sábado, 31 de outubro de 2020

Entrevista com o senhor Inútil de Souza, candidato a prefeito - parte 1 de 3 - publicada no Zeca Quinha Nius

Concedeu-nos entrevista o senhor Inútil de Souza, candidato a prefeito pelo P.O.R.C.A.R.I.A. (Partido dos Operários Revolucionários Comunistas e dos Anarquistas Revoltosos e dos Intelectuais Anti-americanos). Falou-nos, sempre espirituoso, de bom-humor, durante as quatro horas que se dispôs, amigável e gentilmente, a, dedicado ao repórter do Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre, responder-lhe às perguntas que ele lhe fez, de suas propostas, e de propostas que não são suas, e de sua vida, e de seus sonhos pesadelos, e dos seus concorrentes, e das atuais políticas municipal, estadual, nacional e mundial, e de suas atividades diárias. Hoje, especialmente hoje, e em nenhum outro dia, nem antes, nem depois, publicamos um trecho - que é o primeiro de uma série, que se encerrará assim que publicarmos o último trecho, que, sendo o derradeiro, o encerra - da entrevista cujo fim foi o de recolhimento, pelo repórter do Zeca Quinha Nius, do senhor Inútil de Souza infornações que deste revelam segredos que, dados a público, exibem aspectos de sua personalidade multifacetada, única e singular, que apenas a ele, e a ninguém mais, pertence. À leitura, querido leitor, da esclarecedora entrevista.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, por que o senhor se candidatou a prefeito?

INÚTIL DE SOUZA: Porque a minha mulher pediu-me dinheiro para comprar vestidos caros; além disso, ela quer viajar à Europa, aos Estados Unidos, a Dubai, à Finlândia, à Austrália. E tem mais: ela quer morar em um castelo de vidro transparente, moderno. E tem mais: Ela quer que eu lhe compre, todo ano, um carro, e colar de pérolas. E para satisfazer as vontades de minha doce e amanda consorte, preciso de algumas toneladas de din-dins, barões, cascalhos, bufunfas.

ENTREVISTADOR: Mas, senhor candidato, hoje em dia o dinheiro é digital; não se fazem mais necessárias moedas e cédulas, objetos obsoletos.

INÚTIL DE SOUZA: Dinheiro digital não ocupa espaço; é fantasmagórico. Eu não sei se existe, se é invenção de escritores de livros de ficção cientítica. Quero cascalho, din-din. Quero ver o dinheiro, pegá-lo, cheirá-lo, mordê-lo. Quero dinheiro concreto, e não inconcreto.

ENTREVISTADOR: Dinheiro não é concreto; é metálico... e de papel.

INÚTIL DE SOUZA: Dinheiro de papel é coisa criada por mentecaptos. Traças o comem. Quem foi o dito cujo que teve a brilhante idéia de inventar dinheiro de papel!? Imbecil dos infernos. Bons tempos os de antigamente, quando existia apenas moedas. Sonho com um mundo em que só exista moedas, moedas de ouro, moedas de prata, moedas de bronze... e barras de ouro; sonho com um mundo sem dinheiro de papel... e sem dinheiro digital, outra invenção de mentecaptos, que, além de mentecaptos, são energúmenos, sandeus e paspalhos.

ENTREVISTADOR: Por que, senhor candidato, o senhor sonha com tal mundo?

INÚTIL DE SOUZA: Porque eu durmo.

ENTREVISTADOR: O senhor sonha com tal mundo, senhor candidato, porque ele não existe; se existisse, o senhor não sonharia com ele?

INÚTIL DE SOUZA: Eu nunca pensei em tal questão, que, reconheço, é muito interessante, interessantíssima, tão interessante que, agora, pensando nela, vêm-me à mente pensamentos que eu jamais havia pensado porque eu nunca me havia detido para pensar nela. Pergunto-me se eu sonharia com algo que não existe caso existisse e com algo que existe se não existisse. O mundo dos meus sonhos não existe, mas já existiu, não apenas no meu sonho, mas de fato, há muitos séculos, e eu, ciente de que tal mundo já existiu, e dele sendo sabedor, sonho com ele, e às vezes tal sonho se torna pesadelo.

ENTREVISTADOR: Por que, senhor candidato?

INÚTIL DE SOUZA: As moedas enferrujam-se.

ENTREVISTADOR: Até as de ouro!?

INÚTIL DE SOUZA: Sim. Até as de ouro. E as que não se enferrujam, derretem-se.

ENTREVISTADOR: Como isso é possível, senhor candidato!?

INÚTIL DE SOUZA: Não sei. Mas nos meus pesadelos, e não em todos eles, as moedas de ouro derretem-se. E tem mais: As traças comem as moedas de ouro.

ENTREVISTADOR: Traças geneticamente modificadas, senhor candidato!?

INÚTIL DE SOUZA: Provavelmente; ou improvavelmente, não sei. Sei apenas que nos meus pesadelos, e não em todos eles, mas apenas nos quais há moedas de ouro e traças, as traças devoram as moedas de ouro. E há um detalhe interessante, que eu não posso deixar de dizer: Às vezes, e não raras vezes, enquanto estou dormindo, e dormindo tão pesadamente que se quebram as pernas da cama, alguns dos meus sonhos convertem-se em pesadelos e alguns dos meus pesadelos em sonhos.

ENTREVISTADOR: Quebram-se apenas as pernas da cama? Os pés dela não?

INÚTIL DE SOUZA: Os pés da cama, não. Só as suas pernas.

ENTREVISTADOR: As minhas pernas!?

INÚTIL DE SOUZA: As suas, não; as da cama. Atente para as minhas palavras, para que repórteres que talvez queiram o seu emprego no Zeca Quinha Nius, inescrupulosa, e ladinamente, não quebrem as suas pernas.

ENTREVISTADOR: Por que eles quebrariam as pernas da cama!?

INÚTIL DE SOUZA: As da cama, não; as suas. Você está muito distraído, e, distraído, você não entende o que digo, e, não entendendo o que digo, além de não entender o que digo, faz observações sem sentido, o que estimulará os seus inimigos jornalistas a ousarem se apresentar ao Zeca Quinha, seu chefe e proprietário do Zeca Quinha Nius, e apontar as inconveniências das suas atitudes, falar do seu despreparo para o exercício do jornalismo, e se lhe apresentarem como tipos superiores de tão baixos, rasteiros e ladinos, e roubarem de você o seu emprego.

ENTREVISTADOR: Não podemos nos esquecer, senhor candidato, que o Zeca Quinha Nius é o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre e o senhor Zeca Quinha o seu primeiro e único fundador e seu editor-chefe e chefe do editor.

