar Barbosa

O livro de Henrique A. Orciuoli, dos dois aqui tratados o primeiro que li, está vazado numa prosa poética, que reproduz a simplicidade da poesia do biografado, o Príncipe dos Poetas Brasileiros, infelizmente hoje em dia pouco lido e lamentavelmente difamado pelos seres que, além de desprovidos de talento poético, adoradores de imundícies escatológicas, odeiam o que há de melhor, mais valioso, mais belo, na cultura brasileira. A prosa do autor é em si mesma uma homenagem a Olavo Bilac. Conta-nos Henrique A. Orciuoli, numa prosa poética acessível a qualquer pessoa minimamente ilustrada, a angústia de Olavo Bilac, seu amor por Amélia, irmã de outro herói da poesia brasileira, Alberto de Oliveira, que, do mesmo modo que o autor de O Caçador de Esmeraldas, é ignorado pelos incultos e vilipendiado pelos que tiveram sua formação intelectual feita pelo que há de pior do que não sei se é certo chamar de literatura moderna. Olavo Bilac amava, apaixonada e doentiamente, Amélia, seu eterno amor. Noivaram o poeta e sua amada, também poetisa, e irmã de poetas, mas não chegaram ao enlace matrimonial por obra de Juca, irmão mais velho de Amélia, e da mãe dos Oliveiras, a viúva Dona Saninha. Os dissabores do poeta são angustiantes. Dói-se o coração de Bilac, alma sensível e imaginosa; e o poeta sofre até no leito de morte, Amélia a mover-se em sua imaginação, a agitar seu coração.
Além de falar da paixão de Olavo Bilac e Amélia, da hostilidade inexplicável de Juca, que não queria o casamento de sua irmã com o autor de Via-Láctea, Henrique A. Orciuoli reproduz poemas de Bilac e de Amélia, e dá notícia do embrião da Academia Brasileira de Letras, a casa dos Oliveiras, a "Engenhoca", local privilegiado frequentado pela nata da cultura de então.
Resume a biografia, de um pouco mais de cem páginas, ao amor entre Bilac e Amélia, dedicando poucas palavras a outras atividades do Príncipe dos Poetas Brasileiro. Lê-se o livro como se lê um romance; aliás, é o livro um romance, um romance de personagens reais que enriquecem a história do Brasil.

Tem o livro de Osmar Barbosa, Olavo Bilac: Vida e Obra, dimensões, em páginas, próximas das do livro de Henrique A. Orciuoli, e, ao contrário do deste, não se prende ao romance de Bilac e Amélia. Apresenta um panorama mais amplo da vida do Príncipe dos Poetas Brasileiros. Dá notícia do nascimento dele, em ano em que se desenrolava a Guerra do Paraguai; e do seu tirocínio com o Padre Belmonte, e de seus estudos no Colégio Vitório; fala-lhe, rapidamente, da mãe, D. Delfina Belmira dos Guimarães Bilac, e do pai, Dr. Brás Martins dos Guimarães Bilac, que o queria médico e que dele se afasta devido à reprovável vida errônea e boêmia que ele, Bilac, prodigalizava na companhia de amigos. Fala, também, o autor do abandono, por Olavo Bilac, do curso de medicina, e de seu ingresso na Faculdade de Direito; e de sua amizade com Alberto de Oliveira, José do Patrocínio, Raul Pompéia, Artur Azevedo, Paula Nei, Emílio de Menezes, Coelho Neto; e da sua paixão por Amélia; e da sua admiração por Gonçalves Dias; e de suas viagens à Europa; e do seu encontro com Eça de Queirós; e de seu trabalho de inspetor escolar; e da sua participação na fundação da Academia Brasileira de Letras; e de suas conferências a favor do escotismo, do serviço militar obrigatório, da abolição dos escravos; e das adversidades enfrentadas porque desprovido de recurso pecuniários para se manter; e de suas prisões; e do seu envolvimento em duelos literários, em defesa de Gonçalves Dias, contra Lúcio de Mendonça, e na guerra entre parnasianos e simbolistas; e de sua ação a favor de José do Patrocínio e contra o Marechal Floriano Peixoto; e de seu reencontro, em 1910, na casa do Professor Hemetério dos Santos, que aniversariava, com sua amada Amélia de Oliveira, vinte e dois anos após o encontro anterior. E adiciona brindes ao leitor o autor Osmar Barbosa: algumas anedotas da vida do autor de Via-Láctea, a reprodução de uma crônica que o maior dos poetas parnasianos brasileiros escreveu acerca de seu encontro com Eça de Queirós, e um conto infantil, O Velho Rei, de autoria de Bilac.
Os dois livros são de pessoas que admiravam Olavo Bilac. Enquanto Henrique A. Orciuoli ocupa-se do amor, eterno amor, do Príncipe dos Poetas Brasileiros por Amélia, Osmar Barbosa fala de outras questões que lhe enriquecem a biografia. O primeiro foi bem-sucedido em seu objetivo ao concentrar-se no mundo do maior poeta parnasiano brasileiro, o mundo em que Amélia ocupava a mente e o coração do poeta; e o segundo, de escopo mais amplo, fez o tema do amor de Bilac por Amélia secundário. Ambos escritores de boa, bem cuidada, prosa, seduzem o leitor; transcrevem poesias de Bilac, e ensinam uma inestimável lição aos leitores: é impossível entender as poesias se não se conhecer a vida dos poetas. A poesia de Olavo Bilac é melhor compreendida se se conhecer suas atividades, e muito de sua obra poética alude à Amélia, sua Beatriz.
São O Mundo de Olavo Bilac, de Henrique A. Orciuoli, e Olavo Bilac: Vida e Obra, de Osmar Barbosa, dois livros simples, que abrem aos amantes da literatura as portas que dão acesso à vida, ao coração do Príncipe dos Poetas Brasileiros. 