INÚTIL DE SOUZA: Eu sei. Eu sei. Eu sei. E o trabalho dele à frente do Zeca Quinha Nius me traz à mente as minhas atividades diárias.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 5 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

 ENTREVISTADOR: Mas a crise econômica, senhor candidato, prejudicará muita gente.

ZERO À ESQUERDA: É óbvio! É uma crise econômica; e crises econômicas prejudicam muitas pessoas, mas não todas as pessoas; as pessoas que não forem prejudicadas pela crise econômica provocada pelo coronavírus, bichinho pequeno, muito pequeno, minúsculo, muito minúsculo, invisível a olho nu, não irão reclamar; reclamarão apenas as prejudicadas; e, saiba, muitas pessoas prejudicadas não se sentirão prejudicadas; então, terei de ouvir quatro tipos de pessoas: as que, sendo prejudicadas, sentem-se prejudicadas; as que, não sendo prejudicadas, sentem-se prejudicadas; as que, não sendo prejudicadas, não se sentem prejudicadas; e as que, sendo prejudicadas, não se sentem prejudicadas. E após ouvi-las, determinarei as políticas que atenderão aos meus interesses políticos.

ENTREVISTADOR: E quantos aos empregos!?

ZERO À ESQUERDA: Que que tem!?

ENTREVISTADOR: Muita gente recorre às agências de emprego e ao departamento municipal de amparo ao trabalhador, e tambêm ao estadual, e ao federal, à procura de emprego. Desempregados em decorrência da epidemia, vivem de benesses estatais, que exigem recursos com os quais os governos estaduais, o governo federal e os governos municipais não contam.

ZERO À ESQUERDA: Entenda, caro entrevistador: os índices de desemprego estão elevados porque as pessoas, à procura de emprego (refiro-me às desempregadas), recorrem às entidades privadas e públicas, e nestas cadastram-se; assim, desenho, para que você entenda, inflam os dados colhidos por tais entidades, que as reúnem num banco de dados, e todos nos alarmamos com a quantidade de pessoas desempregadas, o que nos dá incômoda sensação de insegurança e desesperança, que nos inibe, desanima, constrange e tortura. Diante de tão negativo cenário, gritante em sua crueza, terei de tomar uma, e apenas uma, decisão: proibir as pessoas desempregadas de recorrerem aos órgãos, públicos e privados, de auxílio aos trabalhadores; com tal medida, não teremos como saber quantos são os desempregados; sendo assim, não terei com o que me preocupar; afinal, não havendo estatísticas oficiais acerca dos desempregados, não haverão desempregados. E veio-me à mente uma idéia genial. Decretarei a destruição do banco de dados oficial concernente aos dados econômicos municipais. Sem tais dados, que inexistirão, não existirá crise econômica, e tampouco desemprego, e nem empresas falidas, e menos ainda rombo nas contas públicas. E a crise econômica será apenas um detalhe nos discursos de gente desavisada, de má-fé, de gente que terá apenas um objetivo: prejudicar a minha carreira política. E antes de conceder a você a palavra, digo que já se estendeu demais a entrevista.

ENTREVISTADOR: Vamos, senhor candidato, ao pingue-pongue. Eu digo uma palavra, e o senhor diz o que ela ao senhor inspira.

ZERO À ESQUERDA: Vamos lá.

ENTREVISTADOR: Futebol.

ZERO À ESQUERDA: Gramado verde.

ENTREVISTADOR: Mulher.

ZERO À ESQUERDA: Espinafre.

ENTREVISTADOR: Carro.

ZERO À ESQUERDA: Casca de laranja.

ENTREVISTADOR: Escola.

ZERO À ESQUERDA: Campo de várzea.

ENTREVISTADOR: Robótica.

ZERO À ESQUERDA: Meleca.

ENTREVISTADOR: Farmácia.

ZERO À ESQUERDA: Fumaça.

ENTREVISTADOR: Estátua.

ZERO À ESQUERDA: Tijolo.

ENTREVISTADOR: Obrigado por nos conceder a entrevista.

ZERO À ESQUERDA: Rosbife.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, já encerramos o pingue-pongue. Agradecemos ao senhor a sua disposição para se dedicar integralmente à entrevista durante cujo andar o senhor se dispos a se pôr a nosso dispor.

ZERO À ESQUERDA: Disponha. E que o Zeca Quinha Nius desempenhe, com imparcialidade, o seu papel jornalístico, e não publique matérias que favoreçam os meus concorrentes e me desfavoreçam. Sejam profissionais.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 4 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

ZERO À ESQUERDA: Saiba que a imprensa tem de ser imparcial.

ENTREVISTADOR: Nós do Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre, somos imparciais, senhor candidato.

ZERO À ESQUERDA: Não me parece.

ENTREVISTADOR: Não entendemos, senhor candidato, o porquê da sua observação.

ZERO À ESQUERDA: Na minha observação não tem "porquê". Eu disse, simplesmente, uma frase bem simples, compostas de três palavras: abre aspas: Não me parece. E feche aspas. Nesta frase tem algum "porquê"?

ENTREVISTADOR: Não, senhor candidato. Queríamos dizer que a sua observação não procede; é injustificada, e absurda. Somos imparciais. Nenhum candidato a prefeito apoiamos.

ZERO À ESQUERDA: Espero que você não esteja faltando com a verdade.

ENTREVISTADOR: Não estamos.

ZERO À ESQUERDA: Não me forcem a recorrer à justiça eleitoral, e processar vocês; e jamais publiquem matérias que me desfavoreçam e favoreçam os meus concorrentes. Eu não as admitirei. Estou de olhos bem abertos ao que vocês publicam.

ENTREVISTADOR: Entendemos, senhor candidato. E conte com a imparcialidade e objetividade do nosso jornalismo.

ZERO À ESQUERDA: Não me dêem razões para processar vocês. Nenhuma.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, nós...

ZERO À ESQUERDA: Você me disse que eu não serei eleito prefeito...

ENTREVISTADOR: Não, senhor candidato, eu não disse que o senhor não será eleito; eu disse, senhor candidato, que não sabemos se o senhor será eleito prefeito.

ZERO À ESQUERDA: Se você disse que não sabe se eu serei eleito, então quis diz que sabe que o eleito será um dos meus concorrentes.

ENTREVISTADOR: Não, senhor candidato.

ZERO À ESQUERDA: É o que está implícito na sua afirmação.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, o senhor não me compreendeu.

ZERO À ESQUERDA: Você me diz que eu não compreendi o que você me disse, mas entendi, sim; entendi; e independentemente de você entender, ou não, que eu entendi o que você me disse, eu entendi, sei que entendi o que eu entendi. Deixemos esta questão para mais tarde, um para momento oportuno, e falemos da que falávamos: da crise econômica provocada pela epidemia decorrente do avanço indiscriminado do coronavírus.

ENTREVISTADOR: Sigamos.

ZERO À ESQUERDA: Antes de mais nada, temos de saber que o coronavírus é um bicho pequeno, muito pequeno, minúsculo, muito minúsculo, menor do que podemos imaginar que ele seja, tão pequeno que não o vemos; e não o vemos de tão pequeno ele é; se ele fosse dez vezes maior, seria, mesmo assim, pequeno, minúsculo, e invisível aos nossos olhos; e se cem vezes maior, ele seria, mesmo assim, menor do que teria de ser para que os humanos pudéssemos vê-lo; e se mil vezes maior, seria pequeno, pequeno demais, demasiadamente pequeno, tão pequeno que não poderíamos vê-lo. É o coronavírus um bichinho danado de pequeno. Ele entra no nosso corpo pela boca, pelo nariz, pelos olhos, pelas orelhas, pelos poros.

ENTREVISTADOR: Qual a sua proposta para evitar, senhor candidato, a crise econômica?

ZERO À ESQUERDA: Deportarei o coronavírus.

ENTREVISTADOR: Deportá-lo!?

ZERO À ESQUERDA: Sim.

ENTREVISTADOR: E como o senhor pretende...

ZERO À ESQUERDA: Assinarei um decreto em cujo texto decretarei a extradição do coronavírus, que terá, por bem ou por mal, de se exilar em alguma outra cidade.

ENTREVISTADOR: Mas nenhuma cidade irá acolhê-lo, senhor candidato.

ZERO À ESQUERDA: Aqui, nesta cidade, ele não viverá enquanto eu me sentar na cadeira de prefeito; isto é: ele jamais regressará a esta cidade; ele que procure uma que o acolha.

ENTREVISTADOR: E quanto à crise econômica!?

ZERO À ESQUERDA: Que que tem a crise econômica?

ENTREVISTADOR: Qual política o senhor, senhor candidato, pretende implementar para impedir o aprofundamento da crise econômica, que já está a causar alguns estragos nas contas públicas municipais?

ZERO À ESQUERDA: Que fique bem claro: Foi o coronavírus que causou o inferno astral que nos queima, que nos torra a paciência e as nossas economias, e não eu; que ninguém me venha, portanto, falar besteira. E digo mais: Não terei a obrigação de resolver problemas que eu não provoquei; eu irei solucionar, entenda bem, apenas os problemas que eu criarei.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 3 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

 ENTREVISTADOR: Fale-nos, senhor candidato, da razão que levou o senhor a conceber tal proposta.

ZERO À ESQUERDA: Imbecil! Não fiquei grávido para conceber a proposta. Gravidez é fenômeno comum às mulheres fecundadas durante uma relação sexual com um homem. Elas, elas, as mulheres, concebem; os homens, não.

ENTREVISTADOR: Fale-nos da sua proposta, senhor candidato.

ZERO À ESQUERDA: Irei falar dela quando, e se, eu achar que devo; antes, porém, tenho a dizer, respondendo à questão anterior, que nada me levou à proposta, nenhum carro, nenhuma bicicleta, tampouco um avião, menos ainda um navio; a proposta, de tão boa, brilhante, escolheu-me para que eu a apresentasse ao mundo. Ela não é tola, insensata, idiota e estúpida para se apresentar para qualquer bípede de duas pernas e dois pés da espécie humana e se lhes oferecer, sabendo que poucas pessoas, apenas as de gênio superior, podem compreendê-las, e pô-las em prática; e foi por esta razão, e não outra, que tal proposta escolheu-me, e não aos meus dois concorrentes. A proibição, agora esclareço a proposta, de venda e compra de melancia com mais de cinquenta semente atende às mais elevadas e sofisticadas exigências fitossanitárias, elaboradas pelas organizações mundiais de saúde, indispensáveis ao bom funcionamento do organismo social multifacetado cujas formação e constituição consiste num amálgama caleidoscópico de fenômenos aleatórios cujas conexões e associações são de inacreditável variedade e de componentes variegados de difícil mensuração. Não me peça para explicá-la, pois eu, no curto tempo de uma entrevista, não poderei explaná-la com propriedade considerando as diretrizes científicas estabelecidas pelas áreas da biologia, química e física conjugadas com a astronomia e a geologia, e suas equações profiláticas de enorme complexidade. Apenas homens de gênio superlativo, e eu sou um dos agraciados com tão extraordinário, e raro, dom, têm inteligência para apreender o valor da pedra angular que dá sustentação ao fim colimado pelo exercício de tal medida política, inédita nos anais da história.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, estamos enfrentando, neste ano de 2.020, uma epidemia viral que dizimou milhões de empregos mundo afora e provocou uma crise econômica sem precedentes. Aqui em nossa cidade, dezenas de empresas, em decorrência de tal surto epidêmico, faliram e milhares de pessoas perderam o emprego. O que o senhor, senhor candidato, propõe para gerar emprego e impedir que se aprofunde a crise econômica?

ZERO À ESQUERDA: Proponho que se faça o que tem de ser feito.

ENTREVISTADOR: E o que tem de ser feito, senhor candidato?

ZERO À ESQUERDA: Tem de ser feito o que tem de ser feito.

ENTREVISTADOR: O senhor, senhor candidato, pode ser explícito?

ZERO À ESQUERDA: Se explícito, serei obsceno.

ENTREVISTADOR: O senhor, senhor candidato, pode nos detalhar a política que o senhor implementará, se eleito prefeito, para evitar a catástrofe econômica, que de nós se avizinha?

ZERO À ESQUERDA: Primeiro, uma observação: Eu serei eleito prefeito desta cidade.

ENTREVISTADOR: Não sabemos, senhor candidato.

ZERO À ESQUERDA: Você está em campanha por outro candidato?