*

- Ei, amigo. Estamos na fase verde, laranja ou vermelha?
- Sei lá, cara. Sou daltônico.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Futuro

 Quando será o dia do pico?

*

Já achataram a curva?

*

Achataram tanto a curva, que ela, de tão achatada, está, tão chata, chateando todo mundo.

*

Em 2020: O dia do pico será em Abril. E chega Abril, e passa. O dia do pico será em Maio. E chega Maio, e passa. O dia do pico será em Junho. E chega Junho, e passa. O dia...

Em 2021: No mês de Janeiro, a próxima onda, em Fevereiro, será pior. E chega Fevereiro, e passa. A próxima onda, em Março, será pior. E chega Março, e passa. A próxima onda, em Abril, será pior. E chega Abril, e passa. A próxima...

O pior sempre está num futuro que nunca chega. E assim, com alarmismo, os Senhores do Universo torturam psicologicamente bilhões de seres humanos, e são poucos os que resistem

Bom homem.

 Anteontem: Fique em casa durante quinze dias, para evitar o colapso do sistema de saúde; depois, o vírus seguirá seu curso normal.

Ontem: Após a vacina, a sua vida voltará ao normal.

Hoje: Mesmo vacinado, você terá de usar máscara, respeitar o isolamento e o distanciamento sociais.

Amanhã: Você terá de se vacinar, todo ano, e usar máscara e respeitar o isolamento e distanciamento sociais para sempre.

Depois de amanhã: Você é um bom cidadão, responsável, que tem consciência coletiva e cuida da saúde social. Merece uma ração diária, de 200 gramas, composta de carne sintética à base de soja e insetos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Minha vida

 Quando eu terei a minha vida de volta? - Uma fábula do tempo do coronavírus.


Capítulo 1

- Fique duas semanas na sua casa, protegido. Nela, o coronavírus nenhum mal poderá fazer a você. Não saia da sua casa. O coronavírus está la fora, na rua. Proteja-se. Fique na sua casa durante duas semanas. É a orientação de médicos e cientistas renomados. Para a sua proteção. Assim que passarem as duas semanas, você terá de volta a sua vida. Fique em casa.

- Sim, senhor.


Capítulo 2

- Senhor, já se passaram as duas semanas. Posso ter a minha vida de volta?

- Não. Não pode. Evite aglomerações e use máscara em locais públicos e nos estabelecimentos comerciais, nas igrejas, nos consultórios médicos, nos escritórios de advocacia; enfim, em todo lugar.

- Mas, senhor... Por quê?

- Médicos e cientistas renomados, após novos estudos, descobriram que evitar aglomerações e usar de máscara são essenciais para o combate ao coronavírus.

- Mas, senhor, durante quanto tempo deverei usar máscara e evitar aglomerações?

- Seis meses.

- E depois de seis meses terei a minha vida de volta?

- Sim. Evite aglomerações e use máscara. E em seis meses você terá de volta a sua vida. Use máscara. Evite aglomerações.