ENTREVISTADOR: Não, senhor candidato. Não.

domingo, 18 de outubro de 2020

Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 2 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

 Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 2 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius


ZERO À ESQUERDA: Antes de falar das minhas propostas de governo, digo que elas são minhas, e não dos outros dois candidatos, concorrentes meus à cadeira de prefeito, que é minha por direito divino. Se o povo se negar a me eleger seu governante; se o povo decidir negar-me o que é meu; se o povo não entender que as minhas propostas de governo são melhores do que às dos meus dois concorrentes, e decidir eleger prefeito um deles, e não eu, dará provas cabais de que não tem cérebro, de que tem, no interior da caixa craniana, uma substância fétida. E repito: São minhas as minhas propostas; minhas, e de mais ninguém. E que isso fique claro, bem claro. Não admito que me tirem o que é meu por direito divino. As minhas propostas de governo eu as pensei tendo em mente o bem-estar do povo que irei governar, povo incapaz de assumir responsabilidades, povo inculto, insensato e estúpido, que, talvez, tenha, no dia da eleição, um lampejo de sabedoria, e eleja-me seu governante; e caso o povo não seja agraciado, por um instante que seja, com a virtude da sabedoria, que seja governado por um dos meus dois adversários, tipinhos patéticos e ridículos.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, uma das suas propostas de governo contempla a proibição de venda de melancia com mais de cinquenta sementes. Fale-nos um pouco dela.

ZERO À ESQUERDA: Você está me pedindo para falar da melancia, ou da minha proposta de governo?

ENTREVISTADOR: Da sua proposta de governo.

ZERO À ESQUERDA: Não seja ambíguo. Faça-me perguntas claras e diretas, sem duplo sentido. Se é seu desejo solicitar-me informações acerca de uma das minhas propostas de governo, digne-se a dirigir-me uma pergunta objetiva, sem usar de termos que produzem ruídos na comunicação, prejudicando-a. Eu não gosto de perder meu tempo, e tampouco fazer com que as pessoas percam o tempo delas, seja o tempo delas muito, ou pouco, ou nenhum.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, a sua proposta...

ZERO À ESQUERDA: Eu não me esqueci da pergunta que você me fez. Se você, ao me chamar a atenção para a minha proposta, a respeito da qual antes de você, me perguntando, chamar-me atenção para ela, proposta que diz respeito à proibição de venda de melancia com mais de cinquenta sementes, teve a intenção, e sei que foi a sua intenção, de se fazer de importante e superior, e de me humilhar, dando a entender que eu tenho deficiências de memória, saiba que entendi o que você fez, e que, se eleito, eu darei um fim à sua carreira de jornalista e às atividades do jornaleco para o qual você trabalha.

ENTREVISTADOR: Trabalho para um hebdomadário digital, e não para um jornal.

ZERO À ESQUERDA: Não me interessa para que tipo de imprensa você dedica o seu tempo e a sua pouca inteligência. Não me interessa! Você me faltou com o respeito. E de você exijo retratação. Caso você se negue a se retratar, processarei o jornaleco que a você paga pelos seus serviços de gentinha estúpida.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, eu não posso me retratar: Não sou fotógrafo.

ZERO À ESQUERDA: Não se faça de desentendido, paspalho.

ENTREVISTADOR: Eu não faltei, senhor candidato, com respeito ao senhor. Ao insistir na pergunta acerca da sua proposta, eu quero apenas manter o foco, do qual o senhor afastava-se.

ZERO À ESQUERDA: Você está me dizendo, zé-mané, que eu sou desfocado?

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, entenda...

ZERO À ESQUERDA: Já entendi, zero à esquerda.

ENTREVISTADOR: Senhor candidato, zero à esquerda é o senhor.
ZERO À ESQUERDA: Não permito trocadilhos com o nome da minha família, nome de uma família de nobres, de pessoas renomadas, decentes, que muitos bens fizeram ao povo, povo ingrato, desta cidade, povo que, segundo a mais recente pesquisa de intenções de voto, irá eleger seu governante um dos meus dois oponentes. Retrate-se, inútil!
ENTREVISTADOR: Inútil, senhor candidato, é um dos outros dois candidatos.
ZERO À ESQUERDA: Verme! Você insiste em me faltar com o respeito que me deve!? Se prefeito, irei regulamentar as atividades jornalísticas, aqui, nesta cidade, e dar cabo de você e de tipinhos iguais a você, para, assim, melhorar a nossa decadente democracia. Você e outras espécimes da sua raça são tumores cancerígenos metastáticos a matar a Liberdade, a Justiça e a Democracia.
Neste momento, o senhor Zero à Esquerda, visivelmente alterado, bufando de raiva, com o dedo em riste no nariz do entrevistador, fuzilando-o (o entrevistador - e também o nariz dele) com seu olhar furibundo, levantou-se da cadeira, pronto para desfechar uma saraivada de impropérios, e catilinárias e filípicas, e maldições, contra o entrevistador e toda a equipe do Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre; a tempo, contivemo-lo de descarregar a catadupa de ofensas e palavrões antevista pelo nosso sempre atento editor-chefe e chefe do editor do Zeca Quinha Nius, e seu primeiro e único fundador, o senhor Zeca Quinha.
Já acalmado dos nervos o senhor Zero à Esquerda e orientado por nós o entrevistador, retomamos a entrevista.
ZERO À ESQUERDA: Uma das minhas preciosas propostas de governo, e é minha a proposta, e de nenhum dos meus concorrentes, e não admitirei, em hipótese alguma, que eles ma roubem, consiste na proibição de venda de melancia com mais de cinquenta sementes, e não apenas proibirei a venda de melancia com mais de cinquenta sementes; proibirei, também, a compra de melancia com mais de cinquenta sementes. Eu não faço só a metade de um trabalho; eu o faço por inteiro.
Na próxima edição do hebdomadário digital Zeca Quinha Nius, o maior e melhor do orbe terrestre, publicaremos a terceira parte da entrevista que o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito, nos concedeu.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Entrevista com o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - parte 1 de 5 - publicada no Zeca Quinha Nius

 O Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre e de todos os outros orbes, tem o prazer de, hoje, especialmente hoje, publicar a entrevista que o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito pelo P.O.D.R.E. (Partido Organizado da Democracia Revolucionária Estudantil), concedeu-nos, recentemente, em algum dia do passado. Publicaremos a entrevista, na íntegra, neste nosso hebdomadário digital, o maior e melhor do orbe terrestre, em não sabemos quantas partes, pois ainda não transcrevemo-la por inteiro, mas sabemos que o seu todo, independentemente da extensão que venha a adquirir, e de quantas partes o completem, será, a depender da transcrição dos trechos que ainda está por se fazer, menor, maior ou igual à soma das suas partes. Nas últimas palavras deste parágrafo (que é o primeiro deste artigo) de apresentação aos leitores deste renomado e respeitável hebdomadário digital, o maior e melhor do orbe terrestre, da entrevista, em sua versão transcrita, que nos concedeu o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito de nossa querida cidade, parágrafo que, além de ser deste artigo o primeiro, é dele o único que lhe serve de abertura à entrevista nele anunciada, declaramos que o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito, entregando-se de corpo e alma ao entrevistador, expôs, com clareza e objetividade e franqueza incomuns as suas propostas, que não são poucas, de governo, esclarecendo-nos, e de muito boa vontade, os seus pontos obscuros, e explicando-nos os seus pontos controversos, com a seriedade e a honestidade que o identificam. Encerramos, aqui, para não entediarmos os nossos leitores, que desejam ler a entrevista, em sua versão transcrita, que o senhor Zero à Esquerda concedeu ao Zeca Quinha Nius, o maior e melhor e mais popular hebdomadário digital do orbe terrestre, e não um extenso e entediante parágrafo de apresentação. À leitura, então, da entrevista.

ENTREVISTADOR: Senhor Zero à Esquerda, que fim levou o senhor a se candidatar a prefeito?

ZERO À ESQUERDA: Não cheguei ao fim da candidatura; estou no começo de uma história vitoriosa da minha vida.

ENTREVISTADOR: Reformulo a pergunta, senhor candidato: O que motivou o senhor a lançar a sua candidatura a prefeito?

ZERO À ESQUERDA: O meu amor pelos cidadãos desta cidade, que, infelizmente, foi mal, muito mal administrada, por todos os vermes que ousaram se sentar na cadeira do prefeito, cadeira que a mim está reservada desde tempos imemoriais. Estou predestinado a ocupá-la a partir do primeiro dia do ano que se sucede ao corrente ano até o fim dos meus dias. Sei, e quando digo que sei eu quero dizer que sei, mesmo, que não há ninguém melhor do que eu para, sentado na cadeira do prefeito, iluminar a inteligência dos cidadãos, para conduzi-los ao bem comum, que só eu conheço. Os cidadãos não têm conhecimento, e tampouco formação intelectual, para saber o que lhes é benéfico e o que lhe é maléfico; só eu tenho. Estão os cidadãos desorientados. E quem poderá orientá-los? Eu, o único ser neste mundo capaz de exercer à perfeição o papel de governante municipal. 

ENTREVISTADOR: O que faz o senhor, senhor candidato, pensar que os cidadãos estão desorientados e que precisam de um guia?

ZERO À ESQUERDA: A experiência me ensinou...

ENTREVISTADOR: A experiência de quem?

ZERO À ESQUERDA: Minha. A experiência me ensinou que apenas homens superiores conhecem as coisas do mundo e sabem o que é bom para todo mundo. E eu sou um dos raros homens superiores que, humildes, se dispõem, por amor à humanidade, a descer do suntuoso edifício que por direito divino ocupam ao chão dos homens comuns, que são tolos, estúpidos, imbecis e idiotas a ponto de não saberem o que lhes é bom e lhes faz bem, e se dignarem a lhe dedicar momentos preciosos de sua existência. Sacrificamos os homens superiores horas, dias, meses, anos, de nossa vida para administrarmos as coisas que os homens comuns produzem; fossem estes guarnecidos de bom-senso e inteligência aqueles seriam dispensáveis; e eu estou incluído no grupo daqueles, daí ser eu imprescindível ao governo desta cidade, à administração de seus recursos, que, nas mãos de outro homem, seriam mal empregados, e à condução do povo ao que é bom e correto. E os cidadãos, de tão estúpidos, não merecem a minha atenção; eu, todavia, bondoso, generoso, homem de espírito superior (um ser que, não sendo prepotente e presunçoso, revela pendores, que me são inatos, caridosos e generosos), disponho-me, sob as ordens de minha consciência benigna, a sacrificar, para atender àqueles que não merecem a minha atenção, os cidadãos desta cidade, muitos dias da minha vida.

ENTREVISTADOR: Fale-nos, senhor candidato, de algumas das suas propostas de governo.

Aqui encerramos a primeira parte da entrevista. Estamos, nós do hebdomadário digital Zeca Quinha Nius, o maior e melhor de todo o orbe terrestre, tão atarefados, que, além de nos dedicar à transcrição da entrevista que o senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito, concedeu-nos, temos de nos ocupar com a nossa maquiagem, o corte de nossos cabelos e unhas, a leitura do horóscopo (tarefa inescapável, pois todos os jornalistas do Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre, têm um, no mínimo um, signo), o nosso descanso, as nossas horas de lazer e as nossas refeições. Os leitores, que se contam na casa das centenas de bilhões, do nosso hebdomadário digital entendem, sabemos, os percalços com os quais nos deparamos neste ano de pandemia epidêmica, que provocou um pandemônio infernal e escatológico inédito e jamais sucedido, durante todos os anos que se seguiram ao Big Bang, no orbe terrestre. Certos da compreensão dos leitores, prepararemos a segunda parte da transcrição da entrevista que o senhor Zero à Esquerda concedeu-nos e em breve a publicaremos, aqui, mesmo, no Zeca Quinha Nius, o maior e melhor hebdomadário digital do orbe terrestre e de todos os outros orbes.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Ninguém pode deter o Fanático - HQ - estória do Homem-Aranha - Argumento: Roger Stern; arte: John Romita Jr. e Jim Mooney