- Sim, senhor.


Capítulo 3

- Senhor, passaram-se os seis meses. Posso ter a minha vida de volta?

- Não.

- Não!?

- Não. Você terá de se vacinar.

- Vacinar-me!? Mas o senhor me disse que...

- Cientistas e médicos renomados, após novos estudos, descobriram que o coronavírus é mutante e provoca ondas epidêmicas, uma, duas, várias, e que o único meio de vencê-lo é vacinando-se, para se adquirir imunidade.

- Entendi, senhor. E a máscara!? Posso descartá-la!?

- Não. Use-a. Para a sua proteção. Durante os novos estudos, médicos e cientistas renomados descobriram que o uso contínuo e ininterrupto de máscara reforça a proteção e a imunidade. Continue a usá-la.

- E aglomerações...

- Evite-as. Evite-as.

- Senhor, eu poderei, após vacinar-me, dispensar a máscara?

- Sim. Vacine-se.

- Sim, senhor.


Capítulo 4

- Senhor, eu me vacinei. O senhor me dá a minha vida de volta?

- Não posso. Cientistas e médicos renomados, após novos estudos, descobriram que o coronavírus ainda não foi embora.

- Não foi!?

- Não.

- Mas... Senhor, eu quero comemorar o aniversário de meu filho mais novo. Ele faz seis anos, na próxima semana. Minha esposa e eu queremos lhe dar uma festinha... convidar os amigos...

- Não pode. Aglomeração de pessoas favorece o coronavírus, que se transmite, rapidamente, entre as crianças.

- Entendo, senhor, entendo.

- Ótimo.

- Mas... Mas, senhor, agora que estou vacinado, e imunizado contra o coronavírus, não preciso usar máscara...

- Precisa, sim. Precisa.

- Preciso!? Mas... Senhor...

- Médicos e cientistas renomados descobriram, após novos estudos, que o uso de máscara é indispensável. O coronavírus está mais forte do que nunca. Use máscara.

- Durante quantos dias?

- Dias, não. Meses. Durante seis meses. Use máscara.

- Sim, senhor.


Capítulo 5


- Senhor, passaram-se os seis meses. Posso ter a minha vida de volta?

- Ainda não.

- Não!? Por quê!?

- Cientistas e médicos renomados descobriram, após novos estudos, que o coronavírus voltou com força total. Irá matar milhões de pessoas, se nos descuidarmos, se afrouxarmos as medidas de segurança.

- E o que tenho de fazer, senhor?

- Vacinar-se.

- Vacinar-me!? Mas, senhor, eu já me vacinei.

- Você precisa de mais uma dose. A segunda.

- Mais uma dose!?

- Sim. Médicos e cientistas renomados dizem que é necessário fortalecer o sistema imunológico. O coronavírus sofreu mutação, e está muito forte. Vacine-se. Vacine-se com uma outra dose, a segunda.

- Sim, senhor.


Capítulo 6

- Senhor, eu me vacinei duas vezes. Duas doses. Posso ter a minha vida de volta?

- Não.

- Não!?

- Não. Cientistas e médicos renomados descobriram, após novas pesquisas, que o coronavírus é resiliente, muito resiliente. Não morreu.

- E o que eu tenho de fazer, senhor?

- Ficar em casa, evitar aglomerações, respeitar o distanciamento social, e usar máscara. E vacinar-se.

- Vacinar-me!?

- Sim. É preciso vacinar-se. Você tem de tomar a terceira dose da vacina, para reforçar o seu sistema imunológico.

- Mas, ficar em casa...

- Fique em casa, para evitar aglomerações.

- E a máscara...

- Use máscara.

- Mas, e a minha vida!?

- Você a terá de volta se ficar em casa, usar máscara, evitar aglomerações, respeitar o distanciamento social, e vacinar-se.

- E em quanto tempo terei a minha vida de volta?

- Seis meses. Fique em casa, evite aglomerações, mantenha o distanciamento social, use máscara, e vacine-se.

- Sim, senhor.


Capítulo 7

- Senhor, passaram-se os seis meses. O senhor me devolve a minha vida?!

- Não posso.

- Não pode!? Não!? Mas o senhor...

- Não podemos relaxar as medidas de combate ao coronavírus.

- Mas já se passaram os seis meses.

- Eu sei. Mas cientistas e médicos renomados descobriram, após novas pesquisas, que o coronavírus se fortaleceu. Agora, ele consegue entrar nas casas das pessoas.