 Madame Teia, clarividente, sensitiva, cega, no seu apartamento acomodada na cadeira que lhe conserva a vida, vaticina, durante um pesadelo, sua morte por uma gigantesca criatura de aspecto demoníaco. Assustada, telefona para Peter Parker, o homem que nas horas vagas veste o uniforme do Homem-Aranha, e fala-lhe do pesadelo. Enquanto isso, no mar, à bordo de um barco estão Black Tom Cassidy, o capitão, e Fanático (Juggermaut - seu nome na edição americana), brutamontes poderoso, protegido por uma armadura indestrutível dotada de campo de força, e cujos poderes ele adquiriu ao encontrar, num templo oriental, o rubi místico de Cyttorak. Contrariando as orientações de Black Tom Cassidy, que o contratara para raptar Madame Teia, Fanático lança-se às águas, e caminha, pelo fundo do mar, até o Battery Park. Madame Teia, em transe, detecta-lhe a aproximação, e telefona para o Clarim Diário, onde se encontrava Peter Parker. Peter Parker fala-lhe ao telefone, e ouve, dela, a má notícia, e sai, às pressas, do prédio. E do mar emerge Fanático, que ruma, sem se deparar com obstáculos que lhe atrasem o avanço, em direção ao prédio em que vive Madame Teia, abandonando atrás de si um rastro de destruição. Nada e ninguém o detêm. E anuncia-se o Homem-Aranha, que de imediato encaixa, em Fanático, um golpe que nem sequer lhe faz cócegas; e bastou este primeiro ato da contenda para o super-herói se convencer de que enfrentava um vilão que lhe era infinitamente superior, o que não o impede de persistir da batalha - e faz uso de artíficios que se revelam inúteis. E Fanático prossegue jornada rumo ao seu destino. E Madame Teia telefona para um escritório de contabilidade, para cujo interior Fanático arremessara o Homem-Aranha, e para este dá informações que lhe inspiram vagas lembranças de eventos passados e a evocação do nome do Doutor Estranho (Stephen Strange), à cuja mansão, no Greenwich Village, ele, à procura dele, se dirige, e vem a saber que nela ele não se encontra. Madame Teia tenta, em vão, contatar os Vingadores e o Quarteto Fantástico. E Fanático segue, sem se deparar com obstáculos significativos, sua jornada. No caminho, passa por um esquadrão especial da polícia de Nova Yorque, comandado pelo tenente Kris Keating, que lhe descarrega bombardeio de artilharia pesada que nem sequer lhe arranha a armadura. E chega, enfim, ao prédio em que vive Madame Teia; e depara-se, nos corredores, com barreiras feitas de teia, teia do Homem-Aranha. À porta de entrada  do apartamento de Madame Teia, encontra uma barreira de teia, que, sem ele saber, estava conectada a um gerador de alta tensão, que, acionado, lhe descarrega um milhão de volts que sequer lhe dão coceira no nariz. Superado este obstáculo que o Homem-Aranha lhe pôs à frente, o Homem-Aranha soterrado sob os escombros caídos do teto, agarra Madame Teia, e a remove da cadeira. E Madame Teia desfalece, intrigando-o. Homem-Aranha diz-lhe que ela, desligada da cadeira, que lhe era vital à existência, morre. Contrariado, Fanático larga-a como se se livrasse de uma coisa qualquer, retira-se do quarto, e do prédio, e segue rumo ao Rio Hudson. E Homem-Aranha, após certificar-se de que Madame Teia está aos cuidados de enfermeiros, renova a sua vontade de deter Fanático, e lança-se-lhe à caça, certo de que não poderia derrotá-lo. E segue-lhe o rastro de destruição. E lança contra ele uma viga metálica, e uma bola de demolição, e um caminhão-tanque. E Fanático segue, incólume, em direção ao Rio Hudson. Revelaram-se inúteis todos os objetos que o Homem-Aranha arremessara contra ele. Era patente o insucesso do Homem-Aranha. Enfim, após o vão emprego dos inúmeros artifícios que empregou para deter o Fanático, é Homem-Aranha, num golpe de sorte, bem-sucedido.

No primeiro parágrafo, um resumo da trama urdida por Roger Stern, ilustrada por John Romita Jr. e Jim Mooney, colorida por Glynis Wein, e protagonizada pelo Cabeça de Teia, o Amigão da Vizinhança, Homem-Aranha, um ícone da cultura pop mundial.

Tal estória, que no original americano está publicada, em dois episódios, "Nothing can stop the Juggernaut!" e "To Fight the Unbeatable Foe.", respectivamente nas edições 229 e 230 da revista Amazing Spider-Man, ambas de 1982, foi publicada, no Brasil, em 1986, pela Editora Abril, no número 37 da revista Homem-Aranha. É simples a sua trama. Despretensioso, o roteirista narrou uma aventura de um herói que, mesmo poderoso, tinha diante de si, e sabia disso, um vilão que ele não podia igualar, não podia vencer - mesmo assim o enfrenta, certo de que seria por ele derrotado. O Homem-Aranha não tinha outra opção. Não havia outro herói que pudesse ajudá-lo a enfrentar Fanático. Ele, e apenas ele, tinha de enfrentá-lo, e assim ele fez, e sem hesitar. Conquanto soubesse que o desenrolar do embate não lhe seria favorável, iria emular seu gigantesco, poderoso e invencível oponente, que, de tão superior lhe era, poderia matá-lo. A sua atitude, a de um herói, um autêntico herói, disposto, até mesmo, a sacrificar sua vida em favor de gente que nenhum meio tem para se defender de um vilão tão poderoso, vilão que ninguém poderia deter, como informa o título desta extraordinária aventura de um espetacular personagem que veio à luz das mentes férteis de Stan Lee e Steve Ditko.

O neto petulante e o avô espirituoso

 Petulante, o garoto abordou seu avô, que, entendia ele, era um velho gagá, e, prelibando do constrangimento que, acreditava, lhe iria impor, perguntou-lhe:

- Vovô, o senhor tem juízo?

E respondeu-lhe o avô:

- Não. Eu já transferi todos os meus bens ao seu pai, que os perdeu antes de você nascer.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Vários 7

 O novo normal - uma fábula do século XXI


Eram vinte e duas horas de um sábado.

Em sua casa, na varanda, sentado numa cadeira de plástico, branca, Joaquim, máscara multicolorida a cobrir-lhe o rosto desde o nariz até o queixo, olhava à rua, sem se deter em nenhum ponto; sempre que uma pessoa se lhe passava diante dos olhos, ele, cidadão consciente e responsável, verificava se ela trazia, no rosto, uma máscara ajeitada, corretamente, a cobrir-lhe nariz e boca, e acompanhava-a com o olhar até ela sair-lhe do campo de visão. Havia duas horas, só, exercia a sua tarefa, a de policiar a conduta das pessoas que à rua saíam de suas casas. Sacrificava, pelo bem comum, de sua vida, muitas horas por dia, dedicado que era à coletividade.

Não haviam transcorrido quinze minutos após as vinte e duas horas, aos seus olhos surgiram três pessoas, dois homens e uma mulher. A mulher trazia, cobrindo-lhe nariz e boca, máscara cor-de-rosa. Um dos homens tinha uma máscara preta a ocultar de olhos alheios nariz e boca; e o outro, sem máscara, tinha, desnudo, o rosto. Joaquim arregalou os olhos, e levantou-se da cadeira. O homem sem máscara, indo da direita para a esquerda, passou pela mulher, e pelo outro homem, que a seguia, a poucos metros de distância. Estavam distantes do homem sem máscara o homem e a mulher mascarados uns vinte metros quando este homem, o mascarado, acelerou os passos - ao mesmo tempo que retirou do bolso da calça um canivete, que abriu, dele exibindo a lâmina afiada, que brilhou à luz da lâmpada do poste - na direção da mulher, que lhe ignorava a presença, e, numa sequência de movimentos rápidos, com a mão esquerda cobriu-lhe a boca, impedindo-a de emitir qualquer gemido, e enfiou-lhe, na ilharga direita, o canivete, e retirou-o de dentro dela, e enfiou-lho no pescoço. Caíram a mulher e o homem que a esfaqueva, ele por sobre ela.

Joaquim, aterrorizado, alternava a sua atenção entre as duas cenas: a que lhe exibia o homem sem máscara e a que lhe revelava o homem e a mulher, ambos de máscaras, ele a matá-la com um canivete. Com as mãos trêmulas, tirou do bolso na camisa o telefone celular, e, sem pensar duas vezes, discou para a delegacia de polícia; assim que uma policial atendeu-o, disse-lhe, rapidamente, imensamente assustado:

- Mandem, e logo, uma viatura policial para cá, rua George Orwell. Imediatamente! É urgente! Mandem dois policiais, e rápido. Rápido! Há, aqui, na rua, um homem. Ele está sem máscara! Venham logo, antes que ele fuja! Mandem dois policiais! É urgente! Urgente! Urgente! Antes que ele fuja!

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Padre Brown, detetive - (Father Brown) - série de televisão - temporada 6, episódio 4, O Anjo da Misericórdia (The Angel of Mercy).


"Morte digna" é o eufemismo que à eutanásia se dá, hoje em dia.

Os defensores da eutanásia, ou morte assistida, entendem que cabe a cada pessoa decidir quando, e como, querem morrer, principalmente as pessoas que enfrentam doenças incuráveis, que lhes causam dores sem fim, insuportáveis. É este o tema central deste episódio de Padre Brown, detetive (Father Brown), série da televisão britânica inspirada nos contos do personagem homônimo de G. K. Chesterton. E em apoio ao tema central, o secundário: se tem autoridade, e superioridade, moral quem, se dando o direito de assumir o papel de anjo da morte, atende aos pedidos - ou, em não raros casos, às súplicas - das pessoas que desejam, por razões as mais diversas, retirarem-se à vida.

Freda Knight (Janet Dale), acamada, debilitada por câncer, suplica à Mrs. McCarthy (Sorcha Cusak), sua amiga, que a sufoque com um travesseiro, e ela, contrariando-lhe a vontade, aterrada, rejeita-lhe, terminantemente, o pedido. Horas depois, chega ao conhecimento de Mrs. McCarthy a notícia da morte, misteriosa, de Freda Knight. E Mrs. McCarthy recorre ao Padre Brown (Mark Williams), que lhe dedica atenção. E entram em cena Bunty (Emer Kenny) e o Inspetor Mallory (Jack Deam), que, com Mrs. McCarthy, compõem uma galeria de personagens onipresentes na série, e Caitlin O'Casey (Roisin O'Neill), Ellen Jennings (Wanda Ventham) e Seth Knight (Daniel Hawksford), e personagens de menor expressão. Durante o desenrolar das investigações, sucedem-se outras mortes misteriosas, todas de pessoas que, tal qual Freda Knight, sofria de grave doença.

Enfim, com a desenvoltura de um investigador infalível, para contrariedade do inspetor Mallory, cujas teorias se revelaram incorretas, Padre Brown resolve o caso: uma das personagens que animam a trama havia atendido ao pedido de Freda Knight e de outras pessoas que desejam morrer.

O anjo da misericórdia, pessoa que entendia executar um bem, um bem inestimável, às pessoas que lhe pediam - melhor, suplicavam - que lhes tirasse a vida, justificou, nos derradeiros momentos do drama, sua ação, ação meritória, de amor à vida, acreditava.

Pessoas que, de tão doentes, e de tão tristes, desesperançadas, e sem razôes, nem vontade, para prolongar suas vidas, têm o direito de decidir irem-se desta existência, por seus próprios meios, ou por ações alheias?

domingo, 4 de outubro de 2020

O Jardim dos Prazeres (The Pleasure Garden) - de Alfred Hitchcock - 1925

 A nossa falha condição humana pode nos levar ou à perdição, ou à salvação. É esta a síntese que faço deste filme em preto e branco, mudo, de Alfred Hitchcock, mestre irrivalizado dos filmes de suspense.

Moça ingênua e ambiciosa, Jill Cheyne (Carmelita Geraghty), noiva de Hugh Fielding (John Stewart), procura, para realizar seus sonhos, emprego de dançarina no teatro Pleasure Garden, cujo diretor, Mr. Hamilton (George Snell), rejeita-a; ela, todavia, persistente, dele obtêm uma oportunidade para apresentar-se; apresenta-se, e agrada ao público selecionado para avaliar as dançarinas. Assim que acordou com Mr. Hamilton sua remuneração, e após um contratempo, Patsy Brand (Virgínia Valli), convida-a a pernoitar na casa de Mr. Sidey (Ferdinand Martini) e Mrs. Sidey (Florence Helminger).

Predestinada ao estrelato, bem sucedida, distancia-se de Hugh Fielding e despreza Patsy Brand, e principia relacionamento com o Príncipe Ivan (C. Falkenburg). Vive no luxo e na abastança. Abordam-la ricaços e aristocratas. Está sempre paramentada com vestes luxuosas. Vive em um palacete.

Paralelamente à trama de Jill Cheyne, desenrola-se a de Patsy Brand, daquela independente e com ela conectada, até um certo ponto do filme, que, então, abandonando a daquela, que é relegada ao papel de figurante, concentra-se na de Patsy Brand.

Casados, Patsy Brand e Levet (Miles Manded) rumam à Itália, para a lua-de-mel. Patsy Brand deixara seu cachorro de estimação, Cuddles, aos cuidados do casal Sidey. E às margens do lago Como os recém-casados gozam de um idílio inesquecível durante algum tempo; e não tarda Levet a revelar seu temperamento rude; e deixando sua consorte na Itália, ele ruma a uma colônia britânica, onde permaneceria durante dois anos, e aonde Hugh Fielding iria. Mal sabia Patsy Brand que seu marido viveria, em tal colônia, relações ilícitas com uma jovem nativa, bela, formosa. Para justificar a ausência de comunicação epistolária com sua esposa, Levet envia-lhe uma carta informando-a de seu lastimável estado de saúde. Sobressaltada com a notícia, ela decide ir-lhe ao encontro, mas teria de conseguir, para empreender a viagem, dinheiro para a compra da passagem. Recorre, então, à Jill Cheyne, que, desdenhosa, lhe nega assistência, assistência que Patsy Brand obtêm, para sua surpresa, dos Sidey, que lhe entregam as economias que haviam reunido no decurso dos anos. Patsy Brand agradece-lhes a inestimável oferta. E vai à colônia britânica, onde vem a tomar conhecimento, para seu desgosto, do estado reprovável em que seu marido vivia com a jovem nativa, e onde lhe chega ao conhecimento o preocupante estado de saúde de Hugh Fielding, que, acamado, sofria de um mal que poderia vir a ceifar-lhe a vida.