- Mas, então... Então, senhor... Então, de que adianta eu me trancar em minha casa, se o coronavírus está lá dentro?!

- O coronavírus que está fora da sua casa é mais forte.

- Mas...

- Não seja um negacionista. Respeite a ciência.

- Mas...

- Agora terei de instalar câmaras dentro da sua casa.

- Câmaras dentro da minha casa!? Mas...

- O que você teme?

- Eu!?

- Sim. Você. O que você teme? Você maltrata seus filhos?

- Não.

- Você espanca sua esposa?

- Não.

- Você pratica, dentro da sua casa, alguma atividade criminosa?

- Não.

- Quem não deve, não teme.

- Mas, senhor minha esposa, meus filhos e eu temos a liberdade...

- Vocês não têm o direito de serem individualistas egoístas num momento em que toda a sociedade sofre por causa de um vírus mortal, para cujo combate se fazem necessárias políticas de interesse coletivo, que se sobrepõem aos, e anulam os, desejos egoístas dos indivíduos. Entendeu?

- Sim, senhor. Entendi.

- Todos, para o bem-comum, temos de fazer a nossa parte; todos temos de sacrificar um pouco da nossa liberdade, para o bem de todos.

- Entendi.

- Instalarei câmaras de vigilância em todos os cômodos da sua casa, onde você, sua esposa e seus filhos terão de respeitar o isolamento social e evitar aglomerações. Dois de vocês não poderão se conservar, ao mesmo tempo, no mesmo cômodo. Terão de estabelecer regras de conduta, para não se cruzarem nos corredores de sua casa. Entendeu?

- Sim, senhor. Entendi, sim, senhor. Mas, senhor, as câmaras não ficarão na minha casa para sempre, ficarão?

- Não. Ficarão, lá, apenas durante seis meses, até o coronavírus se enfraquecer; para ele se enfraquecer, basta vocês respeitarem o isolamento social dentro da sua casa e evitar aglomerações. Respeite tais medidas, que em seis meses você terá a sua vida de volta.

- Sim, senhor.


Capítulo 8
- Senhor, passaram-se os seis meses. O senhor me devolve a minha vida?
- Não posso.
- Por quê, senhor!? Por quê!?
- Cientistas e médicos renomados descobriram, após novos estudos, que o coronavírus se fortalece, dia após dia, porque há muitos seres humanos no planeta Terra, cujos recursos naturais estáo saturados, e que se enfraquece, debilita-se. E os humanos consomem muitos produtos naturais.
- Mas os recursos naturais não se renovam, senhor?!
- Não seja um negacionista fanático, intolerante, radical!
- Mas, senhor, o que tiramos da terra à terra restituímos.
- Você é um negacionista intransigente. Terá de ser reeducado. Você, e sua esposa e seus filhos. Vocês terão de assistir aos programas e documentários educativos oficiais cujo teor considera as descobertas científicas de médicos e cientistas renomados, e não de charlatães obscurantistas, religiosos medievalistas fanáticos, inquisitoriais. E tiraremos de você, de sua esposa e de seus filhos acesso a meios de comunicação e livros que não reproduzem a política oficial elaborada, nas organizações internacionais, por médicos e cientistas renomados. Você, sua esposa e seus filhos permanecerão recolhidos à sua casa durante seis meses. E as câmaras serão de imprescindível utilidade para educar vocês, impedir que vocês incorram em algum desatino, que possa jogar por terra todo o nosso esforço e recursos que empregamos no combate ao coronavírus. Você entende a importância de persistirmos em nossa política de contenção do coronavírus?
- Sim, senhor. Entendo...