E Levet precipita-se num estado de insanidade homicida. Delira. Vê fantasmas, que o aterrorizam. Ameaça agredir Hugh Fielding. Deseja matar Patsy Brand. Seu estado, deplorável, de um homem que, se despindo de sua essência humana, convertera-se numa alimária, horrenda, grotesca, bípede animalesco, irascível, doentio.

Patsy Brand e Hugh Fielding, enfim, regressam à companhia dos Sidey e de Cuddley.

Este é o entrecho de O Jardim dos Prazeres (Pleasure Garden), filme de um jovem Alfred Hitchcok, que se tornaria um ícone da sétima arte. Filme de quase um século, merece atenção ainda hoje, pois trata, com simplicidade, e crueza, de eternos fenômenos humanos.

sábado, 3 de outubro de 2020

Vários 5

 Mais algumas propostas de governo do senhor Zero à Esquerda, candidato a prefeito - publicado no Zeca Quinha Nius


Minhas novas propostas, pensadas, hoje de manhã, sob inspiração do meu amor pelo povo desta cidade, consistem na proibição de:

1) venda de cenouras alaranjadas - sendo cenouras, e não laranjas, as cenouras têm de, obrigatoriamente, ser acenouradas;

2) cotas raciais às pessoas que usam sapatos sem cadarço;

3) venda de melancias com mais de cinquenta sementes;

4) venda de bananas embananadas;

5) venda de laranjas verdes - todas as laranjas terão de ser, obrigatoriamente, alaranjadas; e,

6) andar, em espaço público, à frente da própria sombra.


Observação: A trangressão a qualquer uma destas determinações configurará, automaticamente, sem direito à defesa, ao transgressor, multa de R$ 1.000,00, ou dois anos de prisão.



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Novas propostas de governo do senhor Nulo da Silva, candidato a prefeito - publicado no Zeca Quinha Nius


1) Criação de um sistema rodoviário para uso exclusivo das bruxas. As bruxas, sabemos todos os envolvidos, de algum modo, consciente ou inconscientemente, com os mistérios da bruxaria, utilizam, incorreta e inadequadamente, vassouras como meios de transportes. Cientes de que não há, nem aqui nesta cidade e em nenhuma outra cidade, sistema de transporte de pessoas e de cargas vassouraviário, nem individual, tampouco coletivo, mas há o rodoviário, criaremos, então, em respeito à cultura milenar valiosa dos adeptos da bruxaria, da feitiçaria e da magia, um sistema rodoviário que atenda às necessidades de tal gente, misteriosa e encontadora; para tanto, distribuiremos, gratuitamente, rodos às bruxas - e, também às feiticeiras e às magas (e aos seus congêneres masculinos) -, rodos, em troca das vassouras que elas têm em posse;

2) Construção, pelo Departamento de Obras Magníficas - a ser criado - de ruínas romanas, egípcias, gregas, vikings, troianas, chinesas e hindus. Com a ereção de tais obras, estabeleceremos novo marco histórico da gênese do povo brasileiro; ofereceremos, assim, por tal meio, louvável, todos haverão de reconhecer, aos historiadores, cujos estudos serão pela Prefeitura subsidiados, subsídios e meios e recursos que lhes permitirão provar que os portugueses não foram os primeiros construtores do Brasil;

3) Criação de um grupo de estudos para tratar do estudo das relações de causa e efeito entre as erupções do Pinatubo e os sonetos do Petrarca;

4) Criação de um instituto de pesquisas que terá no estudo do impacto ambiental da flatulência das formigas seu objetivo primordial;

5) Criação de uma repartição especial de odontologia, subordinada à Secretaria da Saúde dos Doentes, para tratamento dentário da Mula-sem-cabeça; e,

6) Criação de cotas raciais para os pedestres e os ciclistas.


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Breves notas acerca da vida do senhor Inútil de Souza, candidato a prefeito - publicado no Zeca Quinha Nius


Nasceu o senhor Inútil de Souza em algum momento de sua vida anterior ao dia em que completou um ano de existência. Por esta época, ele não sabia falar, tampouco escrever seu nome. Era pequeno, bem pequeno; tinha menos de um metro de altura; e seu peso não chegava aos vinte quilos. Foi soberbamente amamentado pela sua genitora, que lhe dava de mamar quatorze vezes ao dia; e ela definhou a olhos vistos - de virago robusta e carnuda converteu-se numa esquálida matrona ossuda, famélica, despeitada, de olhos fundos e rosto encaveirado, cadavérico. Aos seis anos, matriculado na creche, comia e bebia como um imperador onipresente, e arrancava, aos puxões violentos, os cabelos de todos os seus coleguinhas e os das professoras. Aos sete anos, ingressou numa escola, que frequentou até os dezessete anos, e nela assistiu às aulas de Português, Matemática, História, Geografia, Química, Física, Biologia e Inglês, vindo a se tornar, ao final de suas experiências escolares, um agente inconsciente do movimento revolucionário, um idiota útil, e inútil, anti-americano renhido, anti-capitalista intransigente, feminista intolerante, anti-cristão fanático, e nada sabendo de Português, Matemática, História, Geografia, Química, Física, Biologia e Inglês. Aos dezoito anos, arrumou um bom emprego, que lhe fez muito mal; e aos dezenove, outro bom emprego, melhor do que o anterior, que lhe fez um mal ainda maior; e, enfim, estabeleceu-se em um que lhe exigia a execução de tarefas que ele, não sabendo quais eram, não pôde executá-las - e em decorrência de sua falta de conhecimento, foi sumariamente demitido. A partir deste dia, errou de emprego e emprego, sem conseguir uma ocupação digna, que lhe enobrecesse a figura. E após inúmeras experiências desgastantes e adversas, que lhe serviram de lições inesquecíveis, persuadido de que viveria à míngua e comeria o pão e o biscoito e a bolacha e o pretzel que o diabo amassou se persistisse em obter um bom emprego, que, estava ciente, exigindo-lhe dedicação ao trabalho, lhe faria muito mal, decidiu, peremptoriamente, candidatar-se a prefeito de nossa cidade.