Capítulo 9
- Senhor, já se passaram os seis meses. O senhor me devolve...
- Não posso.
- Não!?
- Não. O coronavírus é resiliente. E resistente. E mais resistente do que se pensava. Cientistas e médicos renomados descobriram que, agora, devido o adoecimento da Terra, causado pelos seres humanos, que são numerosos, o coronavírus fortaleceu-se. Compreenda: Enfraquece-se aTerra; fortalece-se o coronavírus. Há uma relação direta entre o fortalecimento do coronavírus e o enfraquecimento da Terra. Não podemos descuidar. E os cientistas e médicos renomados propõem a redução da população humana; assim, havendo menos seres humanos, a Terra recupera sua energia, e fortalece-se, e o coronavírus enfraquece-se, consequentemente. Todos temos de fazer a sua parte de sacrifício, participar do esforço de eliminar o coronavírus, e para tanto é indispensável que a Terra se fortaleça.
- E o que devo fazer, senhor?
- Após seis meses educado pelos nossos programas educativos, você está apto a, compreendendo a periclitante situação atual, praticar atos que condizem com a de homens abnegados, responsáveis, que têm compromisso com o bem-comum, homens que, honrados, põem a saúde da coletividade acima de seus interesses mesquinhos. Você terá de suprimir à vida sua esposa e seus filhos, para libertá-los do terror em que o mundo se converterá caso a Terra se enfraqueça, e, consequentemente, o coronavírus se fortaleça. O governo mundial oferecerá a vocês todos os instrumentos mecânicos, e legais e morais para você executar a inadiável tarefa. Você entende a importância de seu gesto, não entende?
- Sim, senhor, entendo.
- Então, não permita que sua esposa e seus filhos vivam num mundo assustadoramente devastado pelo coronavírus. Dê a eles uma digna morte.
- Sim, senhor.


Capítulo 10

- Senhor, minha esposa e meus filhos estão num outro estado exitencial. Libertei-lhes os espíritos da prisão carnal. Salvei-os. O senhor me dá minha vida de volta??
- Não posso. Cientistas e médicos renomados descobriram que a Terra ainda está fraca, e o coronavírus, forte. Não podemos afrouxar as medidas de contenção do coronavírus.
- E o que devo fazer, senhor? Diga-me. O que devo fazer para ter a minha vida de volta?
- Mate-se.
- Sim, senhor.
... e todos viveram felizes para sempre.
Fim.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Bolsonaro

 O presidente Jair Messias Bolsonaro não obriga ninguém a ficar em casa, não proíbe ninguém de sair de casa, e não ameaça com multa e prisão quem sai e quem não sai de casa.

O presidente Jair Messias Bolsonaro não obriga ninguém a tomar cloroquina, não proíbe ninguém de tomar cloroquina, e não ameaça com multa e prisão quem toma e quem não toma cloroquina.

O presidente Jair Messias Bolsonaro não obriga ninguém a usar máscara, não proíbe ninguém de usar máscara, e não ameaça de multa e prisão quem usa e quem não usa máscara.

O presidente Jair Messias Bolsonaro não obriga ninguém a tomar a vacina, não proíbe ninguém de tomar a vacina, e não ameaça com multa e prisão quem toma e quem não toma vacina.

O presidente Jair Messias Bolsonaro entende que cada pessoa deve seguir sua consciência, praticar o que prega.

Quem é o opressor?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Racismo

 O que é racismo implícito?


Com um curto diálogo, respondo:


... e ninguém desejará nascer branco.

Personagem A: Você é branco, certo?

Personagem B: Certo.

P.A.: Por que você nasceu branco?

P.B.: Porque eu nasci... Ora, nasci branco porque nasci branco.

P.A.: Por que você nasceu branco, e não negro?

P.B.: Ora, porquê!? Porque nasci assim, o filho mais bonito da minha mãe. Sou filho único, o que...

P.A.: Você nasceu branco porque não quis nascer negro.

P.B.: Como é que é!? Cupim comeu o seu cérebro?! Explique-me a sua teoria.

P.A.: Você é racista.

P.B.: Quê!? Que papo besta é esse!? Desmiolou-se?!

P.A.: O sentimento racista está implícito na sua alma, daí você, não querendo nascer negro, nasceu branco.

P.B.: Caçamba! Quanta caraminhola! Eu sabia que eu ia nascer, e quis nascer branco?!

P.A.: Sim! O preconceito racista que anima o seu espírito anímico antecede a sua concepção. Estava inscrito na sua alma espiritual, que transcende o seu estado material, antes de você retirar-se do útero de sua genitora.

P.B.: Carambolas e jabuticabas! E você fala difícil, hein!?

P.A.: E não desconverse: Você é racista!

P.B.: Macacos me mordam! E você, carinha?! Você é racista.

P.A.: Eu!? Racista, eu?! Não seja atrevido!

P.B.: Além de racista, você é burro.

P.A.: E por quê!? Responda-me.

P.B.: Por quê!? Ora bolas! Você é branco.

*

- Eu sou a favor da igualdade entre os homens - diz o carinha que não quer que os nerds tenham um Colt.45.